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Me vacina, mãe!

A queda na vacinação infantil atinge índices preocupantes no Brasil. Saiba por que isso ameaça o presente e o futuro das crianças e como reverter o cenário

Por Maria Tereza Santos
Atualizado em 8 dez 2020, 15h01 - Publicado em 18 set 2020, 14h53
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  • O sonho de qualquer cidadão hoje é acordar com a notícia de que a vacina contra o coronavírus chegou e a campanha de imunização vai começar. Mas veja só que ironia: esperamos tanto por ela e deixamos de tomar aquelas já consagradas e disponíveis para prevenir outras doenças há décadas. Sim, precisamos abrir os olhos para os baixos índices de vacinação por aí, sobretudo no que diz respeito às crianças — uma situação ainda mais agravada pela pandemia. Tanto é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) emitiram um alerta sobre a interrupção das imunizações desatada pela Covid-19.

    Uma pesquisa dessas entidades em colaboração com universidades americanas mostra que 73% dos países avaliados tiveram algum tipo de suspensão ou restrição em seus programas de vacinação já em maio de 2020. As limitações envolvem desde o medo de as pessoas saírem de casa até a falta de profissionais de saúde dedicados ao serviço. Os dados focados na população infantil impressionam: a probabilidade de uma criança nascida hoje receber todas as vacinas recomendadas até os 5 anos é inferior a 20%. Esse cenário pode colocar em risco cerca de 80 milhões de bebês com menos de 1 ano de idade.

    O Brasil não foge à regra. Pior: há evidências de que a queda na vacinação infantil vem ocorrendo antes mesmo de a Covid-19 chegar. De acordo com um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que analisou a cobertura vacinal brasileira de 1994 a 2019, o índice de meninos e meninas menores de 10 anos vacinados caiu entre 10 e 20% no país desde 2016. “É um fenômeno mundial, e o que estamos vendo agora por aqui é a piora de um quadro que já era preocupante”, afirma o infectologista pediátrico Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).

    Embora o levantamento da Fiocruz tenha englobado todas as faixas etárias, as maiores baixas ocorrem justamente com as vacinas indicadas às crianças. A tríplice bacteriana, que previne tétano, difteria e coqueluche, sofreu uma redução de 34% — de 4,5 milhões de doses aplicadas em 2017 para 2,9 milhões em 2019.

    Preocupado com a situação, o médico Marcelo Otsuka, coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), se debruçou sobre os números do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SIPNI) e descobriu que, em 2019, a cobertura de dez imunizantes aplicados em bebês de até 1 ano ficou abaixo do recomendado para manter as doenças sob controle. Estamos falando de vacinas que protegem contra tuberculose, hepatites, rotavírus, poliomielite, febre amarela e enfermidades provocadas por bactérias pneumocócicas e meningocócicas.

    Mas como é que o Brasil, que um dia foi exemplo em vacinação infantil, caiu nesse estado? Os especialistas batem na tecla de que as gerações atuais desconhecem a gravidade das infecções combatidas pelas picadas e gotinhas e desvalorizam sua importância. Ora, é bem provável que você nunca tenha visto uma criança sofrendo as consequências da paralisia infantil, já que o último caso registrado de pólio no país é de 1989.

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    Mas pergunte a seus pais ou avós. Talvez eles se lembrem das sequelas terríveis da doença. “Além disso, hoje temos o problema das fake news”, aponta Sáfadi. A suposta invisibilidade se soma a teorias e posts sem pé nem cabeça… E quem paga o preço são os pequenos.

    Vacinas que não podem faltar na infância

    *A vacina pentavalente atual inclui a cobertura da tríplice viral mais proteção contra hepatite B e Haemophilus influenzae B

    Vacinas para crianças
    (Ilustração: Andrew Burgess/Getty Images)
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    Um estudo de 2019, encomendado pela Avaaz em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), revelou que, a cada dez brasileiros, sete já acreditaram em notícias falsas sobre vacinas. As fake news envolvem desde conteúdos fora de contexto e sem respaldo científico — como o infundado “vacinas causam autismo” — até mensagens divulgadas por movimentos antivacina.

    Apesar de eles não serem tão fortes no Brasil, Otsuka acredita que é necessário acender o alerta e prevenir sua expansão. “Há um bom tempo esse movimento gera uma série de problemas, como a nova epidemia de sarampo na Europa”, justifica o infectologista.

