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O carnaval e as escolhas (realmente) livres

Nesse momento do ano, o consumo de álcool explode. Mas será que a realidade seria essa se a população soubesse de todas as repercussões do hábito na saúde?

Por Elson Asevedo, psiquiatra*
21 fev 2023, 08h26
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  • O carnaval é central na identidade cultural brasileira. A nossa maior festa popular funde elementos da tradição religiosa cristã colonial com a ancestralidade africana. É um período de reinventar-se, usar fantasias, subverter papéis sociais. Viver a mágica do carnaval exige, em algum grau, um afrouxamento temporário do julgamento racional. E esse exercício de afrouxamento, em que é possível imaginar uma realidade completamente diferente, é difícil e valioso.

    A vida social é feita de escolhas coletivas. E essas escolhas poderiam ser totalmente diferentes. Imaginar, sem julgamentos, pode fecundar escolhas melhores, mais justas. A experiência do carnaval é parte do caminho para a ressurreição.

    Mas existe um caminho mais fácil para obter esse afrouxamento do julgamento. Ingestão abundante de bebidas alcoólicas. O álcool é um depressor do cérebro, ou seja, reduz o seu funcionamento.

    Como as funções intelectuais de planejamento, julgamento, tomada de decisões são as mais sofisticadas, são elas as primeiras a terem seu funcionamento reduzido.

    Os instintos continuam por mais tempo. E o caminho da suspensão do julgamento através de bebidas alcóolicas é, por uma enorme margem, o mais comum no carnaval.

    + Leia também: Dos internados por traumas, 31% consumiram álcool ou drogas, diz estudo

    A indústria de bebidas financia boa parte dos eventos de carnaval do Brasil. O consumo de cerveja explode.

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    Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o carnaval de 2023 deve movimentar mais de 8 bilhões de reais, finalmente se aproximando dos valores movimentados antes da pandemia.

    Metade desse valor vem do consumo em bares e restaurantes. O carnaval é um produto importante para a economia. E o produto mais importante em movimentação financeira é a cerveja. Os mais ricos e famosos estão em seus camarotes.

    Não somos o país do futebol, carnaval e cerveja à toa. Os dois primeiros são resultado direto das nossas influências culturais de séculos, desde a colonização, até as ondas migratórias do final do século XIX e começo do século XX. O último, o resultado de campanhas publicitárias abundantes e permanentes nos últimos 100 anos.

    Não existe nada fundamentalmente errado em beber cerveja ou outras bebidas alcoólicas. São produtos legalizados, regulados e liberados pelas autoridades sanitárias. E não é papel do médico ditar regras, ser arauto dos bons costumes e do que é certo ou errado.

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    O ponto é que beber no carnaval é tido como parte inerente e imutável da festa. Mas não é. É uma escolha individual. E uma escolha individual só é livre quando há acesso a todas as informações relevantes sobre aquela escolha e as condições psíquicas para se fazer escolhas estão preservados.

    Infelizmente, ações publicitárias em massa ao longo de décadas produziram um estado que os economistas chamam de assimetria de informação. Algumas pessoas possuem informações que permitem escolhas racionais e mais eficientes ou livres. Enquanto a maior parte de nós é inundada com inserções publicitárias de cerveja em todas as oportunidades possíveis.

    Um grupo de pessoas é mais suscetível ainda ao uso indevido de bebidas alcoólicas. São aqueles indivíduos que estão na vigência de um transtorno depressivo. Pessoas que sofrem de depressão são mais propensos a abusar de bebidas alcoólicas.

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    A depressão é uma condição de saúde mental marcada por sentimentos contínuos de tristeza e desesperança, emoções que influenciam diretamente a maneira como as pessoas pensam e agem.

    Para aqueles que estão enfrentando a depressão, o álcool pode ser usado como uma forma de fugir da realidade e “relaxar”, para suprimir alguns sintomas, como irritabilidade, flutuações de humor, ansiedade e insônia.

    + Leia também: Idosos brasileiros estão consumindo muito álcool

    Indivíduos com depressão são particularmente sensíveis aos efeitos de bebida alcoólicas, que alteram a forma como diversos neurotransmissores se expressam, intensificando ainda mais os sintomas depressivos e aumentando de forma significativa o risco de suicídio.

    O que efetivamente se sabe sobre o consumo de bebidas alcoólicas?

    1. Não existe quantidade segura para ingestão de bebidas alcoólicas. Uma dose ao dia faz bem para a saúde? Não. Mas, e vinho? Não. Ao longo dos últimos anos, vários estudos científicos com alguma evidência do contrário foram sendo retratados, ou seja, retirados das revistas científicas por problemas éticos em seu financiamento ou mesmo suspeita de fraude.
    2. O uso de álcool pode causar ou piorar a gravidade de diversos transtornos mentais, como depressão, demências e transtornos psicóticos.
    3. O uso de álcool dobra o risco de morrer por suicídio.
    4. O uso de álcool é causa de mais de 200 doenças e outros problemas de saúde.
    5. Em jovens entre 20 e 40 anos, 13% das mortes são decorrentes do uso de álcool.
    6. Próximo de 20% dos atendimentos em pronto-socorros são relacionados ao uso de álcool, como acidentes, traumatismos cranianos entre outros.
    7. O uso de álcool aumenta a chance de desenvolver tuberculose e infecção por HIV/AIDS.
    8. O uso de álcool aumenta a chance de o indivíduo promover ou sofrer violência física ou sexual.
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    Viva o Carnaval! Viva a cultura brasileira! Viva as escolhas conscientes!

    *Elson Asevedo é psiquiatra e membro do Departamento de Psiquiatra Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

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