Cancelamentos evidenciam falta de regulamentação nos planos de saúde
Amil e Unimed resolveram suspender o serviço prestado a milhares de usuários sem justificativa plausível. Advogada explica como garantir seus direitos
Recentemente, as operadoras de planos de saúde Amil e Unimed cancelaram contratos e muitos beneficiários foram surpreendidos com mensagens notificando, com menos de 30 dias de antecedência, que serão expulsos dos planos, sem qualquer justificativa plausível.
Depois de muita comoção popular, as últimas notícias poderiam ser interpretadas como um alento para pacientes prejudicados. Mas ainda não é hora de comemorar.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, declarou em uma rede social que fez um acordo com as operadoras de plano de saúde para acabar com a onda de cancelamentos dos últimos meses, que penalizou idosos, pessoas em tratamento e tantas outras que os convênios entendem que causam prejuízos. Porém, até o momento, foi apenas um acordo informal, sem nenhum compromisso regulamentado.
O mais estranho é o fato de toda a intermediação ter sido feita pela Câmara, sob os olhares de uma Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) atônita, para variar, incapaz de dar segurança aos milhares de beneficiários afetados pelas recorrentes condutas abusivas e predatórias das operadoras. É como se a ANS estivesse delegando a responsabilidade.
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Para quem está perdido, explico: cancelamentos de contratos à revelia do consumidor sempre foram realizados. Mas nos últimos três meses, o volume cresceu assustadoramente. Alguns usuários sequer foram comunicados e só descobriram através da imprensa.
A Amil emitiu uma nota de esclarecimento, informando que a medida impactará apenas 1% dos beneficiários cobertos, por conta de um desequilíbrio extremo entre receita e despesa. No mesmo sentido, a Unimed comunicou que “cuidar é também ter equilíbrio”.
Neste cenário de descaso e busca incessante pelo lucro, muitos beneficiários idosos e doentes ficaram sem assistência médica e terão seus tratamentos interrompidos com um simples comunicado prévio inferior a 30 dias.
“Não temos planos disponíveis pra você”
Em seguida, iniciou-se uma corrida contra o tempo, e a sensação de salve-se quem puder tomou conta dos consumidores.
Novos abusos foram relatados pelos beneficiários ao tentar contratar outros produtos disponíveis no mercado, uma vez que as operadoras recusaram idosos ou usuários com histórico médico grave, bem como desrespeitaram o direito à portabilidade de carências — possibilidade de mudar de plano de saúde sem o cumprimento de períodos de carências ou cobertura parcial temporária de doença preexistente (CPT) de 24 meses.
As respostas eram diretas: “não temos planos disponíveis para você” ou “informamos que, no momento, infelizmente, não disponibilizamos de alternativas para contratação de outros planos de saúde dentre a nossa linha de planos coletivos por adesão”.
É importante mencionar que, nesses casos, o consumidor tem o prazo de 60 dias para o exercício de portabilidade de carências, de forma individual, para qualquer modalidade de contrato de assistência médica, desde que preencha os requisitos previstos na Resolução Normativa nº. 438/2018.
A consulta de compatibilidade poderá ser realizada no Guia ANS de Planos de Saúde, disponível no site da agência reguladora, na opção “Rescisão do contrato coletivo por parte da operadora ou da pessoa jurídica contratante”.
Após várias semanas de abuso contra o consumidor, a ANS, em nota, ressaltou que a reiterada prática de seleção de risco é vedada. Isso significa que a operadora de plano de saúde não pode impedir o ingresso ou excluir beneficiários de qualquer modalidade de plano privado de assistência à saúde, em razão da idade avançada ou condição de saúde.
Da mesma forma, o art. 14 da Lei nº. 9.656/98 também proíbe que os planos privados de assistência médica impeçam a participação dos consumidores, em razão da idade ou deficiência.
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Garantias legais
O judiciário tem entendimento favorável ao consumidor. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu a tese de que a operadora, mesmo após a rescisão, deve assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais ao usuário internado ou em tratamento médico, até a efetiva alta, desde que o beneficiário arque integralmente com as contraprestações.
Ou seja, se o beneficiário estiver internado em ambiente hospitalar ou em regime de home care, a portabilidade de carências somente poderá ser requerida após a alta médica, devendo o paciente permanecer no mesmo plano.
Diante de tantos absurdos praticados, o usuário pode buscar o respeito aos seus direitos por meio de medidas judiciais para permanecer no plano de saúde e garantir a continuidade de seu tratamento. Ou até mesmo obrigar a assistência médica de destino a aceitar o consumidor sem a imposição de carências e CPT de 24 meses.
Para além da justiça, que acaba sendo a válvula de escape diante da inércia da ANS, casos como esse exigem que a agência reguladora adote medidas urgentes para garantir a proteção das pessoas diante de rescisões imotivadas e abruptas.
Comunicados divulgados sem ação efetiva de punição não impedem a continuidade do problema. Além de uma fiscalização mais rigorosa sobre as práticas das operadoras, é necessário promover maior transparência e comunicação prévia adequada aos usuários afetados, assegurando o cumprimento dos direitos estabelecidos na legislação.