Foram quase dois anos longe da sala de aula. As incertezas e o ensino remoto fizeram muitas crianças apresentarem dificuldades ou até atrasos no desenvolvimento de habilidades básicas escolares. Segundo o balanço do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cerca de 1,3 bilhão de crianças e jovens no mundo todo tiveram as aulas suspensas em decorrência da pandemia da Covid-19.
Como passar por tudo isso sem sofrer algum tipo de impacto? Muitas pesquisas foram realizadas no período e, infelizmente, os dados apontam prejuízos aos mais novos e às famílias.
Um estudo encomendado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Fundação Lemann e o Itaú Social em 2021 mostra que 51% dos pais e responsáveis por estudantes da 1ª à 3ª série do ensino fundamental em todas as regiões do país acham que os alunos não saíram do mesmo estágio de aprendizado.
Mais: 22% disseram que houve perda na aprendizagem e, se antes da pandemia 86% dos familiares pensavam que o desempenho dos filhos era bom ou ótimo, agora esse percentual caiu para 59%.
Mas quando essas dificuldades podem ser consideradas atrasos passageiros ou transtornos? E qual o momento de recorrer à ajuda de um profissional? Em primeiro lugar, é importante entender a diferença entre as duas situações.
O que chamamos de transtorno específico de aprendizagem (TEAp) é um problema do neurodesenvolvimento que acaba influenciando a capacidade do cérebro de perceber ou processar as informações. Tem origem biológica e, por isso mesmo, é persistente. Estimativas indicam que 10 milhões de brasileiros tenham a condição.
Já a dificuldade de aprendizagem é uma condição passageira que ocorre quando influências externas atrapalham esse processo. Pode ser causada por questões emocionais, problemas familiares, alimentação inadequada, ambiente desfavorável e a atual situação de incerteza mundial com a pandemia.
Elenco, a seguir, os principais tipos de transtorno de aprendizagem.
- Dislexia: déficit para reconhecer palavras, decodificar frases e ler;
- Distorgrafia: problemas que abrangem a construção da ortografia e a caligrafia;
- Discalculia: dificuldade em entender conceitos relacionados a números, símbolos ou funções necessárias para a matemática.
Para distinguir um transtorno de uma dificuldade mais pontual, o processo exige atenção e observação. Entretanto, nesse período ainda em pandemia, a coisa pode ser mais complexa, considerando que as crianças vêm sendo fortemente impactadas pelo isolamento e as restrições sociais.
Estudos têm demonstrado que a escuta torna-se trabalhosa em ambientes desafiadores, com estímulos demais ou um fundo ruidoso. As aulas online também geraram um fenômeno chamado “fadiga do zoom”, provocado pelo aumento do esforço auditivo para compensar a baixa qualidade de imagem ou áudio e a falta de sincronia entre imagem e som.
O bom desenvolvimento da linguagem e da fala está intimamente ligado ao desenvolvimento escolar. Nesse sentido, além das aulas online, temos a questão do uso da máscara.
Embora seja parte dos protocolos de segurança para combater o avanço do vírus, a máscara dificulta a percepção da fala, cujo processo envolve a integração audiovisual das informações.
Também pode confundir as pistas sociais fornecidas por meio de expressões faciais, além de repercutir na aquisição da linguagem, mesmo em crianças pequenas sem desafios de desenvolvimento.
Outra grande questão trazida pelas medidas de contenção à pandemia é a conversa entre pares — um componente crucial do desenvolvimento, que inclui habilidades de conversação, como tomar a vez e entender o significado implícito por trás das palavras de um falante.
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O surgimento de escolas virtuais e híbridas resultará em menos oportunidades para exercitar habilidades sociais e de conversação pessoalmente e maior dependência de uma comunicação assíncrona e por meio de telas.
Tudo isso deve ser levado em conta antes de chegarmos a alguma conclusão quanto ao problema de aprendizagem dos nossos filhos. Grande parte das crianças pode apresentar algum impacto desse contexto no aprendizado. O que fazer? Observar se esses comportamentos persistem. Se for o caso, a orientação é buscar ajuda profissional especializada.
Não podemos esquecer que a pandemia trouxe muito medo para as crianças. Elas estão preocupadas em não se infectar e ter a família em segurança. Sem falar no medo de ficar, mais uma vez, longe da escola e dos amigos e professores. Não dá para ignorar esse cenário e seus possíveis reflexos no desenvolvimento infantil.
* Helen Mavichian é psicoterapeuta especializada em crianças e adolescentes, mestre em distúrbios do desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP) e pesquisadora do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da mesma instituição