Incontinência urinária, prisão de ventre… e transtornos comportamentais?!
Principalmente em crianças, esses três problemas têm mais a ver do que você imagina
Muitos podem pensar que o trato urinário inferior (bexiga e a uretra) e o trato intestinal não têm nada em comum. Em um, passa a urina e, no outro, as fezes – e ambos fisiologicamente não se misturam. Só que os dois sistemas estão muito ligados!
Ambos têm uma inervação semelhante, de forma que um sistema pode interferir no outro. É por isso que pessoas com diarreia, como na síndrome do cólon irritável, têm maior risco de apresentar bexiga hiperativa – ou seja, urgência para urinar e incontinência diurna.
Um estudo da Escola Bahiana de Medicina com mais de 800 participantes evidenciou que crianças constipadas são mais propensas a segurar o xixi. E isso favorece infecção urinária e lesão renal. Essa associação entre sintomas da bexiga e do intestino tem sido chamada em inglês de bladder bowel dysfunction (BBD), ou disfunção vesicointestinal, em português.
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Mas um novo elemento tem sido incorporado aos sintomas de BBD: o cérebro (brain, em inglês). No congresso da International Children’s Continence Society, a ICCS, em novembro do ano passado, propusemos a incorporação de outro B (brain), sendo então chamada de BBBD.
Há várias demonstrações científicas da associação entre problemas comportamentais e emocionais com as disfunções da bexiga e do intestino. Por exemplo: temos evidências de que crianças com TDAH apresentam mais incontinência urinária. A explicação é que a perda da atenção deixa o pequeno menos vigilante ao enchimento da bexiga e não iniba uma eventual contração do órgão.
Outro exemplo é a associação entre a postergação miccional e o transtorno opositivo desafiante (TOD), manifestado por comportamento dito “teimoso”. Estima-se que cerca de 30% das crianças que demoram ou precisam ser lembradas para urinar apresentam TOD. Essas crianças também têm maior risco de constipação intestinal.
De forma similar, crianças autistas, na média, são mais constipadas e têm mais sintomas urinários. Isso se deve ao fato de poderem ser mais opositivas e terem menos atenção. Além disso, a inabilidade social faria com que alguns autistas sintam-se envergonhados a frequentarem banheiros públicos ou para pedirem aos professores para saírem da sala de aula para urinar. Fora isso, certos autistas são sensíveis ao cheiro e podem, por isso, evitar banheiros.
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A razão para a BBBD é que os estímulos da bexiga e do reto viajam pela medula espinhal e vão até um mesmo destino final: o córtex pré-frontal. Essa região do cérebro é a responsável pela interpretação das emoções, pela atenção e pelas tomadas de decisões.
A teoria é que uma disfunção primária dessa região seria a responsável pela BBBD. Crianças, por um fenômeno chamado de neuroplasticidade, podem se desenvolver e reduzir ou até mesmo acabar com os sintomas.
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É fundamental que esses sintomas sejam descobertos precocemente, não somente para que a criança não sofra, mas também para que o quadro não persista ou piore ao longo da vida.
Portanto, tenha atenção às crianças com mais de 4 anos de idade e adolescentes com urgência para urinar, com perda urinária durante o dia, ou que precisam ser lembrados para urinar e com constipação intestinal. Eles podem demonstrar mais ansiedade, déficit de atenção e problemas comportamentais. Felizmente, há tratamentos para todos esses sintomas.
*Ubirajara Barroso Jr é urologista, professor livre docente e coordenador da Disciplina de Urologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), professor adjunto de Urologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, chefe da Unidade do Sistema Urinário do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (UFBA), chefe de cirurgia reconstrutiva de uretra de crianças e adultos do Hospital da Universidade Federal da Bahia, segundo secretário da Sociedade Brasileira de Urologia(2024/2025) e secretário-geral da ICCS.