Diálise: um tratamento que salva ainda mais vidas na pandemia de Covid-19
No Dia Mundial do Rim, nefrologista revela a importância desse tratamento para pacientes com doença renal (e mesmo para quem pegou o coronavírus)
No 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a Covid-19 já configurava uma pandemia. Exatamente um ano depois, no 11 de março de 2021, ocorre a campanha do Dia Mundial do Rim, coordenada no Brasil pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), e cujo tema é “Vivendo Bem com a Doença Renal”. A coincidência de datas é oportuna: o coronavírus impacta significativamente na vida dos pacientes renais crônicos, enquanto as formas mais graves de Covid-19 também podem afetar agudamente os rins dos infectados. E é nesse cenário que a diálise assumiu destaque nos noticiários, dada a sua capacidade de preservar vidas.
A pandemia causada pelo Sars-CoV-2 veio ao triste encontro da epidemia de doença renal crônica (DRC). Estima-se que uma em cada dez pessoas no mundo possuam esse problema nos rins, desde os estágios iniciais até os mais avançados, quando há necessidade de terapia renal substitutiva (diálise ou transplante renal). Atualmente, existem mais de 140 mil pacientes em diálise no Brasil, segundo a SBN.
O objetivo da diálise é substituir parcialmente as funções dos rins, removendo as toxinas e o excesso de líquido do corpo. Na diálise peritoneal, feita na casa do paciente, o peritônio (membrana que reveste a cavidade e órgãos abdominais) atua como um filtro. Já na hemodiálise, realizada em clínicas especializadas, uma máquina filtra o sangue da pessoa. No Brasil, mais de 90% dos pacientes ficam com essa segunda opção (geralmente três vezes por semana).
No contexto da pandemia, podemos imaginar que algumas recomendações fundamentais de prevenção, como o distanciamento social, não podem ser integralmente adotadas por quem faz hemodiálise. Esse grupo não tem como ficar em casa, pois a manutenção da terapia dialítica é fundamental para a sobrevivência. Não é recomendável sequer diminuir o número de sessões.
Somado a isso, há o agravante de que esses pacientes apresentam um risco adicional de sofrer com complicações da Covid-19. Um levantamento da SBN apontou que a mortalidade pelo coronavírus é cerca de 40 vezes maior em pacientes dialíticos, quando comparado à população geral. Portanto, uma série de cuidados foram adotados nos centros de diálise, o que exige grande responsabilidade de profissionais de saúde, gestores e autoridades sanitárias.
Pior: a já crescente demanda pela dialise foi ampliada na pandemia. Além dos pacientes crônicos, agora lidamos com pessoas que, após a infecção pelo coronavírus, manifestaram uma rápida perda de função renal. Em pacientes sob ventilação mecânica, cerca de 20% a 50% precisam de diálise — e muitos continuam necessitando desse procedimento mesmo após a alta hospitalar.
Há diferentes técnicas de diálise que podem ser utilizadas nesse contexto. A escolha entre uma e outra é individualizada, considerando a disponibilidade no serviço, a experiência da equipe e o próprio estado do paciente. A avaliação clínica e a prescrição médica de um nefrologista são fundamentais.
Caso a ampliação dos centros de diálise fosse viável a curto prazo, esse fluxo maior de pacientes não seria tão grave. Porém, a manutenção desses locais já é um desafio, tendo em vista que há uma crise financeira de longa data no setor.
No Brasil, mais de 80% dos pacientes dialisam pelo serviço público, e há muitos anos o valor da sessão não é reajustado. O Ministério da Saúde, por meio da portaria nº 3.822 de 2020, liberou recurso financeiro de emergência para tratamento dialítico durante a pandemia, porém essa ajuda está longe de ser suficiente para amenizar a crise, que é crônica.
*Andrea Pio de Abreu é nefrologista, doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e secretária geral da Sociedade Brasileira de Nefrologia