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Crianças e adolescentes são os principais alvos da indústria do tabaco

Estratégias de marketing tentam minimizar os efeitos nocivos dos cigarros, principalmente dos eletrônicos, mas a ciência é clara sobre seus riscos

Por Jaqueline Scholz, cardiologista*
Atualizado em 29 ago 2024, 17h07 - Publicado em 29 ago 2024, 08h26
cigarro-eletronico
O cigarro eletrônico tem forte apelo entre jovens e adolescentes, que estão mais suscetíveis ao vício do tabagismo (Foto: Vaporesso/Unsplash/SAÚDE é Vital)
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29 de agosto é o Dia Nacional de Combate ao Tabagismo. E a data segue importante, afinal, não há moderação e muito menos ética para captar novos fumantes. Assim agem as indústrias de tabaco, na ânsia de angariarem cada vez mais adeptos para manterem um público cativo e viciado.

A fabricação de cigarros eletrônicos (ou vapes), por si só, já representa uma estratégia de marketing sem precedentes. Isso porque esses aparatos passam uma imagem de modernidade, visando fisgar os mais jovens. E, infelizmente, a empreitada é bem sucedida.

Um documento divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, mundialmente, 37 milhões de adolescentes entre 13 e 15 anos estão fazendo uso do tabaco, e adultos começaram quando tinham menos de 21 anos.

Mas como esta “mágica” do convencimento acontece? Na verdade, não temos muita novidade em relação ao início do século 20. A técnica continua sendo relacionar os produtos com a ideia de sucesso e engajamento.

Massacrado pelas campanhas antitabagismo que conquistaram a proibição de publicidade e de fumar em locais fechados em muitos países – incluindo o Brasil –, os cigarros voltaram travestidos de dispositivos que lembram canetas, pendrives, batons etc. e têm aroma e sabor, o que ajuda a vender a ideia de serem inofensivos e não promoverem os mesmos danos do cigarro comum.

Essa, porém, não é a realidade: apesar de não exporem ao monóxido de carbono, uma vez que não há combustão (o aquecimento é feito por bateria), o vape igualmente traz a dependência de nicotina. Uma pesquisa indicou que os índices da substância no organismo de cerca de 30 usuários entre 13 e 56 anos equivalem a fumar 20 cigarros convencionais por dia.

+ Leia também: Anvisa mantém proibição ao cigarro eletrônico: por quê?

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Estratégias de marketing voltadas aos jovens

O documento da ONU elenca outras artimanhas usadas mundo à fora para convencer os mais novos a experimentar os eletrônicos nos países que não contam com legislação impedindo a venda. Cito alguns exemplos:

  • Apresentar o vape com elementos do universo infantil, como desenhos animados ou com apelo tecnológico;
  • Comercializar perto de escolas;
  • Exibi-los junto a lanches, doces ou bebidas açucaradas;
  • Comercializar em espaços digitais, como mídias sociais, serviços de streaming e de jogos;
  • Garantir o endosso de influenciadores e celebridades;
  • Patrocinar eventos voltados aos jovens;
  • Redução de preços e promoções “compre um, ganhe outro”;
  • Distribuição de amostras grátis;
  • Oposição às leis e lobby para conseguir regulamentação
  • Atividades de responsabilidade social corporativa para que aconteça uma percepção positiva dessa indústria.

Redes sociais: onde a propaganda prospera

Mesmo em países como o Brasil, onde é proibido, o comércio dos eletrônicos acontece muito em função das redes sociais, que prestam este desserviço à sociedade ao incentivarem e viabilizarem a compra. Instagram, Facebook e Tik Tok são alguns dos canais utilizados pela indústria do tabaco para essas ações.

As plataformas digitais são mais complexas de monitorar e oferecem várias maneiras de infringirem as regras de publicidade interagindo, principalmente, com os jovens. Pesquisa com pessoas na faixa etária entre 15 e 30 anos em quatro países que restringem a propaganda revelou que 85% dos participantes foram expostos ao marketing do cigarro eletrônico.

De acordo com o relatório Sponsored By Big Tobacco, citado pelo documento da ONU, os anúncios de grandes fabricantes de produtos contendo tabaco foram vistas cerca de 3,4 bilhões de vezes em mídias sociais, atingindo mais de 150 milhões de menores de 25 anos.

