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Vacinas não contêm fetos abortados. Entenda como a história começou

Entenda como a tecnologia por trás de algumas vacinas contra a Covid-19 e outras doenças culminou em mais essa notícia falsa

Por Chloé Pinheiro
12 mar 2021, 17h39
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  • O boato de que vacinas são feitas com fetos abortados é antigo, mas ainda tem fôlego para circular pela internet, especialmente com a chegada das fórmulas contra a Covid-19. Assim como outras teorias da conspiração, a exemplo da que afirma que as doses podem alterar o nosso DNA, essa deturpa completamente os fatos para se propagar.

    De maneira bem resumida, a história real é a seguinte: a partir da década de 1960, cientistas passaram a extrair algumas células de fetos submetidos a abortos legais para replicá-las dentro do laboratório. E sim, essas linhagens que descendem das células fetais foram e são usadas até hoje na produção de vacinas. Imunizantes contra hepatite A, rubéola, herpes-zóster, raiva e sarampo, por exemplo, são produzidas a partir delas.

    Mas muita atenção: não estamos falando dos fetos em si, tampouco das células originais deles. “São linhagens descendentes, que se multiplicam e são mantidas vivas desde então em laboratório”, reforça a microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC). Aliás, as gestações dos poucos fetos usados não foram encerradas para esse fim – os cientistas basicamente aproveitaram uma situação já estabelecida.

    Também é importante esclarecer que tais células não entram na composição final das doses. Elas servem apenas para cultivar os vírus contra os quais a vacina vai agir – explicaremos isso mais adiante.

    Ou seja, é mentira afirmar que vacinas contêm material humano. “Elas passam por um processo extenso de purificação para garantir que não haja contaminação de qualquer que seja o veículo utilizado para replicar o vírus ou parte dele”, explica Natália.

    Por que é preciso usar células humanas

    Para desenvolver e fabricar um imunizante, os cientistas dependem do vírus que causa a doença em questão. E vírus são parasitas intracelulares. Traduzindo: necessitam de uma célula para sobreviver.

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    “Ao contrário de bactérias ou fungos, que crescem sozinhos, toda vez que vamos multiplicar um vírus, precisamos de células que possam ser infectadas por eles no laboratório”, explica o microbiologista Flávio Guimarães, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

    Às vezes, dá para usar células derivadas de animais (como as de macaco), de bactérias ou de embriões de galinhas. Só que, em outras ocasiões, somente as linhagens humanas resolvem, como mostraremos mais adiante com dois exemplos voltados para o coronavírus.

    E por que não usar células doadas por um adulto? “Porque elas têm uma espécie de prazo de validade: suas descendentes se multiplicam algumas vezes e, depois, perdem essa capacidade”, conta Guimarães. “Já as fetais se replicam indefinidamente no laboratório”, complementa o mineiro.

    Funciona assim: as células vindas da amostra original são mantidas em um líquido dentro de um recipiente que facilita a divisão celular. Imagine uma garrafa preenchida por um líquido, com milhões de células boiando e se replicando. É mais ou menos isso. Essas células, então, podem ser selecionadas, congeladas e despachadas para laboratórios ao redor do mundo.

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    Aliás, aquela célula original que veio do feto tecnicamente nem existe mais: suas próprias descendentes geram novas linhagens, que geram novas linhagens… e assim por diante.

    A estratégia é considerada uma alternativa ética, principalmente em comparação com outros métodos disponíveis no passado para cultivar um vírus. “Antigamente, animais vivos eram infectados para depois suas células serem extraídas, o que envolvia muito sofrimento”, relembra Guimarães.

    Linhagens em uso para as vacinas contra o Sars-CoV-2

    Ao menos duas linhagens celulares humanas são utilizadas na produção de doses contra a Covid-19. A HEK-293, originária de um aborto eletivo realizado em 1973 na Holanda, país onde o procedimento é legalizado, serve de meio de replicação do adenovírus empregado na vacina de Oxford/AstraZeneca. Ora, é esse agente que leva trechos do coronavírus para o nosso sistema imune produzir suas defesas.

    As doses da Pfizer e da Moderna, que não são fabricadas a partir de células, foram testadas na mesma linhagem antes de avançarem aos estudos com voluntários.

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    Já o adenovírus da vacina da Janssen (subsidiária da Johnson & Johnson) é multiplicado em culturas de PER.C6, linhagem desenvolvida a partir de células de um feto de 18 semanas, cuja gravidez foi legalmente encerrada em 1985.

    A Coronavac, por sua vez, nunca utilizou esse tipo de material. Ela é feita com o Sars-CoV-2 inativado e replicado em em outra família de células, as Vero. Essas são derivadas do rim de um macaco dos anos 1960.

    Benefícios até agora

    Quando falamos que um medicamento foi testado “in vitro”, isso significa que ele foi submetido a uma cultura celular. Essa etapa é fundamental e corriqueira nas pesquisas da indústria farmacêutica.

    O advento das linhagens é considerado um grande avanço, mas ainda suscita debates morais. Veja, uma pessoa pode questionar se deveria ou não tomar uma vacina que só existe por causa de um procedimento que vai contra suas crenças.

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    Mas a própria Igreja Católica, quando ainda estava sob a liderança do Papa Bento XVI, em 2005, autorizou os fiéis a tomar tais doses. A entidade enxerga problemas na prática e pede que outras alternativas sejam buscadas, mas afirma que o mal de não se vacinar, inclusive por colocar muitas pessoas em risco, é superior.

    O posicionamento foi reforçado frente à ameaça da Covid-19.

    Para ter ideia, em 2017, o pesquisador norte-americano Stuart Jay Olshanky, da Universidade de Illinois, comparou a mortalidade de algumas doenças infecciosas antes e depois da criação de uma das principais linhagens celulares, a WI-38. Ele calcula que, em pouco mais de 40 anos, essas células ajudaram a prevenir 4,5 bilhões de infecções e a salvar cerca de 10 milhões de vidas no mundo.

    Infelizmente, a vacinação vêm sofrendo uma crise de confiança, que pode comprometer uma das estratégias de saúde pública mais bem sucedidas da História (ao lado do saneamento básico). O site Todos pelas Vacinas se dedica a esclarecer mitos e reforçar a importância dessa prática. Vale conhecer e compartilhar.

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