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Como anda sua saúde mental? O psicólogo e psicanalista Francisco Nogueira, membro efetivo do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e cocriador da consultoria Relações Simplificadas, reflete sobre as questões da mente humana para lidarmos melhor com os desafios do mundo de hoje
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A psicanálise na era dos novos extremismos

Nosso colunista retoma as origens dessa área do saber e da saúde mental para mostrar como ela se ressignifica para atender novas demandas e desafios sociais

Por Francisco Nogueira
12 jul 2023, 10h35
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Psicanálise expôs "verdades inconvenientes" para lidarmos melhor com nossas falhas e tendências naturais. (Foto: GI/Getty Images)
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Nascida no alvorecer do século 20, a psicanálise veio para revolucionar tudo aquilo que acreditávamos saber sobre nós mesmos. Por essa razão, foi denominada como a terceira ferida narcísica da humanidade.

Segundo Sigmund Freud, seu criador, a nossa primeira ferida teria sido fruto das descobertas de Copérnico que, ao comprovar que a Terra gira em torno do Sol, retirou da humanidade a crença de que todo o universo giraria ao seu redor.

Darwin teria causado uma segunda ferida narcísica na concepção de nós mesmos: ateoria evolucionista deslocava a origem do ser humano para o reino animal, retirando de nós a crença de que seríamos fruto de um sopro de Deus.

No final do século 19, a humanidade, despida de seu lugar de destaque no cosmo e de sua origem divina, agarrava-se à sua consciência e ao seu poder de racionalização para sustentar um último lugar de destaque entre os demais seres.

Entretanto, Freud, ao desvelar o inconsciente, demonstra que a razão e a consciência são, como dizia o escritor e psicanalista Luiz Alfredo Garcia-Roza, meros efeitos de superfície de um processo psíquico mais profundo.

O médico austríaco afirmava que “o Eu não é senhor em sua própria morada”, ou seja, que antes de sermos seres conscientes é o inconsciente que revela e guarda a nossa verdade, determinando muito mais sobre quem somos do que gostaríamos de admitir.

Ao longo do século 20 a psicanálise se desenvolveu e ganhou adeptos.

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Foi na sua relação com o mundo, com as experiências das guerras, com o desenvolvimento das ciências e das artes que seus saberes clínicos e teóricos ganharam potência e profundidade. Durante décadas, a psicanálise circulou como matéria praticamente obrigatória no campo da saúde mental (incluindo a psiquiatria) e influenciou outras áreas do saber, como a filosofia.

+ LEIA TAMBÉM: O livro de Freud que disseminou a noção de atos falhos

A partir do final da década de 1970, início dos anos 1980, o campo discursivo da saúde mental passa a ser ocupado, cada vez mais, pelos discursos medicalizantes e comportamentais. Com o lançamento do Prozac, em 1988, o discurso farmacológico ganhou ainda mais força e passou a ditar boa parte da construção do conhecimento a respeito da nossa subjetividade.

Nesse contexto de descobertas sobre a mente, a psicanálise sofre um retraimento no protagonismo discursivo do campo psi, o que não aconteceu sem consequências para a concepção filosófica de quem seríamos nós.

Em troca de uma objetividade material, perdemos em profundidade metapsicológica.

O século 21 desponta com novos desafios para a saúde mental. Os saberes comportamentais caíram como uma luva para o desenvolvimento de algoritmos que transformaram o ser humano em insumo para o desenvolvimento das tecnologias da informação.

Paralelamente a isso – e talvez, em parte, como consequência disso – observamos o crescimento dos chamados casos-limite, cuja complexidade desafia a psicofarmacologia e a psiquiatria.

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Há muito tempo não testemunhávamos um período histórico tão desmoralizante.

Assim como ao fim da Primeira Guerra Mundial, quando o pensador alemão Walter Benjamin descrevia as experiências radicalmente desmoralizadas do corpo pela fome ou as experiências morais impostas pelos governos, hoje enfrentamos, junto a estas, a desmoralização da experiência do trabalho pela precarização, da experiência coletiva pelas redes sociais e da esperança pela degradação ambiental.

O horror da situação atual é pessoal e coletivo, social e histórico. Expressões deste horror são o extremismo, o radicalismo e o negacionismo científico, mas também a contaminação que tais discursos operam nas relações pessoais e familiares.

Mas o que o extremismo, o radicalismo e o negacionismo têm em comum com os nossos sofrimentos tão contemporâneos e públicos, quanto, muitas vezes, secretos e privados? Todos, enquanto formas de discursos, representam a nossa pobreza externa e interna.

A pobreza deste tempo e dessa cultura bárbara que nos afasta tanto da realidade do nosso mundo interno quanto da realidade do mundo social e político, de tal maneira que paralisa as iniciativas transformadoras e capazes da construção de experiências edificantes.

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O negacionismo, as mentiras e as fake news são apenas sintomas do empobrecimento subjetivo que as visões mecanicistas sobre o ser humano semearam.

+ LEIA TAMBÉM: O impacto das redes sociais na nossa cabeça

Freud dizia que o processo de amadurecimento do psiquismo, o processo que nos coloca na cultura, que nos torna humanos, tem um custo narcísico.

O que ele queria dizer com isso é que, se quisermos dominar os objetos, a natureza, a vida e o nosso destino, é preciso que sejamos capazes de superar a nossa concha narcísica, ou seja, ir além das nossas bolhas e buscar o contato com o outro e com as mais diversas realidades, por mais incômodo e trabalhoso que isso possa parecer.

A verdade é que a realidade não se curva à nossa vontade; e isso não é o que os algoritmos prometem. No mundo contemporâneo da pobreza algorítmica, as ilusões desejadas se apresentam vertiginosamente a partir dos aprendizados de máquina, programados segundo uma única regra: agradar.

Dentre todos os saberes psi, talvez seja seguro afirmar que a psicanálise seja a disciplina que mais se dispôs a enunciar as verdades inconvenientes, ou desagradáveis, sobre a nossa mente e sobre as nossas relações.

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Saber disso nos ajuda a compreender parte das resistências a este campo dos conhecimentos, assim como os momentos em que a psicanálise teve baixa popularidade. Também explica por que ela não atende à nossa incansável busca por algum saber que resolva os nossos problemas de maneira imediata e desafetada.

Mas a psicanálise é uma ciência viva, que se reinventa e se ressignifica. As clínicas abertas, acessíveis, populares, públicas que engajam o conhecimento acadêmico à realidade social e política da nossa população desafiam o seu braço institucional enrijecido e oxigenam sua capacidade de penetração na realidade e na sociedade.

A retomada de autores do campo psicanalítico, como Ferenczi, Bion, e Winnicott, ou dos estudos de escolas que, por muito tempo, não ocuparam o centro dos interesses dos psicanalistas, aparece como uma resposta aos desafios contemporâneos e ao mundo pós-pandêmico.

Ao mesmo tempo em que ela restaura a sua verdade, a psicanálise restaura a verdade da nossa humanidade, falha e bela, forte e vulnerável.

Ela nos lembra que o amadurecimento é um processo de superação dos nossos narcisismos em uma era em que o ego é instigado a se autovalorizar e que os jovens são acometidos por transtornos mentais como jamais vimos acontecer em tempos de relativa paz e abundância no mundo.

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A psicanálise é capaz de resgatar a nossa verdade e a nossa capacidade de produção e compartilhamento de experiências para nos ajudar a sair de nosso delírio narcísico e a nos conectarmos com a realidade para que sejamos, novamente, capazes de atuar de maneira transformadora.

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