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Gosto amargo de cigarros e de vapes

Ninguém precisa de suco industrializado nem para beber e muito menos para fumar ou vaporar

Por Mariana Pinho e Mônica Andreis, da ACT Promoção da Saúde*
29 ago 2023, 09h52
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  • Qual será o sabor da vitória para as empresas de tabaco que conseguiram a suspensão dos efeitos da proibição de aditivos de aroma e sabor em cigarros?

    Já se passaram dez anos desde a edição da resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proíbe o uso destas substâncias em produtos fumígenos. Desde então, o caso se arrasta com processos na Justiça para evitar que a regulação entre em vigor.

    Nesse meio tempo, a indústria de tabaco fez 1.212 novos pedidos de registro de produtos com sabor, um aumento de 347% no número de registros existentes no dia em que a resolução foi assinada, de acordo com dados da própria Agência.

    Para a sociedade, o gosto é bem amargo. Crianças e jovens começam a fumar, experimentam cigarros mentolados, com cravo, canela, frutas e outros sabores que mascaram o desconforto da fumaça tóxica e aumentam a absorção da nicotina – substância responsável pela dependência química.

    + Leia também: Vape: precisamos conter este mal

    Os documentos internos norte-americanos das indústrias do tabaco revelam que o uso de aromas facilita a experimentação de cigarros por crianças, porque eliminam o gosto ruim do cigarro. O intuito é um só: “os fumantes adultos jovens são a única fonte de substituição dos fumantes”.

    Hoje, a comunidade de controle do tabaco, escaldada sobre as estratégias dessas empresas em manter o tabagismo como algo normal e perene na sociedade, se indigna diante da tentativa de introdução dos dispositivos eletrônicos para fumar.

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    O vape “de gostinho”

    Os cigarros eletrônicos e produtos de tabaco aquecido são, em primeiro lugar, equipamentos para administrar nicotina. Além do design moderno e apelo tecnológico, são usados com muitos aditivos e e-juices – sucos saborizados e aromatizados.

    São mais de 8.000 aromatizantes únicos, cujos efeitos à saúde ainda não são plenamente conhecidos. Contudo, a produção científica mundial já aponta que os flavorizantes podem oferecer riscos a longo prazo, principalmente os mais adocicados.

    Mesmo que pareça óbvio, é importante dizer que, nesses líquidos com sabor de fruta, não há a presença da respectiva fruta, mas sim de várias substâncias químicas que, combinadas, levam àquele sabor. Além disso, elas foram feitas para serem ingeridas e não inaladas, ainda mais após aquecimento.

    + Leia também: Cigarro eletrônico aumenta risco de uso de maconha e álcool em jovens

    Jovens, o público alvo

    Lamentavelmente, os consumidores mais frequentes dos dispositivos eletrônicos para fumar são os jovens. De acordo com o Vigitel/2019, cerca de 80% das pessoas que já usaram produtos do tipo têm entre 18 e 34 anos.

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    A Pesquisa Nacional de Saúde/2019 reforça os achados: o percentual de uso entre jovens de 15 e 24 anos (2,38%) é 40 vezes maior que entre aqueles com idade superior a 40 anos (0,06%).

    Já o Covitel/2023 mostra que 39% dos usuários de cigarros eletrônicos usam para socializar e um em cada cinco desconhecem que os produtos contêm nicotina.

    O índice de consumo diário no país ainda é baixo (0,6%), mas é preciso ampliar a conscientização e fiscalização para evitar a elevação das estatísticas.

    Sociedade em alerta

    As campanhas e alertas sobre os efeitos deletérios do cigarro, seus aditivos e versões eletrônicas são importantes e têm surtido efeito.

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    Uma pesquisa encomendada pela ACT Promoção da Saúde ao Instituto Datafolha, em julho de 2023, aponta que 70% dos entrevistados são a favor da proibição dos sabores e aromas como forma de evitar a iniciação entre jovens, e 79% concordam que a venda de dispositivos eletrônicos para fumar deve continuar sendo proibida no Brasil.

    Ainda assim, 121 marcas de cigarros e 96 fumos para narguilé com aditivos têm registro ativo na Anvisa.

    Esse sabor amargo pode ter fim. Basta a batalha judicial ser vencida pela saúde e não pelas gigantes do fumo. Além disso, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 6.387/2019. Seu escopo também proíbe o uso de aditivos em produtos de tabaco.

    O crescimento da disponibilidade e do uso dos produtos saborizados é motivo para acelerar esta decisão, especialmente diante da atratividade aos jovens: 11% dos adolescentes brasileiros com menos de 14 anos já experimentaram cigarros.

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    E, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, 90% dos fumantes começaram antes dos 19 anos. Tabagismo é uma doença pediátrica, mata mais de 160 mil brasileiros por ano e acarreta um custo anual de R$92 bilhões com despesas médicas e afastamento ou aposentadorias precoces por doenças associadas ao consumo e exposição ao tabaco.

    Ninguém precisa de suco industrializado nem para beber e muito menos para fumar ou vaporar. Parafraseando Titãs, a gente quer comida, diversão e arte, mas tudo isso livre de fumo e de venenos.

    *Mariana Pinho é coordenadora do projeto de tabaco da ACT Promoção da Saúde; Mônica Andreis é diretora-geral da ACT Promoção da Saúde

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