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O choque das pandemias

Covid, obesidade e diabetes produziram uma combinação explosiva para a saúde pública. Médico reflete sobre o fenômeno e possíveis soluções

Por Ricardo Cohen, cirurgião bariátrico*
5 jun 2021, 17h39
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  • Com base nos dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), atualizados pela última vez em 2018, 13% das pessoas com 18 anos ou mais tinham obesidade em 2016. São cerca de 900 milhões de adultos nessa condição globalmente. Falamos de uma enfermidade crônica e progressiva, que, acompanhada por problemas como o diabetes tipo 2 e a hipertensão, causa mais de 10 milhões de mortes anualmente.

    De acordo com a Pesquisa Vigitel, divulgada em julho de 2019 pelo Ministério da Saúde, a taxa de obesidade no Brasil passou de 11,8% para 19,8% entre 2006 e 2018. Os números colocam nossa nação entre os países com mais pessoas com obesidade no mundo. Esta é a real pandemia do século 21 e ela está fora de controle.

    Desde o início de 2020, temos uma doença infecciosa e de grande transmissibilidade que pegou o mundo desprevenido. Diante dessa crise sanitária, aprendemos que o choque entre as pandemias da obesidade e da Covid-19 é letal. Existem inúmeros dados que comprovam que a obesidade isoladamente é um fator de risco para suas formas graves e a mortalidade pela doença.

    Novos achados indicam, ainda, que a obesidade visceral e suas consequências do ponto de vista metabólico, como glicemia elevada, hipertensão e inflamação, estão associadas a quadros mais severos de Covid-19.

    Um estudo publicado no final de 2020 com 16 749 pacientes no Reino Unido apontou a obesidade como fator preditor de morte pelo novo coronavírus. Um índice de massa corpórea (IMC) maior ou igual a 40 kg/m2 foi associado a um aumento (mais que o dobro!) no risco de hospitalização em comparação com quem tem IMC normal (de 19 a 25 kg/m2), independente de idade, sexo e etnia.

    Da mesma forma, em um outro estudo realizado nos Estados Unidos, pacientes com Covid-19 e obesidade (IMC ≥30 kg/m2) tiveram 67% mais chances de admissão hospitalar, quando comparados com indivíduos sem obesidade. Por isso, já está mais do que claro: quem convive com a obesidade encara um maior risco de suporte ventilatório, intubação e ventilação mecânica, internação em unidades de terapia intensiva (UTI) e óbito.

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    E o diabetes? Analogamente à obesidade, essa é outra doença que cursa com inflamação, piora o prognóstico de Covid-19 e representa uma pandemia. Em um estudo envolvendo 339 pacientes infectados pelo coronavírus que foram hospitalizados em Wenzhou, na China, a presença de diabetes foi associada a um risco cerca de quatro vezes maior da forma grave de Covid-19.

    Essas associações não são necessariamente uma novidade. Durante a pandemia de gripe H1N1, a obesidade também foi diretamente relacionada com maior mortalidade pela infecção. O que se observa há décadas, no entanto, é que quase nenhuma estratégia de porte foi desenhada para combater essa doença grave e fatal.

    A obesidade e o diabetes são condições complexas causadas por vários fatores que enfraquecem o sistema imunológico. A obesidade cria um estado inflamatório crônico marcado pela produção excessiva de proteínas envolvidas na resposta imune, as citocinas. Daí que a inflamação de base se soma à despertada pela infecção viral, piorando a situação.

    Além disso, a obesidade por si só aumenta o risco de doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, problemas renais e formação de coágulos no sangue. São situações que levam a resultados mais desfavoráveis após uma infecção pelo vírus Sars-CoV-2. Muitos portadores de obesidade têm doenças pulmonares subjacentes, como apneia do sono e a síndrome de hipoventilação, que ainda pioram a pneumonia por Covid-19.

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    Existem soluções?

    Priorizar a vacinação contra Covid-19 para os portadores de obesidade e diabetes pode ajudar a reduzir complicações e a sobrecarga nos sistemas de saúde, eventualmente mitigando uma possível terceira onda da pandemia do coronavírus.

    Porém, infelizmente, outras epidemias virais virão, então precisamos compreender as lições que a Covid-19 nos deixa. Todos os países do mundo tiveram seus sistemas de saúde sobrecarregados. Assim, se forem usados recursos para tratar adequadamente a pandemia dessas enfermidades crônicas, que nos perseguem há décadas, seguramente não haverá uma crise nos serviços de saúde como presenciamos agora.

    Controlar a obesidade e o diabetes é uma arma para evitarmos boa parte das internações e óbitos, não só por doenças infecciosas, mas também por infartos, derrames e câncer.

    Nesse sentido, precisamos desfazer alguns mitos, mantidos inclusive por alguns profissionais de saúde, como o de que a obesidade é fruto de escolhas erradas. Trata-se, na realidade, de uma doença com diversas causas genéticas e fisiológicas. O portador de obesidade, e o de diabetes, não é culpado(a), como a pessoa que sofre com um câncer também não é.

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    Vivemos uma era em que muitas pessoas julgam as outras pelo seu peso. Negar a seriedade disso e estigmatizar a obesidade só dificulta o acesso ao tratamento. Encorajar os portadores dessas condições a buscar acompanhamento médico é fundamental. Inclusive porque as mudanças no estilo de vida nem sempre resultam no êxito esperado.

    Hoje existem alguns medicamentos que ajudam na perda de peso, no controle do diabetes e na melhora de outras comorbidades. São remédios relativamente novos, então não sabemos seus resultados no longo prazo. Quando o tratamento clínico falha, a cirurgia bariátrica deve ser prontamente considerada. E não como a “última esperança”, mas como um tratamento seguro, eficaz e sustentável na maioria dos pacientes.

    Já existem inclusive alguns estudos que mostram como a cirurgia pode influenciar positivamente os desfechos da Covid-19. Um trabalhou europeu recém-publicado, com dados de 353 pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e 169 pacientes com obesidade e candidatos à cirurgia, todos com o diagnóstico de Covid-19, revela que os indivíduos não operados foram internados oito vezes mais e necessitaram de suporte ventilatório em 60% das vezes, ante nenhum do grupo operado.

    Outra publicação, esta da revista da Sociedade Americana de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, analisou 363 pacientes com teste positivo para Sars-CoV-2. Os pesquisadores identificaram 33 indivíduos com história prévia de cirurgia para perda de peso. Os pacientes operados foram cuidadosamente pareados com 330 pacientes não operados, com um IMC de 40 kg/m2 ou acima, no momento do teste. E a pesquisa mostrou que a perda de peso sustentada, e a melhora do diabetes e da hipertensão no grupo da cirurgia bariátrica antes de contrair Covid-19, esteve associada a uma taxa muito mais baixa de internação hospitalar, complicações e óbito.

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    Esses dados corroboram que o procedimento propicia controle do estado inflamatório e das doenças associadas à obesidade, tornando essas pessoas mais saudáveis e resistentes na luta contra o vírus. Ainda não existe um tratamento 100% eficaz contra a Covid-19, mas temos provas científicas de alto impacto e irrefutáveis no tratamento da obesidade e do diabetes. Se confirmados por novos estudos, esses benefícios contra a Covid-19 poderão alongar a lista de efeitos positivos da cirurgia bariátrica.

    * Ricardo Cohen é coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo

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