HIV: da aids à era da prevenção combinada
O conhecimento acerca do vírus nos ensinou muito sobre as melhores formas de evitá-lo

Durante muitos anos, prevenir o HIV era responsabilidade do preservativo, a famosa camisinha. Esse método foi a principal ferramenta que tivemos no início da pandemia de HIV/aids e com certeza reduziu abruptamente o número de novos casos e mortes devido a essa infecção.
Mas, assim como tudo, o conhecimento acerca do HIV nos ensinou muita coisa, tanto em relação à qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV quanto em relação à prevenção.
Tratamento
A corrida pelas medicações antirretrovirais é o grande exemplo a ser citado. Se, por um lado, tivemos o desenvolvimento de várias drogas efetivas para controlar o vírus nos últimos 40 anos, por outro a cura ainda não foi atingida.
Em 1993, descobriu-se que o tratamento efetivo para supressão viral tinha que ser feito com a associação de 3 medicações. Essa virada de página foi importante e a sobrevida aumentou consideravelmente.
Entretanto, até 2013 o tratamento não era recomendado para todas as pessoas vivendo com HIV. Inicialmente, só tomava remédio quem tinha manifestações clínicas de aids: as famosas infecções oportunistas. Depois, entendeu-se que tratar pessoas com contagem de linfócitos TCD4 (principal célula que o HIV invade) menor que 350, mesmo sem sintomas, era vantajoso.
Mais para frente, esse valor mudou para 500. Só a partir de 2013 instituiu-se o tratamento para todos. Estudos robustos demonstraram que a qualidade de vida das pessoas que iniciavam o tratamento precocemente era melhor e, a sobrevida, maior.
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Atualmente, tratar o HIV compreende tomar 2 comprimidos ao dia que contém 3 medicamentos. Os efeitos colaterais são raros e manejáveis. Em casos selecionados, podemos inclusive partir para a biterapia. Ou seja, tomar apenas 2 remédios que, no caso da associação mais comum (lamivudina e dolutegravir), vêm coformulados em um único comprimido.
Para quem presenciou pacientes tomando mais de 10 comprimidos ao dia, com efeitos colaterais graves e às vezes estigmatizantes, o estágio em que estamos é de muito avanço, bem como de conforto ao paciente vivendo com HIV.
E o tratamento como prevenção?
Essa talvez seja a mais emancipadora informação científica que temos em relação ao tratamento desde a terapia antirretroviral altamente eficaz.
Estudos que avaliaram transmissão do HIV em casais sorodiferentes — quando um dos parceiros vive com HIV tratando adequadamente e outro não é portador do vírus — observaram que pessoas com carga viral indetectável não transmitem HIV a sua parceria, mesmo sem uso de nenhum método de prevenção.
Isso é revolucionário porque tratar virou uma estratégia de prevenção. Inclusive, a máxima seguinte se faz real: é mais seguro ter relação sexual sem nenhum método preventivo com alguém que saiba do seu status sorológico e esteja indetectável do que com alguém que não saiba ou que tenha um teste de HIV negativo antigo.
Prevenção combinada
Assim como o tratamento, outras estratégias de prevenção surgiram além do preservativo. Afinal, se todos sabemos que ele é o melhor método para prevenção de HIV e outras IST, por que então as taxas de infecção pelo vírus não pararam de subir até 2020? Porque, mesmo sabendo da importância, muitas pessoas não utilizavam em todas as relações.
E o que fazer com essas pessoas? Esperá-las contraírem o vírus e, a partir daí, tratá-las para que elas não transmitam e vivam mais?
A partir desse racional, criou-se a estratégia de prevenção combinada, que consiste basicamente em associar métodos de prevenção para reduzir risco de infecção pelo HIV. O Ministério da Saúde lança essa estratégia a partir da mandala da prevenção combinada. Nela, outras estratégias aparecem como formas de diminuir a infecção, conforme figura abaixo:

Dentre todas, a que mais ganhou destaque nos últimos anos foi a profilaxia pré-exposição (PrEP). Tal estratégia consiste na tomada de antirretrovirais, combinados em apenas um comprimido, diariamente ou, em caso de pessoas com pênis, quando houver exposição (PrEP sob demanda).
Essa estratégia é um grande divisor de águas na história do HIV/aids. Com eficácia maior que 99%, a implementação da PrEP em vários locais do mundo foi um sucesso. Em São Paulo, cidade que concentra o maior número de usuários de PrEP (aproximadamente 55 mil), houve uma redução de 54,6% de novos casos de HIV em 7 anos.
Novas estratégias promissoras
Podemos destacar a PrEP injetável, com facilidade de tomar as injeções a cada dois meses. Entretanto, a principal barreira para incorporação do cabotegravir, droga utilizada nessa modalidade, é seu preço, ainda muito alto.
Além dessa, esse ano foi publicado no The New England Journal of Medicine a eficácia do lenacapavir como medicação preventiva. A tomada de lenacapavir a cada 6 meses por via subcutânea, nesse estudo, resultou em zero infecções por HIV.
O Brasil, modelo mundial em cuidado de HIV, tem sempre papel de protagonismo na implementação de novas tecnologias em relação ao tratamento e prevenção do HIV. No entanto, determinantes sociais ainda fazem com que pessoas que vivem em bolsões de exclusão social sejam acometidas principalmente pela aids.
Ou seja: nessas pessoas não chega prevenção, diagnóstico e tratamento. É preciso urgentemente diminuir esses degraus sociais, entender e atuar sobre as diferentes vulnerabilidades. Pessoas pretas, pessoas transgênero, jovens e homossexuais ainda vivem a epidemia de aids.
Precisamos tirá-los dos anos 80 e colocá-los integralmente em 2024. Só assim a pandemia de HIV vislumbrará seu fim.
*Pedro Campana é médico infectologista no Nucleo de Medicina Afetiva (NuMa) e professor na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo