Em 29 de fevereiro, bem no “dia bissexto”, um homem na cidade do Rio de Janeiro foi diagnosticado com uma estranha doença cerebral que não deveria estar lá, mas que não é rara na Amazônia, para onde o paciente tinha viajado. O nome dessa doença? Febre do Oropouche, mais uma daquelas infecções cuja expansão tem tudo a ver com mudanças climáticas.
Desde o começo de 2024, o Amazonas registrou 1 398 pessoas com a febre do Oropouche. Acre e Rondônia estão também com uma epidemia da doença.
Nos últimos 60 anos, 30 epidemias e mais de 500 mil casos foram registrados em comunidades urbanas e rurais no Brasil, no Equador, Panamá, Peru e em Trinidade e Tobago.
E foi bem aí, em Trinidade e Tobago que, em 1955, o primeiro caso da doença foi encontrado, em um trabalhador extrativista na comunidade de Vega de Oropouche. Daí porque essa condição carrega o nome do lugar – o que não é muito legal na verdade por promover a discriminação, e é algo inclusive desestimulado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a nomenclatura de doenças.
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Por fora, o vírus da Oropouche não tem nada de muito empolgante: um envelope viral arredondado cheio de proteínas, mais ou menos da metade do tamanho de um coronavírus. Mas lá dentro as coisas mudam: o genoma é quebrado em três pedaços de RNA e, se dois tipos diferentes de Oropouche infectarem a mesma célula, pode ser que a cria viral tenha estes pedaços embaralhados e fique mais indomável que seus pais.
Como a dengue, a Oropouche também é transmitida por mosquitos, mas por uma espécie diferente: o Culicoides paraensis, mais conhecido como maruim. As larvas desse mosquito não precisam necessariamente de acúmulos de água, pois se dão bem onde tiver matéria orgânica úmida, como folhas em decomposição, esterco de animais e lama.
Os ataques aéreos acontecem dia e noite, com mais frequência ao fim da tarde, pelas fêmeas do maruim, que vem sugar nosso sangue e acabam nos infectando com o vírus. Após uma incubação de três a oito dias, a pessoa infectada começa a ter febre e dor de cabeça, nos músculos e nas articulações. Entre as complicações, há risco de meningite e encefalite.
Não parece dengue, febre amarela e zika? Pois é, aí está o problema: não tem como diferenciar essas doenças só pelos sintomas – é necessário pegar o sangue do paciente e ver no laboratório se existem anticorpos contra esse ou aquele vírus para ter certeza de qual (ou quais) vírus estão por ali.
No ambiente selvagem, aves, bichos-preguiça e macacos podem ser reservatórios do Oropouche. Aí, alguém que se aproxime demais acaba sendo picado por um mosquito que picou um desses animais e se infecta, levando o vírus para sua comunidade ou cidade. Mas, daí em diante, a coisa é só entre nós, pois o Oropouche não precisa mais de intermediários, pulando de pessoas para pessoas.
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Ninguém é poupado: gente de todas as idades e gêneros pode pegar Oropouche. Mas crianças e jovens tendem a ser mais acometidas.
Não há vacina, nem tratamento específico. E as tentativas de exterminar os mosquitos não têm dado muito certo. Evitar ser picado é o que dá para fazer, usando repelentes, telas, roupas e por aí vai.
Sem água, o mosquito não tem como se reproduzir. Mas o clima está mudando – não só chovendo onde não chovia tanto, como também fazendo com que os animais que são reservatórios para essa e outras doenças mudem de casa também.
Além disso, os ciclos das plantas são alterados, deixando mais matéria orgânica em decomposição para que os maruins se divirtam.
Esse caso de Oropouche no Rio de Janeiro vai levar a uma epidemia no Brasil todo? Parece pouco provável. Mas quem disse que esse era o único caso? Pode ter muito mais pessoas já infectadas, com sintomas parecidos com os da dengue e que nem procuram atendimento médico.
Por falta de informação, perde a humanidade, ganham os vírus. De novo.