O futuro da inteligência artificial na psiquiatria
Especialista aponta recursos que essa tecnologia pode agregar no consultório, especialmente no atendimento de pessoas neurodivergentes
Você já se imaginou passando em consulta com um robô para conversar sobre sua saúde mental e sair com um diagnóstico e orientações sobre qual tratamento medicamentoso seguir? Mais: com uma previsão prognóstica precisa e com suporte contínuo através do celular ou algum outro dispositivo vestível, para os percalços que venha a apresentar na sua jornada terapêutica? E tudo isso com um assistente virtual regido por uma inteligência artificial?
Seria essa a cena de um futuro próximo ou distante?
Na China, as câmeras dos computadores usados na educação infantil capturam informações sobre os os movimentos das crianças enquanto interagem com textos e exercícios. Os padrões da velocidade com que os olhos percorrem o texto, como voltam aos cabeçalhos, sobre quais palavras se demoram, denotam perfis que podem auxiliar no diagnósticos de neurodivergências, como o TDAH, e outras condições que afetam seu percurso de aprendizado.
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Esse mesmo computador propõe exercícios que podem manter a atenção da criança aumentada e determina o grau de dificuldade dos exercícios subsequentes, para que não seja fácil demais para entediar o aluno ou difícil demais para desencorajá-lo.
Na psiquiatria, a inteligência artificial (IA) desponta como horizonte promissor, pois permite que muitas informações, imperceptíveis aos sistemas sensoriais humanos, sejam consideradas, tanto para a realização do diagnóstico, como para a determinação de tratamentos medicamentosos, do prognóstico e das estratégias de suporte terapêutico.
O fato de ainda não termos esse robô compartilhando a sala com psiquiatras e terapeutas não significa que a IA já não se faça presente. Revisões de estudos de neuroimagem por inteligência artificial revelam nuances de padrões de conexões cerebrais que seriam muito difíceis de serem observadas por humanos, permitindo a determinação de regiões implicadas no surgimentos de transtornos mentais de uma maneira precisa, o que auxilia nos diagnósticos e prognósticos dos pacientes.
Mas não só sutilezas de padrões de imagens são capturadas pelos computadores. Nossa prosódia – o modo como damos entonação e melodia à nossa fala –, bem como o campo lexical (as palavras que usamos para nos expressar e como estão encadeadas numa frase) podem ser avaliada por IA, apontando não só os problemas psiquiátricos subjacentes, como o prognóstico daquela situação se tal ou tal tratamento forem prescritos.
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Uma criança (e, por que não, um adulto) do espectro autista com dificuldade de cognição social pode ser auxiliada por óculos de realidade aumentada, que fariam a “tradução” de uma situação social vivida por ela em linguagem que lhe seja compreensível. O equipamento daria dicas de como se portar diante daquela situação, participando em tempo real do treino de habilidades sociais que demandariam a presença constante de um profissional.
Os aplicativos de videoconferência já dispõem de IA que redige relatórios da consulta e abreviam as tarefas burocráticas. Certamente, em pouco tempo, estarão auxiliando os profissionais nas tomadas de decisão e prescrição de exames e tratamentos.
A maior acurácia para identificação dos diagnósticos repercute na maior assertividade terapêutica, reduzindo o tempo para progressão positiva dos casos e liberando profissionais para atendimento de novos pacientes.
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É importante lembrar que há, no Brasil, cerca de 14 mil psiquiatras para um número de pacientes que, antes da pandemia, estava na casa de 23 milhões de pessoas – e que só aumentou desde então. Precisamos ampliar a escala com a qual damos acolhida ao número crescente de pessoas com demandas psiquiátricas.
Aplicativos ainda podem oferecer recursos de monitoramento, psicoeducação, orientação e acolhida em tempo real, em qualquer momento do dia ou da noite. São instrumentos que serão cada vez mais coadjuvantes nos tratamentos em saúde.
A inteligência artificial já se faz presente em nossas vidas. Na psiquiatria, não é e não será diferente. Isso não significa que as máquinas substituirão os humanos.
Os robôs não estarão sozinhos nas salas dos consultórios. Mas, certamente, os psiquiatras também não.
*Alexandre Valverde é psiquiatra, mestre em filosofia contemporânea, autor do livro Ruptura, Solidão e Desordem (FAP-Unifesp – clique para comprar) e apresentador do podcast Fractais, sobre temas da neurodivergência.