Na sala de espera do dentista tocavam músicas natalinas, daquelas antigas, norte-americanas. E eu, para passar o tempo, prestava atenção nas letras das canções.
Percebi, com curiosidade, que elas pareciam insistir em tentar me convencer de que dezembro é a melhor época do ano. Claro que o fim de ano é mesmo um momento importante para muitos religiosos, mas não era disso que as letras das músicas falavam.
Elas apelavam para outros símbolos, como os que remetem à natureza, ao alimento, aos afetos entre as pessoas e até aos jogos e à diversão.
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Diante de tanta insistência, eu me perguntava: onde será que encaixo a correria, o trânsito, a compra de presentes sempre atrasada, entre outras tantas características desse mês? Dezembro está com essa bola toda mesmo? Será que os autores dessa música não têm um tiozão do pavê que está sempre atormentando as festas de fim de ano?
Mas aí lembrei que a negação e a recusa são processos psíquicos poderosos, conhecidos desde os tempos de Freud, que nos lembram que a mente possui mecanismos que nos impedem de enxergar a realidade como um todo, hipervalorizando alguns aspectos em detrimento de outros e fragmentando o nosso entendimento do mundo.
Somos capazes de ficar com apenas um lado das coisas, como nas músicas de Natal, e negligenciarmos temas que precisam de cuidado e atenção. Sim, às vezes a realidade é difícil de processar e a mente utiliza de recursos defensivos para suportar momentos de maior intensidade emocional, como esses que costumam popular o calendário do mês de dezembro.
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Às vezes, queremos enxergar apenas a parte mais brilhante da realidade. Mas, se existem as festividades e os simbolismos de renovação, existem também o estresse, a ansiedade e, para muitos, a melancolia.
As solidões são mais graves nessa época do ano. Muitas vezes, as reuniões de trabalho também.
Os consultórios, nas mais variadas especialidades do campo da saúde, ficam mais cheios, até lotados. Entre os profissionais “psis”, é comum ouvir relatos do aumento de atendimentos de emergência nessa época. Existe até um apelido atribuído ao fenômeno, a síndrome do fim de ano.
Pense, por exemplo, no hábito que temos de fazer balanços a respeito dos nossos planos nos últimos dias do ano. Nessa hora, muitas vezes acabamos enfrentando frustrações e impotências.
É também uma época que favorece a busca das recordações de pessoas queridas que já se foram, o que costuma ser emocionante. Além disso, o fim do ano significa que o tempo passa para quem vive. Lembrar do fatal avanço do tempo é estar em contato com a finitude.
Diante disso, muitos de nós adotamos em dezembro uma pressa diferente, intensificada pela urgência sentida em ter que cumprir todas os planos e metas, como se lutássemos para agarrar o tempo que nos resta.
Surgem formas particulares de esquecimento, como o de que muitas urgências que parecem caso de vida ou morte em dezembro caberiam perfeitamente na agenda de janeiro.
São variados os gatilhos deste mês cheio de ambivalências. E o primeiro passo para sofrer menos é não negar os desafios do período e não pintar de douradas as expectativas sobre a época, os encontros ou – o mais importante – sobre si próprio.