Meu filho Benício nasceu em 2008, quando eu já era professor e pesquisador.
Estava concluindo o mestrado e entrando no doutorado, mas o autismo – ou melhor, o transtorno do espectro autista (TEA) – era um assunto totalmente estranho para mim.
Das poucas referências que tinha, a mais presente era o filme Rain Man, de 1989, que me orientava em uma visão limitada e estereotipada da condição.
Foi somente quando meu filho completou 3 anos que veio o diagnóstico, a aceitação e o começo de uma jornada de conhecimento.
Na época, a indicação médica de “tratamento” foi uma intervenção já demonstradamente inefetiva, mas não sabíamos disso até então.
Seguimos assim por por quatro anos porque também éramos mal informados pelos conteúdos disponíveis na internet, onde conhecimentos pseudocientíficos ou simplesmente falsos prosperam de modo volumoso e veloz.
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Mudança de rumo
Foi na busca por entender como encontrar as melhores recomendações para o Benício que mudei meu campo de pesquisa.
Eu me direcionei ao TEA e às práticas terapêuticas e escolares para indivíduos com essa condição.
Com a descoberta de que a estratégia indicada pelo médico no começo de nossa jornada era inefetiva, mudamos de rumo.
E eu particularmente iniciei um árduo trabalho de divulgação científica sobre o transtorno do espectro autista nas redes sociais, principalmente no Youtube. Essa se tornou minha área de atuação profissional.
O meu diagnóstico
Benício tem uma condição que necessita de muito apoio durante a maior parte das atividades. Nós chamamos isso de “nível 3” do TEA, mas, para entender essa condição por completo, estudei também quadros distintos, de níveis 2 e 1.
Nestes casos, os indivíduos necessitam de menos apoio, mas ainda enfrentam desafios comportamentais e sociais, como a dificuldade de se relacionar com outras pessoas.
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Foi aí que comecei a identificar certos aspectos que vivi, especialmente durante minha infância e adolescência. Procurei uma avaliação profissional e descobri também meu próprio diagnóstico: TEA de nível 1.
Essa jornada que eu vivenciei, aliás, é compatível com a história de outros pais, e consistente com o caráter genético da condição. Hoje, meu irmão, dois sobrinhos e dois primos também têm diagnóstico confirmado de TEA.
Luta contínua
“Libertador” é o termo mais utilizado para descrever a sensação de um diagnóstico, mesmo que tardio.
Olhar para o passado e compreendê-lo apropriadamente permite que ajustemos o passo a nossas idiossincrasias e nos assumamos tal como somos.
Essa descoberta promoveu um envolvimento de outro nível com esse que agora é o debate da minha vida.
Um objetivo fundamental que orienta minha atuação é que as pessoas considerem o TEA como um tema das políticas públicas, da ciência, da edução… Enfim, de toda a sociedade.
Também luto para que as decisões que cada um toma sobre si e sua família sejam informadas. Isto é, que ninguém seja submetido a práticas pseudo ou anticientíficas porque foram enganadas ou por não terem informação.
A tarefa é hercúlea, mas a causa é excepcional!
*Lucelmo Lacerda é doutor em educação, pesquisador, ativista do TEA e autor de “Crítica à pseudociência em educação especial: Trilhas de uma educação inclusiva baseada em evidências”