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Quando frustrar é um ato de amor

Uma reflexão sobre afeição e educação dos filhos pela lente de um psicólogo

Por Renato Caminha, psicólogo*
4 set 2021, 09h02
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  • Uma das grandes mentiras sociais, uma linda e encantadora falácia, um canto da sereia que nos vendem por aí é o tal amor incondicional quando nos tornamos pais de uma criança. “Agora você vai conhecer o que é amar alguém incondicionalmente”: a frase é falada com brilho nos olhos, ênfase vocal e muita empolgação por quem a profere.

    Ela soa quase como um mantra orgulhoso, uma sentença forte, mágica, mas com um preço elevado para quem a escuta – o amor incondicional suporta tudo, logo devemos suportar tudo de um filho, mas tudo mesmo!

    Pronto, simples assim e lá vamos nós, em direção à parentalidade com essa mensagem em nosso chip mental, que nos informa e cobra que sejamos bons pais, que tenhamos com nossos rebentos uma incondicionalidade amorosa para todo o sempre.

    Definitivamente não é assim que funciona. Quem busca a perfeição parental só irá deparar com o fracasso permanente da incompletude e da real imperfeição, até mesmo porque, se você embarcar na via do amor incondicional, estará na contramão do que é ser um bom pai.

    Primeiramente, precisamos entender o amor como a mais básica de todas as emoções, aquela que está associada a atos reprodutivos, ao apego aos filhos e, também, como a célula mater do nosso sofisticado processo de socialização.

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    Assim como qualquer outra emoção, o amor precisa ter uma dose correta para que não adentre as raias da patologia. Amor em excesso é invalidante e afeta o desenvolvimento infantil. Já o amor na ausência é igualmente invalidante, pois não promove aquilo que chamamos de nutrição emocional e tolerância à frustração.

    O amor deve, portanto, ensinar e instigar de modo enfático e sistemático a frustração. Devemos promover desde cedo retardos de gratificação para nossos filhos, devemos evitar que o incessante esquema de demandas de uma criança seja suprido constantemente, caso contrário criaremos monstros sem limites, com dificuldade de entender as necessidades do outro, o que vai gerar graves consequências, dentre elas a não internalização das normas e dos direitos sociais.

    Nossos filhos irão ativar as mais diversas e naturais reações, teremos alegria e amor por eles sempre, mas, em várias situações, eles nos deixarão com muita raiva e repulsa, para citar apenas algumas das emoções desagradáveis derivadas da interação entre pais e filhos. Relaxe: essas emoções são normais e saudáveis desde que manifestadas com assertividade.

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    O amor que frustra não é, portanto, incondicional, ele é fruto das reações emocionais que as crianças nos geram — e nos apontam que há algo de errado ali. É esse amor que frustra que vai começar a ativar uma espécie de botãozinho inato, que responde às aprendizagens do ambiente, mas que não é autoexecutável, chamado de empatia.

    A frustração ativa a empatia e a empatia é a via para a inserção no sistema social. Somos a mais social das espécies sociais: somos viciados em pessoas e precisamos da coletividade como fator regulador de nossa saúde mental. É justamente por meio da empatia que vamos nos inserir no tecido social e nos beneficiarmos com o que a coletividade nos agrega, principalmente a proteção e a gratificação química que se dá através de um hormônio famoso, a ocitocina.

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    Não caia na falácia do amor incondicional. Somos seres morais prontos a protestar contra o que está errado, contra as transgressões e as inadequações expressas pelas pessoas que nos cercam. Somos programados para criticar, punir, cancelar, protestar e condenar tudo que julgamos ilícito e isso ocorre com atos praticados por estranhos ou pelos nossos queridos filhos.

    Frustrar é, portanto, um ato de amor. Se você não frustrar seu filho, a sociedade o fará de modo impiedoso, não tenha dúvida. É melhor que a frustração comece em casa antes que seja tarde. Amor incondicional não existe! Tenha isso em mente.

    * Renato Caminha é psicólogo, mestre em Psicologia Social e da Personalidade, presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC) e diretor clínico do Instituto de Terapia Cognitivo-Comportamental (InTCC )

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