Num intervalo de 20 anos, o número de câncer de próstata pode mais do que dobrar. Se, em 2020, 1,4 milhão de pessoas foram diagnosticadas com a doença, em 2040 serão 2,9 milhões. A projeção é da comissão criada pela prestigiada revista científica britânica The Lancet, que reuniu 40 especialistas de várias regiões do mundo para estudar esse tumor.
Segundo a comissão, o aumento de casos deve ocorrer principalmente em países emergentes, sendo resultado do envelhecimento da população e da melhoria do diagnóstico. Mesmo campanhas educativas, que incentivem a população a adotar hábitos saudáveis para reduzir os fatores de risco da doença, não serão capazes de deter o crescimento.
A única maneira de mitigar os danos causados por esse aumento brutal, de acordo com a comissão, é a criação de um sistema eficaz para que os indivíduos sejam diagnosticados o mais cedo possível.
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Em outubro, o Ministério da Saúde anunciou que pretende concentrar esforços na realização do diagnóstico precoce em homens com sintomas, mas não fará o rastreamento populacional desse tipo de câncer. Esse procedimento consiste na aplicação sistemática de exames em pessoas assintomáticas a fim de identificar a enfermidade em estágio inicial.
Embora haja controvérsia sobre o rastreamento, a política de realização do diagnóstico precoce depois do surgimento dos sintomas gera duas situações complicadas. Na primeira, os sintomas aparecem quando a doença já está muito extensa. Na segunda, os sintomas se confundem com outros, como os característicos do crescimento da próstata, a hiperplasia prostática, o que dificulta o diagnóstico.
Dados levantados por pesquisadores brasileiros revelam que, nos últimos 15 anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) tratou um pouco mais de 700 mil homens, sob o custo aproximado de R$ 5 bilhões. Um em cada cinco brasileiros chegou à rede pública com a doença avançada e outros 20%, com câncer em estágio 3 – quando o tumor não está localizado apenas na próstata.
O tempo médio de vida dos pacientes com doença avançada foi inferior a 28 meses.
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Esses especialistas também fizeram uma revisão dos custos do tratamento no SUS em pacientes com doença avançada e constataram que apenas 10% fizeram a orquiectomia, uma cirurgia segura e de baixo custo, realizada com anestesia peridural. Os outros 90% foram tratados com medicamentos chamados de bloqueadores hormonais.
Se todos os pacientes tivessem sido tratados com a cirurgia em lugar de medicamentos, o SUS teria economizado, em dez anos, cerca de 350 milhões de dólares, acreditam os pesquisadores.
Soma-se a isso o fato de que os fármacos oferecidos pelo SUS são considerados defasados. A rede pública não possui remédios novos, que ajudam a aumentar as taxas de sobrevivência, a reduzir os eventos adversos e a melhorar a qualidade de vida.
O Brasil é um país heterogêneo, onde várias regiões carecem de estruturas complexas e profissionais de saúde para o tratamento do câncer. Por exemplo, o Censo Radioterapia, publicado em 2019 pelo Ministério da Saúde, revelou não só uma carência, como também uma concentração inadequada de máquinas, a maioria nas cidades do Sul e Sudeste. Além disso, 1 a cada 3 equipamentos é considerado obsoleto.
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A Sociedade Brasileira de Radioterapia afirma ainda que a tabela de remuneração do SUS não é atualizada há mais de dez anos, desestimulando os empresários do setor a investir em equipamentos modernos.
Além disso, faltam patologistas em diversas regiões do país para realizar o diagnóstico. Também não há a disponibilidade de urologistas, o que dificulta as decisões sobre o rastreamento em massa da população.
Como 1 em cada 8 homens vai ter câncer de próstata durante a vida, nenhum sistema de saúde consegue ter estruturas, equipamentos e profissionais de saúde para lidar com essa população.
Por isso, é importante encontrarmos um modelo que amplie o acesso à saúde e trate o paciente como um todo. Precisamos criar um esquema de direcionamento desses pacientes e ampliar o acesso à cirurgia, radioterapia e medicamentos atualizados para tratar o câncer, e também de outras doenças.
*Daniel Herchenhorn é oncologista clínico da Oncologia D’Or, professor da Universidade da Califórnia, San Diego, nos Estados Unidos, diretor científico do Grupo Latino-Americano Cooperativo Genito-Urinário (LACOG-GU) e único brasileiro a participar da comissão sobre câncer de próstata da revista The Lancet.