Clique e Assine VEJA SAÚDE por R$ 9,90/mês
Imagem Blog

Com a Palavra

Por Blog Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Neste espaço exclusivo, especialistas, professores e ativistas dão sua visão sobre questões cruciais no universo da saúde
Continua após publicidade

Não dá mais para separar o bem-estar coletivo do individual

Epidemiologista esclarece por que a vacinação e outras medidas preventivas têm um efeito comunitário vital ao controle final da pandemia

Por Mauro Cardoso, epidemiologista*
Atualizado em 19 ago 2021, 19h01 - Publicado em 18 ago 2021, 10h33
como controlar a pandemia
Vacinação é peça-chave para conter a transmissão do coronavírus. (Foto: Veja Saúde/SAÚDE é Vital)
Continua após publicidade

A pandemia de Covid-19 escancara um aspecto importante nas questões de saúde e doença: os níveis de atenção e adesão das populações às medidas preventivas.

Cuidados para evitar doenças envolvem aspectos individuais, como escovar os dentes para prevenir a cárie ou tomar um medicamento à base de iodo para tratar o bócio. E comunitários ou ecológicos, e podemos citar como exemplo as políticas públicas de inclusão de flúor na água tratada e de iodo no sal de cozinha para combater, em larga escala, os mesmos problemas citados anteriormente.

Da mesma maneira, existem riscos à saúde individuais (caso do tabagismo), que convivem com riscos coletivos, a exemplo da poluição atmosférica, e ambos elevam a propensão a problemas respiratórios.

No nosso dia a dia, os aspectos individuais são mais percebidos, ou enfatizados, por serem mais próximos, mas existem situações em que o aspecto comunitário e ecológico fica bem mais evidente: as epidemias são um dos casos mais notáveis.

Lembremos da hipótese de Gaia, que diz que o ecossistema do planeta inteiro pode ser considerado um complexo sistema interagente, que mantém as condições climáticas e biogeoquímicas preferivelmente estáveis. Uma epidemia pode ser representada como um adoecimento agudo de uma comunidade, enquanto uma pandemia é considerada uma doença aguda de toda uma sociedade. Pensando nisso, a vacinação é uma estratégia de controle de doenças no nível ecológico, não apenas no nível individual.

Os riscos ecológicos dificilmente são percebidos sem uma análise mais profunda. O astrônomo Neil de Grasse Tyson, na série Cosmos, lamentava que a poluição da fumaça dos automóveis fosse incolor, pois perceberíamos um risco a mais se ela tivesse uma cor violeta, como ilustrado em um dos episódios da série. Esse mesmo erro de percepção explica como a discussão das vacinas tem sido erroneamente focada no indivíduo, mostrando a imunização como um amuleto pessoal cuja eficácia é debatida por “sommeliers de vacina”.

Continua após a publicidade

LEIA TAMBÉM: Pegar Covid-19 depois da vacina não significa que o imunizante falhou

Entretanto, o objetivo de uma vacinação em massa não é somente diminuir o número de casos da doença, mas atacar as cadeias de transmissão do vírus, revertendo uma epidemia. Isso está no nível ecológico e é pouco abordado.

A partir do momento em que a incidência começa a cair na comunidade, o vírus vai encontrando cada vez mais dificuldade em conseguir se espalhar. Como uma bola de neve, a vacinação da população e, consequentemente, a redução da transmissibilidade da doença, faz com que o risco de contrair Covid-19 tenha uma queda maior em nível comunitário, num efeito que transborda a eficácia dos imunizantes em si.

Para exemplificar melhor o conceito, me permito fazer uma analogia com o futebol. Um bom jogador é capaz de tomar a bola do adversário fazendo com que ele chute menos ao gol. Mas, quando bons zagueiros tomam cada vez mais bolas, o tempo de posse de bola do time inteiro é aumentado e o do adversário é diminuído.

O número final de chutes a gol do adversário começa a cair bem mais do que aquele que seria devido apenas ao número de jogadas bem marcadas. A vacina é como um bom jogador. Ela tem um efeito a nível individual e outro a nível do time inteiro.

Continua após a publicidade

“Mas se eu já tomei a vacina, por que é importante que eu ainda use máscara?”, questionam algumas pessoas. Uma vacina com 50% de eficácia pode ser capaz de reverter uma epidemia, desde que, junto a outras medidas, possa atacar também a transmissibilidade do vírus.

E é também por essa diferença entre o nível individual e o ecológico que não basta vacinar e sair para a rua, pois seu risco de adoecer depende mais do status epidêmico do que apenas da eficácia da vacina individual. Assim, o uso de máscaras e outros cuidados são recomendados até que a incidência da doença caia para níveis não epidêmicos.

+ LEIA TAMBÉM: Variante Delta reforça a importância do uso correto de máscaras

Outra analogia explicativa: o risco de se molhar está muito mais relacionado à força da tempestade do que à eficácia do seu guarda-chuva. Um sujeito pode ter o guarda-chuva com a maior eficácia do mundo, mas, em uma tempestade com ventos fortes, a chance de se encharcar ainda é maior se compararmos essa situação à de um sujeito sem proteção em um dia ensolarado. É até óbvio, né?

Então, o risco de se infectar com uma doença transmissível está mais associado à situação epidêmica do que ao nível de proteção individual. O seu risco individual é proporcional à incidência da doença na comunidade. Em um contexto epidêmico, as máscaras e as vacinas diminuem relativamente esse risco em relação a quem não aderiu a esses cuidados, além de reduzirem a transmissão da doença. Há, portanto, benefícios individuais e coletivos.

Continua após a publicidade

O controle final da epidemia está mais ligado a essas medidas coletivas do que às proteções individuais. Em epidemiologia, temos a situação onde máscaras e vacinas conseguem diminuir a transmissão. Isso significa que os nossos “guarda-chuvas” individuais, se usados por todos, têm o bendito e mágico poder de fazer “parar de chover”.

É por isso que a discussão de dispensar o uso de máscara em quem já foi vacinado só ocorre em países onde já se debate se há ou não a ocorrência de transmissão comunitária, ou seja, onde parece que “já parou de chover”, como é o caso da Austrália (parte A do gráfico abaixo). No Brasil (parte B), como se pode ver no mesmo gráfico, cuja escala é 150 vezes maior, essa discussão ainda parece bem fora de questão.

Grafico epidemiológico comparando covid na austrália e no brasil
(Gráfico: Grupo 3778/Divulgação)

* Mauro Cardoso é médico epidemiologista e cientista de dados da healthtech Grupo 3778

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja Saúde impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 14,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.