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O mundo também é dos vírus. E o virologista e especialista em coronavírus Paulo Eduardo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP), guia nosso olhar sobre esses e outros micróbios que circulam por aí.
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Varíola dos macacos? Cada macaco no seu galho!

Conheça a história da família de vírus da qual a varíola dos macacos faz parte, o que isso tem a ver com transmissão e o risco real da infecção para nós

Por Paulo Eduardo Brandão
3 jun 2022, 14h46
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  • Pústulas. Era esse o mais característico (mas não o único) sintoma de varíola, uma doença infecciosa devastadora que caminhou entre a humanidade por milênios, até ser erradicada em 1980 graças à vacinação iniciada no século 18. Claro, a erradicação também só foi possível porque nós, humanos, somos os únicos hospedeiros do vírus da varíola, e aí ele não sobra por aí escondido em algum reservatório selvagem. Em Inglês Antigo, pústula era “pocc”, que virou “pox”, que então batizou o nome do vírus que causa smallpox, varíola em inglês. 

    Só que outros poxvírus ainda andam por aí. Aqui no Brasil, temos o vaccínia, um pox que vai de vacas a humanos causando essas pústulas, mas com severidade imensamente menor do que a da varíola. E agora estamos vendo um outro pox pouco conhecido de nós, o pox da varíola dos macacos, se tornar matéria de preocupação. Macacos me mordam se estiver errado, mas isso se trata de exagero.

    Antes de tudo, a varíola dos macacos não é dos macacos. Em 1958, a doença foi descrita em macacos em uma instituição de pesquisa na Dinamarca. Seu causador, chamado de vírus monkeypox, vive na verdade em roedores nas florestas da África Central e Ocidental e, ocasionalmente, salta para primatas, incluindo nós mesmos. 

    Duas linhagens são conhecidas: a CB (Congo Basin) e a WA (West Africa), sendo essa última menos virulenta para seres humanos.

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    Os poxvírus são de um tamanho nada tímido para um vírus. Dá até para ver em um microscópio comum às vezes, sem ter que usar os superpotentes microscópios eletrônicos usados para entrarmos no mundo dos vírus. E, lá dentro dessas imensas partículas virais, uma complexa bagagem genética fica dobrada em um longo DNA envolto por capas de proteína e por um envelope gorduroso.

    Uma característica formidável dos poxvírus quando comparamos com o coronavírus da Covid-19 – que tem mais ou menos metade do tamanho e 10% do comprimento do genoma desses primos maiores – é a baixa velocidade evolutiva. Isso porque os poxvírus apresentam um genoma de DNA complexo: tudo leva muito, muito tempo para acontecer em DNAs como os deles (e como os nossos). Variantes não são populares entre os pox, ao contrário do que vemos nos acelerados vírus RNA, como os coronavírus.

    Como estamos tão familiarizados com os coronavírus, podemos usá-los de novo como régua para entender os pox em mais uma característica:  a transmissão. Coronavírus, apressados que são, precisam pular rapidamente de um hospedeiro a outro – senão, acabam se desfazendo no ambiente. Eles se espalham muito bem por sprays e gotículas no ar, mas não conseguem ficar esperando muito tempo em objetos para se transmitirem entre nós.

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    Os pox também se transmitem pelo ar, mas precisam de um contato bem mais cara a cara, talvez porque seu tamanho os impeça de flutuar para longe. Só que, resistentes como são, disseminam-se muito bem por via indireta, como objetos, roupas, cobertores etc. 

    Não é bem ilustrativo disso o fato de que conquistadores espanhóis presenteavam os povos originários aqui na Américas com cobertores de vítimas da varíola com a intenção de transmitir a eles a doença? 

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    Os casos de varíola dos macacos em seres humanos que estamos vendo na Europa e na América desde maio deste ano, envolvendo a linhagem WA do vírus e causando sintomas similares a gripe seguidos de pústulas, pode ter sido o resultado de um evento de supertransmissão iniciado entre homens que fazem sexo com outros homens. Mas cuidado aqui! 

    Não é que o pox se transmite por via sexual, mas sim que o contato entre as pessoas durante o sexo permite a transmissão pela respiração mais facilmente. E, como já vimos no caso da pandemia de aids, estigmatizar uma população como fonte de transmissão de doenças não é só cruel, mas, mas absolutamente perigoso para conter a doença. Reforço: qualquer pessoa dentro do espectro da sexualidade humana pode transmitir o pox de macacos para outra pessoa dentro de qualquer ponto deste espectro.

    +Leia também: para que serve a dexametasona?

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    O que vai acontecer com esse surto de varíola de macacos em pessoas? A taxa de transmissão é baixa e ele vai se conter naturalmente.  Se ele se expandir, temos vacinas e antivirais, mas isso não deve vir a ser necessário. 

    O que precisamos é nos lembrar que a varíola de macacos, com zero letalidade no surto atual, causa até 15% de mortes entre os infectados na África, onde é endêmica. Não é que o vírus lá seja mais agressivo, mas sim que a desnutrição e a presença de outras doenças não deixam as pessoas vencerem a infecção.

    Ainda estamos em meio a pandemia de Covid-19. Ainda precisamos usar máscaras e expandir a vacinação. A varíola dos macacos não é emergente, é “permanecente” como a raiva, a tuberculose, a leishmaniose e outras tantas doenças negligenciadas. 

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    Quanto mais investirmos em Ciência, mais diminuímos a carga que essas doenças causam. Quanto mais investirmos em Educação, mais conhecimento terão as pessoas para se prevenir. Pois, como se diz, “macaco velho não põe a mão em cumbuca”.

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