O anúncio de Luciana Santos para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) foi recebido com otimismo pela comunidade científica. A engenheira já anunciou que pretende resgatar o protagonismo da pasta e lutar pela valorização dos pesquisadores brasileiros.
Como ficou claro na pandemia de Covid-19, a ciência é fundamental para promover saúde pública de qualidade, inclusive melhorando o Sistema Único de Saúde (SUS), e para manejar os riscos ambientais que tendem a aumentar daqui pra frente.
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Mas, agora, depois de quatro anos sobrevivendo com cortes orçamentários, falhas de gestão e um descaso generalizado, para onde vai o MCTI no governo Lula?
Fiz essa pergunta a Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ex-ministro da Educação e professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP).
A resposta está em formato de artigo. Leia a seguir:
As prioridades da ciência e da tecnologia
Por Renato Janine Ribeiro*
Depois da devastação efetuada no Estado e na sociedade pelo governo mais inepto de nossa História, as medidas a serem tomadas são bastante consensuais nas áreas afetadas: para usar a expressão de Joe Biden, nos Estados Unidos, trata-se de “reconstruir melhor” (build back better).
No caso da Ciência e Tecnologia, algumas medidas são urgentes e vou elencá-las, deixando claro que aqui falamos pela comunidade científica, e não pelo governo, mas convictos de que este nos escuta.
Talvez a primeira prioridade deva ser recompor os valores das bolsas do CNPq e da CAPES, que não conhecem reajuste desde 2013, dez anos, portanto. Elas são decisivas para manter jovens talentos na avenida dos estudos científicos.
Além do aumento do valor das bolsas, será preciso também elevar o número das mesmas, a fim de retomar a expansão do contingente de cientistas no Brasil.
Finalmente, entendemos que é justo conferir aos bolsistas direitos previdenciários, uma vez que muitos deles, por estudarem na pós-graduação, somente começam a contar tempo para aposentadoria já perto dos 30 anos de idade. Evidentemente, essa questão precisa ser estudada e debatida amplamente, mas seria razoável e desejável que se equacionasse ao longo do atual mandato presidencial.
Voltando às prioridades, nos famosos “primeiros cem dias”, o MCTI necessita, por um lado, de dinheiro, pois o orçamento foi sensivelmente desfalcado. Por outro, precisa voltar a ter o protagonismo que é naturalmente seu nas áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação.
É preciso, a exemplo do bem-sucedido SUS, e em paralelo ao proposto Sistema Nacional de Educação, constituir o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. O projeto de lei criando o Sistema deverá ser debatido amplamente com os órgãos de governo e, sobretudo, a comunidade científica, tecnológica e de inovação.
Da mesma forma, é hora de aprovar uma nova Estratégia Nacional de CTI, dado que a de 2016-2022 venceu sua vigência nos últimos dias do ano passado. Uma nova versão deve aumentar o papel das ciências humanas e sociais na redução das desigualdades sociais, tema que deve ser transversal a todas as políticas propostas, e enfatizar a preservação dos biomas brasileiros, em especial a Amazônia, mas não só.
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Também cabe rever a ordem dos pontos; o tema da defesa foi mencionado em primeiro lugar na atual estratégia e merece ser mantido, mas não nesta posição. A prioridade absoluta da nação deve ser referida à integralidade do seu povo, o que significa integrar plenamente como cidadãos os vulneráveis, os discriminados e excluídos – para os quais a ciência deve se voltar.
É isso o que esperamos do novo Ministério e essa, a contribuição que nos dispomos a lhe dar, como sempre demos, mesmo quando os detentores do poder eram hostis a nossos valores.
Concluindo: durante um bom tempo do século XX, a grande invenção científica que se celebrava era a bomba atômica, símbolo da energia nuclear. Nas últimas décadas, pelo menos nos meios científicos, esse protagonismo foi-se transferindo para o DNA, o código da vida.
Isto é altamente simbólico: é preciso libertar a ciência da hipoteca bélica, das ações visando à morte, e deixar claro que nosso foco é melhorar a vida. Não é matar. É viver e fazer viver. A comunidade científica tem, hoje, uma forte convicção ética. Por aí vamos, por aí contribuiremos e cobraremos.
* Renato Janine Ribeiro é presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo e ex-ministro da Educação