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Desafios na construção do Plano Nacional de Demência

Avanços legais abrem caminho para a elaboração de um política pública de cuidado destes pacientes, mas ainda é preciso superar algumas barreiras

Por Celene Pinheiro, médica geriatra, e Rodrigo Schultz, médico neurologista*
28 jul 2024, 06h00
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Demência é um problema em ascensão no Brasil (Ilustração: Gustavo Gialuca/Veja Saúde)
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A recente promulgação da Lei nº 14.878/24, que estabelece a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências, representa uma conquista significativa por melhores condições aos brasileiros e brasileiras com demência.

A legislação, oriunda do esforço do senador Paulo Paim, com a participação de entidades como a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e a Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz), constrói uma resolução crucial para a implementação do Plano Nacional de Demência, uma estratégia extensa que visa não apenas diagnosticar, mas apoiar os mais de 1,8 milhão de pessoas que vivem com algum tipo de demência — o Alzheimer é uma delas — e outros 2,2 milhões com algum grau de déficit cognitivo, além de oferecer suporte aos cuidadores e familiares.

Esses dados, que refletem o tamanho do desafio no país, provêm do Estudo Longitudinal Brasileiro sobre o Envelhecimento (ELSI-Brasil), conduzido em 70 municípios nas cinco regiões geopolíticas, abrangendo cidades pequenas, médias e grandes em áreas urbanas e rurais.

Entre os obstáculos identificados no cuidado prestado às pessoas e suas famílias, aproximadamente 800 mil habitantes podem ter demência sem nem sequer receber o diagnóstico. Esses indivíduos enfrentam perda da qualidade de vida e da independência, enquanto as famílias e os cuidadores que os apoiam ficam sob enorme pressão, sofrendo com problemas de saúde e muitas vezes incapazes de manter seu emprego.

Nesse sentido, a legislação tornou-se uma pedra angular na construção do imprescindível Plano Nacional de Demência, que possibilitará um futuro em que o bem-estar dos pacientes com demência e o apoio aos seus cuidadores sejam priorizados.

Por meio do monitoramento participativo e da integração de múltiplas áreas de atuação, o Brasil está estabelecendo um precedente de inovação e cuidado no tratamento das demências, alinhando-se com as melhores práticas internacionais e reforçando seu compromisso com os direitos humanos e a dignidade de todos os cidadãos.

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+ Leia tambémO cuidador como ponte afetiva entre a família e a pessoa com demência

A abordagem integrada da lei, envolvendo saúde, assistência social, respeito aos direitos e acesso à tecnologia, inaugura a participação do poder público na atenção às pessoas com demência, algo que, até o momento, é uma função assumida exclusivamente pela família e pelos profissionais de saúde que as acompanham.

A lei nos conduz a uma sociedade mais inclusiva e preparada para lidar com as complexidades das demências. O engajamento entre governo, sociedade civil e organizações sociais será fundamental para o sucesso dessa empreitada, garantindo que a voz de brasileiros e brasileiras seja ouvida e que as soluções sejam construídas de forma colaborativa.

A conformidade com as diretrizes mundiais é um componente essencial ao fortalecimento da resposta a essas questões desafiadoras em saúde pública. O Plano de Ação Global de Saúde Pública da Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca a importância de estabelecer objetivos precisos e mecanismos de avaliação. Essas medidas não só traçam um caminho para o avanço mas também fomentam a transparência e a responsabilização necessárias para o progresso na área.

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Demência, um problema em crescimento

Um relatório recente de entidades internacionais, apoiado pela Alzheimer’s Disease International (ADI), projeta um aumento significativo na prevalência global de demência nas próximas décadas. Até o ano de 2030, espera-se que a incidência dessa condição cresça em torno de 50% nos países de alta renda e 80% nas nações de baixa e média renda, caso do Brasil.

A doença torna-se uma provação não apenas pelo impacto direto aos pacientes, mas também pela sobrecarga emocional e financeira imposta aos cuidadores e familiares. Estudos indicam que 60% dos cuidadores de pessoas com demência sofrem de estresse grave, enquanto 42% apresentam ansiedade e 40%, depressão. Essa realidade ressalta a necessidade urgente de apoio e recursos adequados a essa comunidade.

O Estatuto do Idoso estabeleceu, há alguns anos, um marco legal para a proteção e atenção integral à população acima de 60 anos no Brasil.

No entanto, apesar desses progressos, a legislação não especificou de maneira adequada os critérios para a determinação das carências, deixando uma lacuna significativa no suporte estatal às pessoas idosas necessitadas, entre elas as que possuem demência. Diante disso, a nova legislação cobre parte da lacuna com a lei do Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências.

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A sociedade brasileira permanece nos vislumbrando como o país do futuro, porém não se conscientizando plenamente das transformações em curso.

As questões relativas ao envelhecimento populacional são obscuras para a maioria — poder envelhecer é um avanço e tanto, mas também um processo que pode vir acompanhado da maior propensão a doenças crônicas com prejuízos individuais e sociais. Assim, a lei recém-sancionada promove um relevante destaque à questão da demência no Brasil, e deverá resultar na implementação do tão sonhado Plano Nacional de Demência, como já recomendado pela OMS.

Esse plano de ação trará uma abordagem mais ampla, humanizada e apta a sanar pontos sensíveis do diagnóstico e do acesso ao tratamento — um desafio em si, ainda que estejamos na expectativa do desenvolvimento de remédios mais efetivos contra o Alzheimer e outras enfermidades que abalam a cognição.

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O plano também chamará a responsabilidade do Estado para a implementação de uma verdadeira política de cuidado, um aspecto que o Brasil deve considerar para aprimorar seu próprio sistema de apoio às pessoas idosas.

*Celene Pinheiro é médica geriatra e presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz). Rodrigo Schultz é médico neurologista, professor da Universidade Santo Amaro (SP) e ex-presidente da ABRAz. 

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