Eu não sei se teria jeito mais potente de começar o ano! Em janeiro, eu e a Adriana fomos as únicas mulheres, empreendedoras da área de saúde, a representar o Brasil na 54ª edição do Fórum Econômico Mundial, evento mundial que reúne líderes globais para discutir as questões mais urgentes enfrentadas em todo o mundo.
Foi nossa segunda vez, em Davos, Suíça. A primeira, em 2022, para receber o prêmio de Empreendedora Social do Ano pelo projeto de acesso à saúde com unidades de telemedicina avançada, um exemplo pioneiro de como a telessaúde pode ser utilizada para resolver a falta de acesso a médicos especialistas. Essa, aliás, é uma carência que atinge cerca de 65 milhões de pessoas no Brasil.
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Já desta vez, fui como palestrante convidadas pela Fundação Schwab, no painel: “The Impact Opportunity of Artificial Intelligence” – em tradução livre, a oportunidade de gerar impacto com inteligência artificial.
E, realmente, entre os diversos temas discutidos em Davos, o mais relevante e transversal foi a inteligência artificial (IA). Suas aplicações e implicações, do mercado de trabalho à educação e, é claro, também na saúde.
No painel do qual participamos ao lado de outros empreendedores sociais e VPs de grandes empresas, saímos com algumas percepções:
- A IA talvez seja a maior disrupção que a sociedade moderna já viu
- Ela trará mais eficiência, produtividade e vai mudar as dinâmicas de trabalho de diferentes setores (E, no setor de saúde, o mesmo vai acontecer)
- A questão é que as mudanças provocadas pela IA não são necessariamente positivas para o tema que temos debatido nesta coluna: o acesso à saúde. E foi essa discussão que apresentamos em nosso painel.
A reflexão proposta foi construída a partir da visão de que inovações nem sempre levam a melhor acesso, a não ser que sejam desenvolvidas e aplicadas com essa intenção. E esse não é o caso da IA dos modelos atuais.
As bases de dados que alimentam estes modelos já são enviesadas. Deixam de fora uma parcela imensa da população que nunca nem teve acesso a uma consulta com registro clínico em prontuário eletrônico.
Um exemplo é a SAS Brasil, nossa startup social que atua desde 2013 levando atendimento gratuito para regiões sem acesso à saúde especializada no país. Ela está desenvolvendo o algoritmo de IA para detecção de câncer de colo de útero a partir do banco de imagens de colposcopias.
Grande parte do trabalho está sendo feito para garantir que as imagens que alimentam o banco sejam representativas da população brasileira, com termos de ética e consentimento sobre o uso dessas imagens.
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Outra reflexão importante é o fato de que praticamente todos os modelos de IA na saúde são utilizados para trazer mais eficiência para o diagnóstico, seja analisando tomografias, ressonâncias magnéticas, imagens de raio-X, entre tantos outros.
O questionamento aqui é: garantir mais produtividade em diagnósticos é o que vai de fato mudar o jogo no setor da saúde? Ou esse ganho de eficiência é como um carro indo três vezes mais rápido no sentido errado?
Não que os diagnósticos não sejam importantes. Mas a complexidade e o gargalo do acesso são tão anteriores à avaliação de imagens para confirmação de diagnósticos que acreditamos que a grande revolução da IA na saúde seria olhar para outras fases da jornada de pacientes, principalmente para aquelas que alavancam acesso.
Para nós, o mais importante é que o debate sobre a IA também considere o impacto positivo que ela pode ter. Desde que seja aplicada intencionalmente para isso.
Ainda não temos as respostas, mas sabemos que a intenção de inovar em prol de uma saúde com mais equidade é o caminho para a transformação que acreditamos para o setor.
Foi isso que nos trouxe até aqui: mais saúde para cada vez mais gente no nosso país. Junto do SUS e com muito acolhimento! A missão agora é escalar o impacto da SAS para além da organização social.