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Virosfera

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O mundo também é dos vírus. E o virologista e especialista em coronavírus Paulo Eduardo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP), guia nosso olhar sobre esses e outros micróbios que circulam por aí.
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O vírus dos vampiros, lobisomens e zumbis

Nosso colunista desmistifica a doença que deu origem a lendas e ainda hoje assombra a humanidade com suas manifestações neurológicas

Por Paulo Eduardo Brandão
Atualizado em 30 abr 2021, 11h22 - Publicado em 29 abr 2021, 12h24
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  • Imagine um vírus envelopado, com genoma feito de RNA, originário de morcegos e que, só este ano, já causou a morte de um número imenso de pessoas. Um vírus por trás de uma doença terrível, que faz os pacientes ficarem internados em UTIs e isolados da família e dos amigos. Pensou no coronavírus? Não desta vez: vamos falar do vírus da raiva.

    Anualmente, 60 mil pessoas morrem de raiva no mundo todo e esse número pode estar cem vezes subestimado — o que daria ao redor de 6 milhões de vítimas! Mas onde estão todas essas vítimas e por que não vemos notícias sobre essa outra pandemia?

    Quase todos os casos de raiva em humanos hoje ocorrem no continente africano e no subcontinente indiano, entre populações que não são atendidas de modo eficiente por programas de saúde. Além disso, as mortes são distribuídas ao longo de todo o ano, sem grupos de pessoas apresentando os sintomas simultaneamente.

    Alguém exposto ao vírus da raiva pode levar de um mês até um ano para desenvolver sintomas, enquanto o vírus vai migrando até o cérebro. E é chegando lá que as manifestações da doença aparecem.

    Podemos ser infectados pelo vírus da raiva principalmente quando outro animal — morcegos de todas as espécies e outros animais selvagens, assim como cães ou gatos — nos morde ou arranha. O vírus fica na saliva contaminada desses animais e também pode se alojar em suas garras, quando eles se lambem.

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    Após o período de incubação, uma pessoa com raiva começa a ter dores de cabeça, alucinações e confusão mental. Isso porque o vírus “haqueia” o cérebro, transformando a vítima em um zumbi transmissor da raiva.

    E aí as coisas começam a ficar muito estranhas: o paciente começa a ficar com medo de luz e de sons pela hiperativação sensorial, a emitir sons estranhos dada a paralisia do aparelho fonador, a ter dificuldade em comer e tomar água e acaba dando a impressão de que tem medo até de água — daí o outro nome da raiva, hidrofobia.

    Nessas circunstâncias, o indivíduo pode ficar agressivo e querer atacar outras pessoas ou ferir a si mesmo. Daí a necessidade de interná-lo e muitas vezes mantê-lo em coma induzido, para sua segurança e a dos demais.

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    Do passado para o presente

    Agora imagine: estamos na Idade Média e um lobo (com o vírus da raiva) me ataca. Umas semanas depois, começo a me esconder das pessoas, quero ficar só no escuro, minha voz muda e fico agressivo. Isso não é a clássica definição de um lobisomem?

    Pois é, estudos sérios mostram que a raiva pode estar associada à lenda dos lobisomens e dos vampiros! Em uma época onde se ignoravam as causas das doenças, as pessoas tentavam explicar o que viam por meio de superstições e mitos de suas culturas. Essas lendas foram trabalhadas pelo escritor irlandês Abraham “Bram” Stoker no seu insuperável livro Drácula, de 1897 (clique para comprar).

    Mas… e os morcegos? Morcegos existem em todos os continentes, exceto na Antártica. Todas as espécies de morcegos podem transmitir o vírus da raiva. Mas morcegos vampiros (ou hematófagos) só existem na América Latina. Bram Stoker pegou mais essa inspiração para construir a personagem do Conde da Transilvânia.

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    A raiva é considerada uma doença negligenciada entre as doenças negligenciadas. Não discrimina espécies de vítimas entre nós, mamíferos. Cães, gatos, humanos, vacas, cavalos, morcegos: todos servem ao vírus. Mas é uma doença perfeitamente prevenível.

    Se você for mordido ou arranhado por um animal, e receber a vacina (e, dependendo da gravidade do caso, soro antirrábico), tudo ficará bem.

    Campanhas de vacinação em cães e gatos e aquelas de esterilização desses animais para seu controle populacional, bem como a conscientização sobre posse responsável de animais de estimação, são mundialmente reconhecidas como efetivas para o controle da raiva.

    Então é isso: da próxima vez que ouvir ruídos estranhos à noite, pense bem o que pode estar lá fora. Seria um vampiro? Um lobisomem? Um zumbi? Ou pode ser o vírus da raiva?

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