    Mas há outros fatores que contribuem para a queda na cobertura vacinal no país. E eles dependem mais do governo do que das famílias. “Temos problemas estruturais como a falta de doses nas unidades de saúde e seu horário de funcionamento restrito”, cita Sáfadi. Pois é, de que adianta fazer uma campanha pontual se os postos fecham antes da chegada dos pais do trabalho ou se os imunizantes simplesmente não atingem certas regiões?

    O assunto é urgente, e o sarampo é um bom exemplo de por que não podemos baixar a guarda na vacinação. Em 2016, o Brasil ostentava o certificado que nos declarava como a primeira zona das Américas livre da doença. Bastaram dois anos para o sonho virar pesadelo. Em 2018, o vírus retornou, provocando surtos em 11 estados e um total de 10 326 casos confirmados, de acordo com os boletins do Ministério da Saúde. Em 2019, o número subiu para 13 181 infectados.

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    “O sarampo é um problema potencialmente grave, principalmente em crianças menores de 1 ano, e já foi a principal causa de mortalidade infantil nos países com circulação em massa”, conta a pediatra Isabella Ballalai, vice-presidente da SBIm. Os números confirmam o perigo: dos 15 óbitos que ocorreram em 2019, a maioria aconteceu nessa faixa etária.

    O sarampo só voltou a estas terras porque a meta de imunização (95% da população) não vem sendo cumprida. Agora imagine outras pragas seguindo o exemplo desse vírus. “São doenças que provocam hospitalizações, podem deixar sequelas e até levar à morte”, alerta Sáfadi.

    E não afetam só as crianças, não. A infecção por bactérias meningocócicas, por exemplo, é capaz de gerar problemas respiratórios e neurológicos e até mesmo amputações em qualquer fase da vida. Outro caso é o do HPV, vírus transmitido sexualmente. A vacinação deve ocorrer no início da adolescência para que meninas e meninos estejam protegidos antes de começar sua vida sexual. As picadas previnem verrugas nos genitais e reduzem o risco de câncer de colo de útero, pênis e garganta lá adiante. A taxa de imunização das garotas no país está na metade do que é considerado ideal — entre os meninos, a situação é ainda pior.

    Quer mais um motivo para não negligenciar a vacinação? Otsuka lembra que, muitas vezes, as complicações e mortes por Covid-19 vêm na esteira de outras infecções oportunistas. Se alguém que não tomou a vacina pneumocócica pegar a bactéria durante o tratamento contra o coronavírus, o risco de pneumonia grave e outros danos decola.

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    E como é que a gente sai desse imbróglio? Uma unanimidade entre os experts é conscientizar constantemente a população e desmentir boatos e notícias falsas disseminados nas redes sociais. “Divulgar o papel e a importância das vacinas é o principal passo. E isso depende dos médicos, não apenas dos pediatras, das escolas, da TV, da internet…”, diz o consultor da SBI.

    Sáfadi, que também atua no Hospital Infantil Sabará, em São Paulo, destaca a necessidade de promover mudanças logísticas e assistenciais. “O governo precisa trabalhar para que não haja mais desabastecimento nas unidades de saúde e criar um sistema de registro mais eficiente, que permita identificar e corrigir as lacunas com clareza”, resume.

    “Os postos de saúde, por sua vez, precisam ser mais inclusivos e funcionar em horários mais amigáveis”, completa. Pensando nos adolescentes, um caminho para melhorar a situação é levar a vacinação às escolas. “Em vários lugares do mundo já se comprovou que essa é a única forma de ter uma boa cobertura nessa faixa etária. Está mais do que na hora de discutirmos esse tema com seriedade”, diz Sáfadi.

    VEJA SAÚDE tentou contato com o Ministério da Saúde para entender qual é o seu diagnóstico sobre o problema e as propostas para remediá-lo, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem. De qualquer forma, o Estado demonstra preocupação com o tema, já que desde 2019 investe em campanhas contra o sarampo em todas as faixas etárias e reforçou a imunização contra a gripe este ano.

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    Reverter a queda na vacinação infantil passa até por superar desafios armados pela pandemia. Nessa linha, A SBIm, em parceria com a Unicef e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), lançou a campanha “Vacinação em Dia, Mesmo na Pandemia”. A iniciativa publicou uma cartilha com orientações para a população se imunizar com a devida segurança nestes tempos. E, claro, todos somos convidados a fazer nossa parte. Lembre-se de que, ao vacinar seu filho hoje, você está reservando um futuro melhor para ele e toda a sociedade. Até porque ninguém quer uma nova epidemia agora ou lá na frente.

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