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Quem ganha e quem perde quando se distorce o que são cuidados paliativos

Ideias e conceitos equivocados disseminados na CPI da Covid prejudicam entendimento do brasileiro sobre o que são os cuidados paliativos

Por Douglas Crispim, médico e presidente de ANCP*
Atualizado em 20 dez 2021, 14h57 - Publicado em 19 dez 2021, 12h25
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  • Cuidados paliativos são uma prática que busca aliviar o sofrimento daqueles que convivem com doenças graves, como entendem instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a International Association for Hospice and Palliative Care (IAHPC).

    Não podemos achar normal que alguém passe pelo sofrimento físico, psicológico ou espiritual durante uma doença e seu tratamento. E tampouco podemos normalizar o sofrimento, ainda mais aquele que não cura.

    Deixar de oferecer tratamento indicado e com potenciais benefícios a alguém é uma prática condenável chamada mistanásia. Ela pode ocorrer por preconceitos variados ou falhas na avaliação prognóstica e não tem nada a ver com os cuidados paliativos.

    Porém, durante as audiências da CPI da Covid-19 no Senado, uma grande repercussão tomou conta das mídias e redes sociais. Na ocasião, declarações equivocadas se referiram a um caso de suposta limitação do esforço terapêutico (LET) para um indivíduo que poderia ter os benefícios desse esforço.

    Ao se referir que “nada mais iria ser feito” para o paciente, surgiu a expressão “cuidados paliativos”. E, para piorar, diversos termos relacionados à prática foram utilizados, sendo que até a palavra “paliativista” foi pronunciada de forma errada, como “paliatista”.

    + LEIA TAMBÉM: A ascensão dos cuidados paliativos

    O episódio gerou uma revolta enorme entre pacientes, familiares e profissionais da área, que já conta com milhares pelo Brasil. Nós, da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), recebemos o contato de diversos colegas pedindo uma “reação” ao que chamavam de “absurdo” e “falta de respeito”.

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    Coincidentemente, a maioria sugeria uma reação com linguagem hostil. Avaliamos o caso e constatamos com tristeza que as falas não eram a “doença” e sim um “sintoma” dela. A doença é a desinformação.

    Por que será que as pessoas associam tanto os cuidados paliativos à morte?  Simples. Primeiro: os profissionais de saúde foram treinados desde a graduação para tratar e salvar vidas utilizando procedimentos, exames e medicamentos.

    Quando se percebe que isso já não funciona, em casos de doenças graves, surge o sofrimento dos colegas, que retardam o pedido de acompanhamento da equipe de cuidados paliativos e a relegam apenas a esse momento.

    Segundo: é preciso entender que, mesmo se tudo deu errado no tratamento, os paliativistas estarão ao lado do paciente e da família, e isto inclui o fim da vida. Existem dois pontos de vista a serem colocados na mesa.

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    De um lado, uma gestão e cuidados paliativos eficientes tendem a reduzir a utilização de procedimentos desnecessários e muitas vezes caros, o que poderia impactar nas atividades de serviços privados. Obviamente, trata-se de um mito achar que o cuidado de excelência nesse contexto geraria mais riscos aos prestadores do serviço.

    Do outro lado, a busca por reduzir custos sem melhorar a qualidade do atendimento pode gerar dúvidas sobre em que momento se utiliza ou não determinada abordagem.

    A avaliação em cuidados paliativos deve ser criteriosa, técnica e embasada na ciência, evitando-se a má prática.

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    Para chegarmos lá, necessitamos de uma política pública, da aprovação da especialidade nas profissões, da educação multiprofissional antes e depois da faculdade, do financiamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e do maior apoio da imprensa e da sociedade civil na disseminação das boas práticas e na condenação das duvidosas.

    Temos relatos de atendimentos paliativos sendo realizados no Brasil desde as décadas de 1970 e 80, como mostra o livro Visionários: As Primeiras Décadas de Cuidados Paliativos no Brasil pelo Olhar dos Pioneiros.

    Desde então, vemos um crescimento quase geométrico do número de serviços na área, conforme pontuado na última edição do Atlas dos Cuidados Paliativos no Brasil, mapeamento feito em 2019 pela ANCP. Fora isso, registramos cada vez mais cursos, congressos e empregos.

    Apesar da evolução, em pleno 2021 precisamos continuar explicando e desmistificando a prática, o que fazemos com gosto, claro.

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    Até porque, enquanto houver espaço para disseminação de informações erradas ou falas de autoridades sem embasamento técnico, teremos que seguir reexplicando o básico. E avançando menos na discussão que realmente importa, a do acesso aos cuidados paliativos de verdade.

    * Douglas Crispim é médico paliativista e presidente da ANCP

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