Os sonhos servem para nos manter dormindo, diria Freud, sem pestanejar. Há mais de um século, ele apontou que os sonhos continham material que nos era de profundo interesse, para que o trabalho do sono pudesse acontecer.
Quem nunca esteve diante de uma criança com sono que começa a manifestar o desejo de comer, brincar ou qualquer outra coisa que a mantenha acordada?
O criador da psicanálise conclui, com base nesta constatação e outras, que o sonho é uma forma de realização desses desejos durante a noite.
Freud contribuiu significativamente para a compreensão do funcionamento psíquico com o famoso A Interpretação dos Sonhos e todos os materiais adjacentes.
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É fato que alguns pesquisadores atacaram suas proposições ao longo do tempo e que ainda hoje o fazem, sobretudo aqueles que se dizem pautados em evidências e se julgam, por isso, “os verdadeiros” cientistas.
Só que os neurocientistas vêm confirmando, sistematicamente, em estudos de neuroimagem e de marcadores fisiológicos, a validade do pensamento deste que foi um expoente neurocientista, antes de se dedicar exclusivamente à psicanálise.
Freud estava, literalmente, 100 anos à frente de seu tempo.
A psicanálise, o método construído por ele, é, ao mesmo tempo, uma forma de investigação, uma terapêutica e uma maneira de produzir conhecimento crítico e com rigor científico.
Foi por meio desse método que pudemos conhecer o funcionamento dos sonhos um século antes do desenvolvimento das tecnologias que estão começando a confirmar hoje o que nós, psicanalistas, já sabíamos.
No livro O Oráculo da Noite (Companhia das Letras), Sidarta Ribeiro, neurocientista dos mais respeitados de nosso país, recupera, já no título, uma ideia central, que também é de valia para esse breve texto.
Os sonhos tiveram papel importantíssimo para a vida nas sociedades antigas, ocupando o lugar de prever o futuro, como um oráculo. Tal lugar social do sonho foi substituído pelos avanços científicos e tecnológicos.
Este lugar de previsão do futuro ficou relegado à vida privada, quando ainda acontecia. Freud nos mostra que o papel de oráculo conferido ao sonho faz total sentido.
Uma vez portadores e mensageiros de desejos, sobretudo aqueles que não temos consciência, eles seriam a porta para um futuro esplendoroso.
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Quem se ateve à trama Piratas do Caribe percebeu que o Capitão Jack Sparrow (Johnny Depp) tinha uma bússola que parecia estar quebrada, pois não apontava para o norte.
A parte genial do filme está na sutileza, que faz com que alguns telespectadores percebam que se trata, na verdade, de uma bússola mágica. Em vez do norte, ela apontava para onde o Capitão deveria ir: ao encontro daquilo que deseja.
A bússola está para Jack Sparrow, na fábula, assim como o sonho para nós, na vida real. A “magia” da interpretação do sonho ganha método pela psicanálise.
Freud nos ensinou analisar o sonho como um método de decodificação dessa “bússola mágica” presente em cada um de nós.
Eu ousaria ir além de Freud ao responder à pergunta contida no título, evidentemente reconhecendo a inegável contribuição dele e de Sidarta para meu arrojo. Sonhamos porque navegar é preciso! Os sonhos são a bússola.
Se você está à deriva, provavelmente é por ter jogado a sua ao mar.
*Ronaldo Coelho, psicólogo, mestre em psicologia institucional pela Universidade de São Paulo (USP) e idealizador e professor do curso Análise do Discurso na Clínica Psicanalítica. Atua como psicanalista em seu consultório particular e mantém o canal Conversa Psi no YouTube.