“Estou no fundo do poço”. O desabafo, quase um pedido de socorro, é do youtuber e humorista Felipe Neto. Aos 34 anos, é um dos influenciadores digitais com o maior número de seguidores no Brasil. No dia 1° de janeiro de 2022, seus 60 milhões de seguidores — 43,8 milhões só no YouTube! — levaram um susto ao ler sua postagem.
Nas redes sociais, Felipe conta que está com depressão. E faz uma comparação: enfrentar a doença sozinho é como entrar em campo sem goleiro contra o Flamengo ou o Corinthians. “Você não vai vencer”, diz. Para o alívio de seus fãs, avisou que está enfrentando o transtorno com a ajuda da família, de amigos e de “acompanhamento psiquiátrico e medicação”.
Felipe Neto não é um caso isolado. O humorista Whindersson Nunes, de 27 anos, chegou a dedicar um dos capítulos de sua autobiografia, Vivendo como um Guerreiro, da Editora Serena (clique para ver e comprar), ao problema. Ele se sentiu deprimido pela primeira vez em 2015, depois de um show em Aracaju.
Em outro trecho do livro, relata a ocasião em que, durante um espetáculo no Mato Grosso, sofreu um apagão em frente a uma plateia lotada. À época, fazia uma média de três shows em um único dia, de quarta a domingo. “Ao contrário do que muita gente desavisada acha, depressão não é frescura, não é falta de trabalho, não é descaso com a vida”, escreve. “Nunca escondi a depressão. Sempre falei até para ajudar as outras pessoas a procurarem ajuda também”.
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O número de comediantes que vivenciaram a doença não é pequeno. Um dos casos mais notórios é o de Chico Anysio (1931-2012). Criador de tipos inesquecíveis, como Professor Raimundo, Alberto Roberto e Justo Veríssimo, chegou a conceder uma entrevista em que fala abertamente sobre o assunto.
Em um vídeo gravado para a abertura do 29° Congresso Brasileiro de Psiquiatria, admitiu sofrer de depressão havia 24 anos. “Sem os remédios, não teria feito 20% do que fiz”, revelou. Durante o bate-papo com o médico Antônio Geraldo da Silva, hoje presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, comparou a depressão a um gás letal e criticou o preconceito contra a psiquiatria. “Quando alguém diz que não é maluco para ir ao psiquiatra, respondo: ‘Mas é idiota para falar uma bobagem dessas!’”.
Humoristas estrangeiros não estão imunes ao transtorno. Jim Carrey, de 60 anos, que o diga. A primeira vez que o astro de Ace Ventura, O Máskara e Debi & Lóide tomou coragem para assumir publicamente que sofria de depressão foi em 2004, em entrevista à rede CBS News.
Treze anos depois, voltou a enfrentar seus demônios. “Agora, a chuva chega, mas não permanece. Não o tempo suficiente para me afogar”, declarou em 2017. À época, lançou um minidocumentário, I Needed Color sobre o efeito terapêutico da pintura. “Eu não sei o que a pintura me ensina. Eu só sei que ela me liberta”, explica no vídeo de pouco mais de seis minutos.
De que ri o palhaço?
As histórias de Felipe Neto, Chico Anysio e Jim Carrey remetem ao mito do “palhaço triste”. Certo dia, um homem vai ao médico. Entre outros sintomas, relata uma tristeza incurável. Nada, absolutamente nada, queixa-se, lhe devolve a alegria de viver. Depois de examiná-lo, o doutor prescreve um remédio que considera infalível: o riso.
“Por que não experimenta ir ao circo?”, pergunta. “Dizem que o palhaço é engraçadíssimo!”. Nisso, o paciente cai no choro: “Mas, doutor, aquele palhaço sou eu!”. A origem dessa história é um tanto nebulosa. Uns dizem que foi contada pelo humorista americano Groucho Marx (1890-1977) em sua autobiografia, Groucho and Me. Outros, que faz parte parte de Watchmen, HQ escrita pelo quadrinista britânico Alan Moore.
A origem não importa. O importante é notar que fazer os outros rirem não é garantia absoluta de relaxamento e bem-estar. Dar risadas, garantem os cientistas, é benéfico à saúde. Fazer rir, nem tanto.
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“A máxima do ‘rir é o melhor remédio’ continua valendo. Afinal, o riso tem efeito transversal muito positivo na saúde mental. Mas, veja bem, não se diz que ‘fazer rir é o melhor remédio’”, interpreta o psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP e coautor de O Palhaço e o Psicanalista, do selo Paidós.
“Ao contar uma piada engraçada, o humorista captura fragmentos da satisfação que sentiu ao ouvir aquela piada pela primeira vez. É o que Freud chamou de ‘transmissão social do chiste’. O problema é que, depois de contar a mesma piada por dez ou vinte vezes, ela deixa de ser engraçada e perde seu efeito”, pontua o especialista.
A psiquiatra Alexandrina Meleiro, conselheira da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata), acrescenta que já existem estudos que elucidam o mistério por trás da depressão em humoristas. “Boa parte dos comediantes envereda pelo humor como válvula de escape”, explica.
“Na maioria das vezes, eles começam cedo. Ainda garotos, criam apelidos, contam piadas e fazem imitações só para chamar a atenção dos outros. No colégio, são os ‘palhaços da turma’”, relata. Quando crescem, eles gravam vídeos, fazem stand-up comedy e colecionam seguidores.
“Muitos fazem graça da própria saúde mental”, observa a médica. Para quem ignora que depressão não é brincadeira, ela recomenda reavaliar seus conceitos e, no dia a dia, priorizar boas noites de sono, uma atividade física prazerosa e pausas revigorantes no trabalho.
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O demônio do meio-dia
Sem diagnóstico correto e tratamento adequado, a depressão é um problema grave que pode levar ao suicídio. Suspeita-se que pelo menos dois humoristas tenham tirado a própria vida por causa dela: o americano Robin Williams (1951-2014) e o brasileiro Fausto Fanti (1978-2014).
“Não há evidências de que a profissão de humorista seja um fator de risco para o adoecimento psíquico. É preciso cuidado para não estigmatizar qualquer categoria profissional”, faz questão de ponderar a psicóloga Daniela Reis e Silva, diretora da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps).
A depressão é um transtorno democrático e multifatorial que atinge mais de 16 milhões de brasileiros. Tem origens genéticas, biológicas, psicológicas e sociais. Ao longo da história, recebeu os mais diversos nomes. Já foi “melancolia” na Grécia Antiga; “acédia”, na Idade Média; e esse misto de tristeza com falta de disposição foi apelidado por monges anacoretas de “o demônio do meio-dia”.
O diagnóstico da depressão é clínico. Não é detectável por exames de sangue, chapas de raios-x ou testes de resistência física. A boa notícia é que, como adiantou Felipe Neto em seu post, há tratamento psicoterápico e medicamentoso. Aos seus seguidores, o humorista faz um apelo: “Busquem ajuda. Não enfrentem a depressão sozinhos”.