No Dia Mundial da Voz, um chamado à ação contra uma doença grave
O que a voz representa na sua vida? Para algumas pessoas, ela é um símbolo de resistência e reconstrução

No dia 16 de abril, celebramos o Dia Mundial da Voz. Mais do que uma simples lembrança de nossa capacidade de falar, cantar ou nos expressar, a data pode representar um convite à reflexão: o que a voz representa em nossas vidas?
Para muitos, ela é apenas uma ferramenta de comunicação. Para outros, como eu – que enfrentei um câncer de laringe –, ela é um símbolo de resistência, reconstrução e pertencimento.
Perder a voz não é só uma limitação física. É também um golpe emocional e social profundo. Pacientes com câncer de cabeça e pescoço muitas vezes passam por procedimentos invasivos, como a laringectomia total, que transforma completamente a forma de se comunicar.
E o silêncio pode ser avassalador. Como retomar a vida profissional, os vínculos familiares e sociais, sem um dos principais instrumentos de interação humana?
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Foi diante dessa realidade que, há 10 anos, nasceu a Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (ACBG Brasil). Uma causa que teve início na dor do diagnóstico e tratamento, mas também na esperança. Com o propósito de “dar voz a quem não tem”, criamos uma rede de apoio, acolhimento e articulação política, que hoje transforma a vida de milhares de brasileiros.
O câncer de cabeça e pescoço é um desafio complexo que exige soluções integradas. Atuamos por nossa Rede+Voz composta por 54 voluntários ativos e, com um portfólio diversificado de iniciativas, para gerar impacto sistêmico e melhorar o cenário da oncologia.
Nossa abordagem envolve desde a mobilização de políticas até o suporte direto a pacientes, portadores, cuidadores e profissionais da saúde, conectando diferentes setores e saberes. Para isso, estruturamos nossa atuação em três eixos de impacto: Advocacy, Inclusão e Informação.
E nossa rede de 15 Grupos de acolhimento (GAL), espalhados por todo Brasil abrigando hoje mais de 300 pacientes.
A trajetória dessa década é marcada por conquistas concretas e transformadoras, como a inclusão da laringe eletrônica na Tabela do SUS e a criação de políticas públicas estaduais de reabilitação para laringectomizados e traqueostomizados.
Cada uma dessas vitórias só foi possível graças ao trabalho em rede. Profissionais de saúde, familiares e, principalmente, os próprios pacientes se uniram para mostrar que há vida – e voz – após o câncer. E aprendemos que voz não é só som: é identidade. É o direito de se expressar, de se posicionar no mundo, de continuar sendo ouvido.
No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer. Por isso, deixo uma provocação: quantas vezes os gestores de saúde param para refletir sobre a voz como um tema central de reabilitação e qualidade de vida?
O silêncio imposto pelo câncer de cabeça e pescoço ainda é invisibilizado nas políticas públicas. Precisamos de mais programas estruturados, profissionais capacitados e investimentos em tecnologias assistivas.
O Dia Mundial da Voz precisa ser encarado não apenas como uma campanha de conscientização, mas como um alerta. Precisamos de um sistema de saúde que enxergue a voz como um direito humano fundamental. Que compreenda que garantir a comunicação é garantir autonomia, dignidade e inclusão.
Neste 16 de abril, convido não apenas a sociedade, mas principalmente os gestores públicos e profissionais da saúde a ouvirem com mais atenção. A escutarem aqueles que foram silenciados e a construírem, conosco, caminhos para que ninguém mais precise enfrentar o câncer sem apoio – e sem voz.
*Melissa Medeiros é fundadora e presidente voluntária da ACBG Brasil, sobrevivente de câncer de laringe, laringectomizada total e traqueostomizada definitiva.