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E a tática funciona: um dos estudos sobre o tema descobriu que cada hora adicional gasta por estudantes universitários do primeiro ano na internet é associada a 4,6% de aumento da probabilidade de utilização de cigarros eletrônicos ao longo da vida.

+Leia também: Após decisão da Anvisa, como de fato controlar o cigarro eletrônico?

Doce com resultado amargo

O sabor é a principal razão para que os menores provar os vapes e outros tipos de nicotina, como narguilé, por exemplo. Cigarros eletrônicos estão disponíveis em pelo menos 16 mil sabores.

O Anuário Nacional da Juventude dos Estados Unidos Tobacco Survey, de 2023, e um estudo de 2022 com jovens na Austrália concluíram que nove em cada dez adeptos de eletrônicos consomem os saborizados.

Outras pesquisas norte americanas descobriram que mais de 70% desses consumidores desistiriam do uso se não houvesse esse recurso.

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Situação no Brasil

No país, o comércio ou distribuição dos vapes é proibido desde 2009 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em abril de 2024 houve uma tentativa de regulamentação, mas o acesso aos trabalhos sobre as consequências deste tipo de tabagismo refrearam a iniciativa.

Entretanto, ainda não é possível respirarmos aliviados: o projeto de lei (PL 5008/2023) em andamento no Senado autoriza, mediante registro na Anvisa, a produção, o consumo, a venda, a exportação e a importação dos cigarros eletrônicos.

A proposta – que vai contra a decisão da Anvisa –poderá ser votada em breve.

Riscos são desconhecidos

O tabagismo reduz em até 14 anos a expectativa de vida das mulheres e em dez anos a dos homens. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de oito milhões de pessoas morrem anualmente em consequência do hábito de fumar – no Brasil são cerca de 200 mil óbitos ao ano.

O músculo cardíaco é o órgão mais prejudicado pela nicotina, responsável por liberar adrenalina, que acelera o coração, aumenta o consumo de oxigênio e a pressão arterial. O usuário de tabaco tem o risco de morte súbita até quatro vezes maior do que quem não fuma.

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Ainda assim, 90% dos entrevistados em pesquisa da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), quando questionados sobre quais fatores podem aumentar a chance de doenças cardíacas, não apontaram o cigarro.

Outro dado é que os eletrônicos podem responder pelo ligeiro aumento daqueles que se declararam fumantes e fumantes passivos nessa pesquisa em relação à anterior: respectivamente, 21 e 23% contra 20,3% e 22% da última edição.

Com o intuito de esclarecer a população e aproveitando o Dia Nacional de Combate ao Tabagismo, a Socesp promoveu ações de conscientização sobre os males do tabaco ao longo do mês de agosto. Foram postagens, entrevistas e podcasts sobre o tema nas mídias sociais e site da entidade.

Acompanhe para ter acesso a dados técnicos em linguagem acessível e ajude a propagar as verdadeiras informações sobre os malefícios de todas as formas de tabagismo.

*Jaqueline Scholz é especialista em tratamento do tabagismo e assessora científica da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp)

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Nota de resposta da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo)

A Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo) repudia a disseminação de informações falsas. A indústria esclarece que atua de forma lícita e não comercializa cigarros eletrônicos no Brasil, onde 100% destes produtos são vendidos via mercado ilegal.

A proibição existente há 15 anos não impediu o aumento no uso de cigarros eletrônicos, que, segundo o Ipec, já são consumidos por mais de 2,9 milhões de adultos. De acordo com o IBGE, 22,7% dos adolescentes brasileiros já experimentaram esses produtos.

A indústria legal do Brasil defende a criação de regras rígidas e claras para mudança deste cenário, entre elas a proibição efetiva do comércio para menores, com controle de pontos de venda e responsabilização criminal.

Essa é a realidade de mais de 80 países que regulamentaram cigarros eletrônicos. Ao contrário do Brasil, nesses países, a regulamentação levou à queda do consumo entre adolescentes e, inclusive, à redução do número de fumantes adultos.

Fechar os olhos para a situação atual coloca o Brasil na contramão do mundo. A Abifumo compartilha das preocupações da comunidade médica em relação ao atual cenário e defende a criação de regras para que os adultos fumantes brasileiros tenham acesso ao que hoje não está disponível no país: produtos controlados por autoridades sanitárias, exclusivos para maiores de 18 anos e com o fim, cientificamente comprovado, de redução de riscos.

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