Dia desses, o jornalista e escritor Joaquim Ferreira dos Santos foi até uma loja de informática para comprar uma capa nova para o celular. Escolhido o modelo, efetuou o pagamento por aproximação. “Uau!”, exclamou o vendedor. “Para sua idade, isso é raro!”.
O episódio inspirou a crônica Parecia Elogio, Mas Era Só Preconceito. “O etarismo deprecia quem teve a sorte de sobreviver aos percalços da existência”, desabafou o cronista no texto publicado no jornal O Globo.
O termo etarismo (ageism, no original) foi criado em 1969 pelo médico americano Robert Neil Butler (1927-2010) para designar o preconceito de idade. Pode atingir tanto jovens quanto idosos. “É o ato de discriminar uma pessoa ou um grupo em função de sua idade cronológica”, esmiúça a psicóloga Fran Winandy.
Em Etarismo – Um Novo Nome para Um Velho Preconceito (Matrix, 2023), ela cita alguns exemplos clássicos do que chama de etarismo benevolente, como “Está ótima para a idade!” ou “Não aparenta a idade que tem”.
“Situações cotidianas, aparentemente inofensivas, são, na verdade, expressões de preconceito”, avisa Fran, que também mantém o blog Etarismo nas Organizações. “Quando você conversa com um idoso num tom pausado e mais alto do que o normal, porque pressupõe que ele não irá ouvir ou compreender o que diz, você recai nesta categoria”.
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“Elogio com ‘mas’ não é elogio”
Em maio do ano passado, Andréa Beltrão publicou no seu perfil do Instagram uma reflexão sobre o tema. A atriz questionava as pessoas que, em tom de elogio, diziam: “Nossa, Andréa, você tem 58 anos? Mas você está ótima!”
“O que esse ‘mas’ quer dizer?”, ela indaga no vídeo. “Porque eu tenho 58 anos, eu devia estar péssima? Parece que sim, né? (…) Elogio com ‘mas’ não é elogio. Eu tenho 58 anos e estou ótima! Sem nenhum ‘mas’…”.
Na próxima segunda, dia 2, Andréa Beltrão volta ao ar em Falas da Vida, especial da TV Globo.
No quarto episódio da série Histórias Impossíveis, dedicado ao Dia Internacional do Idoso, a atriz dá vida a Meire, uma ex-motorista de ônibus que, prestes a completar 60 anos, aceita trabalhar como motorista de aplicativo para sustentar a família.
Certa noite, ela conhece Bex, uma cadeirante misteriosa que, no melhor estilo Além da Imaginação, série de ficção-científica dos anos 1960, dá um novo significado a sua vida.
“Meire, você tem medo da velhice?”, pergunta a passageira. “Acho que todo mundo tem, não tem?”, responde a motorista.
“Querem que eu vá à praia de burca?”
O preconceito etário tem muitos nomes. Alguns estudiosos preferem chamá-lo de ageísmo. Outros, de idadismo.
A antropóloga Mirian Goldenberg prefere chamar o pânico de envelhecer e a violência contra os mais velhos de velhofobia. “Tem um impacto maior”, justifica a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Em A Arte de Gozar – Amor, Sexo e Tesão na Maturidade (Record, 2023), Mirian fala da vez em que a atriz Betty Faria foi xingada de “velha baranga”, entre outros impropérios, por ir à praia de biquíni.
“Querem que eu vá à praia de burca?”, rebateu a atriz, então com 72 anos. “Que eu me envergonhe de ter envelhecido?”.
“A velhofobia é o retrato perverso da violência física, verbal e psicológica que as mulheres sofrem diariamente, dentro e fora de casa”, afirma a antropóloga.
Autora de oito livros sobre envelhecimento, Mirian afirma que, ainda hoje, não sabe direito o que responder quando lhe perguntam qual a lição mais importante que aprendeu em suas pesquisas sobre o tema.
“A melhor forma de vencer a velhofobia é rir, brincar e gozar dos meus próprios medos, das minhas próprias inseguranças e das minhas próprias vergonhas de envelhecer”, aponta.
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A seguir, confira uma entrevista com as atrizes Andreá Beltrão e Zezé Motta:
VEJA SAÚDE: O que mais chamou sua atenção em Falas da Vida, o quarto episódio da antologia Histórias Impossíveis, dedicado ao Dia Internacional do Idoso?
Andréa Beltrão: A história. Uma motorista de aplicativo, que precisa rodar dia e noite, sem descanso e sem nenhuma garantia das leis que protegem os trabalhadores.
Desconfio muito dessa febre de empreendedorismo. Acho bom poder ser seu próprio patrão, mas é importante preservar os direitos que todo trabalhador merece.
Zezé Motta: É tão interessante o desenrolar dos destinos das pessoas, as histórias que se cruzam e como cada decisão impacta no seu futuro e ecoa na eternidade. Gostei de fazer parte deste projeto. Amo o que faço: atuar.
Andréa Beltrão: Sobre o Dia do Idoso, acho um nome realmente velho, que não traduz o que estamos vivendo. Vivemos cada vez mais. A experiência das pessoas mais velhas é fundamental.
Ser jovem é maravilhoso. Viver muito também é. Poderíamos trocar o Dia do Idoso por 60+. Muito mais simpático e realista.
VEJA SAÚDE: Como descreveria para o público sua personagem em Falas da Vida? Vocês têm algo em comum ou já viveram situações parecidas?
Andréa Beltrão: Meire é uma trabalhadora, como milhões de brasileiras, que precisa levar o sustento para casa no fim do dia. E, como a Meire, também já me encontrei com pessoas misteriosas e interessantes, como a Bex. As duas se provocam e se completam.
Zezé Motta: A Bex foi uma personagem gostosa de interpretar. É uma mulher misteriosa, um tanto mística. O que temos em comum é a resiliência.
Ela surge na vida da Meire para mostrar que tudo tem um porquê. Em vários momentos, me emocionei porque encaro a vida como a Bex, com muita leveza e boas risadas.
VEJA SAÚDE: Qual é a importância de se falar sobre envelhecimento saudável, entre outros temas, num momento em que há tanto etarismo no Brasil e no mundo?
Andréa Beltrão: O etarismo é mais uma barreira que estamos tirando do nosso caminho. É uma maneira hipócrita de selecionar as pessoas que “interessam” ou não. Batalha perdida para os etaristas.
Desejo do fundo do coração que eles envelheçam bem, com saúde, que desfrutem da vida. Gosto muito de uma frase que ouvi de Tônia Carrero (1922-2018) enquanto pintávamos nossos cabelos em um salão.
Estava linda e já não era uma garota. Hipnotizada, elogiei sua beleza. “Querida, obrigada! Estou feliz, porque a outra opção é bem pior…”
Zezé Motta: É importante ressaltar que estamos, de fato, na “melhor idade” porque enxergamos a vida com os olhos da maturidade, de forma mais ampla.
Porém, há muitas coisas que precisam ser levadas em consideração: ser idoso/idosa é um privilégio, toda manhã é um recomeço, como para todo mundo. Estamos vivos e vivendo, ativos na sociedade. Falta um olhar mais complacente.