Você, como pai ou mãe, talvez já tenha feito uma poupança e se conformado com a ideia de que o aparelho ortodôntico entrará na vida de seu filho em algum momento, não é?
A culpa não é sua por pensar assim. Dentes tortos são tão comuns na sociedade que passamos a considerá-los normais!
A prevalência é assustadora, e revela uma epidemia silenciosa, literalmente bem abaixo do nosso nariz, que se inicia na infância e se perpetua na idade adulta.
Mas, em que ponto se iniciou a derrocada? De acordo com análises recentes, mais de 80% da nossa população moderna tem ossos faciais bem diminuídos em comparação a grupos populacionais de tempos remotos.
Estudos arqueológicos também mostraram que os nossos genes modernos são exatamente iguais aos genes dos homens da Idade da Pedra.
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Curiosamente, todos os nossos ancestrais tinham dentes perfeitamente retos com arcadas grandes – e nunca usaram aparelhos.
Como explicar, então, a alta incidência de mal oclusão e deformidades faciais em nossa sociedade?
A resposta está naquilo que nos cerca, mais precisamente em modificações rápidas e dramáticas dos ambientes físicos e culturais que se iniciaram com a advento da agricultura e se intensificaram após a Revolução Industrial.
O estilo de vida moderno e nossos dentes
Nosso estilo de vida abrange uma dieta repleta de comida embalada e processada, açúcares refinados e alimentos básicos altamente adulterados, que estão muito longe de nossa dieta ancestral.
Passamos a viver em ambientes fechados, oferecemos menos tempo de amamentação aos bebês e introduzimos alimentos pastosos no desmame. Aliás, o desmame precoce cria hábitos anormais de língua e deglutição.
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A dieta moderna, que requer menos mastigação, favorece a atrofia dos músculos da face.
O resultado é uma reação alérgica e inflamatória a esse padrão rico em produtos químicos, aditivos e excesso de açúcar, que, somada a uma vida dentro de casa, produz congestão nasal e respiração bucal em crianças. Assim, elas são obrigadas a adotar uma postura de boca aberta.
O hábito de manter a boca aberta faz com que o rosto cresça verticalmente, criando faces mais estreitas e compridas, com os maxilares mais encolhidos.
Entre outras características, isso culmina em dentes tortos. Somos vítimas de uma verdadeira corrupção ambiental da expressão genética do crescimento facial.
Em resumo, nossos maxilares e dentes têm potencial para encarar um verdadeiro banquete como aqueles vistos em Os Flintstones, mas achamos mais conveniente declinar do convite e levar nosso próprio Big Mac.
Essas conveniências e escolhas podem levar a problemas muito piores.
Infelizmente, dentes tortos são, na verdade, apenas a ponta do iceberg – logo abaixo vem maxilares encolhidos e a respiração pela boca.
Juntos, esses fatores tendem a reduzir a qualidade de vida e tornar o indivíduo suscetível a doenças mais sérias, como apneia obstrutiva do sono, problemas cardiovasculares, TDAH, ansiedade, obesidade, diabetes e por aí vai.
Ao longo dos últimos anos tornou-se claro e evidente que os ortodontistas estão focando na coisa errada. É que eles ainda miram no dente torto – e existem métodos cada vez mais avançados para o alinhamento.
Mas alinhar os dentes nesse contexto que apresentei segue o mesmo raciocínio de arrumar as mesas simetricamente no deck do Titanic.
Infelizmente, o treinamento como ortodontista é baseado em resolver o problema dentário, e não promover a saúde infantil de forma global.
Devemos olhar a criança como um todo, facilitando efetivamente a mudança de comportamento.
É preciso, por exemplo, concentrar esforços nos seguintes aspectos:
- Estimular a amamentação por pelo menos 1 ano, sendo 6 meses de forma exclusiva
- Evitar mamadeira e chupeta
- Ensinar as crianças a fechar a boca quando não estão comendo ou falando
- Introduzir alimentos saudáveis e naturais que estimulem a mastigação, deglutição e funcionamento do intestino
- Evitar ao máximo açúcares e alimentos ultrapalatáveis e ultraprocessados
- Prestar atenção ao sono
- Sempre promover a lavagem nasal
- Limitar o uso de telas
- Aumentar o contato com a natureza
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Caso seja necessário tratar os dentes, o ideal é procurar um profissional especializado em saúde, e não em doença.
Ele precisa trabalhar com foco no equilíbrio facial adequado, na aparência facial agradável e na proteção e expansão das vias aéreas.
São fatores que contribuem para respiração ideal, padrões de sono restauradores e ótima saúde geral, além de produzir sorrisos amplos, que se estendem nos cantos da boca.
Temos que adotar estratégias levando em conta que o desafio principal é criar crianças saudáveis, felizes e com dentes retos – mesmo contra todas as probabilidades do mundo de hoje.
*Vivian Farfel é especialista em odontopediatria e também em ortodontia e ortopedia facial pela Faculdade de Odontologia da USP