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O repórter André Biernath desenterra o passado e vislumbra o futuro da arte (e da ciência) da Medicina
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Lembra do desafio do balde de gelo? Saiba o que aconteceu depois

O dinheiro arrecadado com a moda das redes sociais de anos atrás permitiu avanços importantes na compreensão da esclerose lateral amiotrófica (ELA)

Por André Biernath
Atualizado em 21 dez 2018, 14h55 - Publicado em 4 mar 2018, 17h48
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  • Você provavelmente não deve ter entendido nada quando entrou no Facebook ou no Instagram em agosto de 2014 e viu os primeiros vídeos de gente jogando um balde de água gelada na própria cabeça. Parecia só mais uma febre passageira como tantos outros virais que pintam nas redes e ninguém vai se lembrar em algumas semanas. Mas o Ice Bucket Challenge, ou Desafio do Balde de Gelo, no bom português, foi diferente.

    Ele reuniu famosos do calibre de Marck Zuckerberg, Bill Gates (vídeo abaixo) e David Beckham (além dos brasileiros William Bonner, Ivete Sangalo e Ana Maria Braga) e, mais do que isso, foi responsável por mobilizar 17 milhões de anônimos e gerar mais de 440 milhões de visualizações de vídeos.

    Até aí, nada de novo. Quantas outras febres vieram e foram embora? Mas o desafio em questão foi diferente, porque ele não se limitou ao mundo digital. Além de postar o vídeo, todos foram incentivados a doar algum valor para as associações de pacientes com esclerose lateral amiotrófica, conhecida pela sigla ELA.

    Trata-se de uma doença caracterizada por defeitos nos neurônios motores, células do sistema nervoso que controlam o movimento de todos os músculos do corpo. É uma espécie de fraqueza progressiva e bastante limitante, que leva à morte 5 anos após o diagnóstico, em média. Um de seus portadores mais conhecidos foi o físico britânico Stephen Hawking, que morreu no dia 14 de março de 2018.

    Grana alcançada

    Em apenas um mês e meio de ação, a Associação Americana de ELA conseguiu arrecadar incríveis 115 milhões de dólares. Para ter ideia, no mesmo período do ano anterior, a entidade recebeu 2,8 milhões por meio das doações regulares. Ou seja, um crescimento de 41 vezes no valor! No Reino Unido, a ong local ganhou 7 milhões de libras. No Brasil, foram levantados 296 mil reais.

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    Uma boa parte dessa dinheirada toda, 67% do montante, para ser preciso, foi revertida em pesquisas científicas que investigam os detalhes da doença, que ainda é cercada de mistério sob vários aspectos. E, em menos de quatro anos, já vemos frutos bastante promissores desse investimento coletivo.

    Pra começar, um grupo de experts revelou o papel de uma mutação no gene NEK1 em alguns casos de ELA. E olha que esse é apenas o primeiro passo do Projeto MinE, que envolve 80 pesquisadores de 11 países e está sequenciando o genoma de 15 mil pacientes com a enfermidade (incluindo brasileiros). O objetivo é fazer uma varredura completa no DNA para descobrir todos os defeitos genéticos por trás do distúrbio neuromuscular. A partir daí, é possível pensar em novos tratamentos que consertem essas falhas.

    Falando em terapias, outro avanço interessante foi relatado recentemente no Journal of the American Medical Association, um dos periódicos científicos mais respeitados do planeta. Médicos da Universidade de Montreal, no Canadá, estão testando um remédio utilizado em pacientes com esquizofrenia há meia década nos sujeitos com ELA. A pesquisa está em fase intermediária, mas é promissora.

    O mais curioso desse caso é que, há 5 anos, o mesmo grupo canadense realizava testes desse medicamento com peixes e vermes, num estágio bem inicial de trabalho. O dinheiro arrecadado pelas brincadeiras na internet turbinou a iniciativa e permitiu chegar aos resultados com uma rapidez rara de se ver no mundo da ciência, que cada vez mais sofre com falta de apoio financeiro por parte das instituições públicas. Se passar por essa fase e uma outra posteriormente, o medicamento vira uma nova opção para frear e até controlar os sintomas da ELA num futuro próximo.

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    De ilustre desconhecida para o estrelato

    Também devemos contar os benefícios abstratos do Desafio do Balde de Gelo. O principal deles é justamente o conhecimento que a população tinha sobre ELA. Com muita gente sabendo da condição, fica mais fácil identificar os sintomas no começo e procurar por diagnóstico e tratamento.

    O lançamento do filme A Teoria de Tudo (também em 2014), que conta a história de Stephen Hawking, foi outro fator que ajudou nesse processo. No gráfico abaixo, veja como as pesquisas sobre o problema evoluíram nos últimos 5 anos. O grande pico ocorre justamente em agosto de 2014, período em que o Desafio do Balde do Gelo bombou:

     

    O próprio Stephen Hawking e sua família, aliás, quiseram participar da corrente:

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    https://www.youtube.com/watch?v=HZV_3n_fdQg

    Por mais que os céticos tenham dito à época que o viral não mudaria em nada a vida dos pacientes, a verdade é que a ideia trouxe, sim, bons resultados. Aliás, o gênio por trás da sacada, o americano Anthony Senerchia, ele mesmo portador de ELA, morreu no finalzinho do ano passado. O balde usado no primeiro vídeo dentre os milhões que viriam depois faz hoje parte do acervo do Museu da História Americana, sediado em Washington.

    Depois de 2014, não surgiram novas iniciativas bacanas que reunissem, ao mesmo tempo, uma missão inusitada, a participação de milhões de pessoas (incluindo famosos), a arrecadação de dinheiro para pesquisa e campanhas de conscientização sobre determinada doença. Se tivéssemos uma dessas brincadeiras por ano, com certeza pintariam outras ótimas notícias para compartilhar. Alguma boa ideia em mente? Quem sabe você não crie o próximo viral do bem?


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