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As fases de um relacionamento abusivo

Histórias de relações abusivas começam com a pessoa abusadora criando um enredo de entusiasmo, proximidade, sedução e conquista

Por Alexandre Valverde, neurodivergente e psiquiatra*
6 jan 2024, 11h24
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Entender as fases de uma relação abusiva é fundamental para buscar encerrar esse ciclo (Foto: Freepik/Divulgação)
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Do mesmo modo que um ano tem seu ciclo, assim também são as relações abusivas (ou tóxicas). Se suspeita que vive em um, perceba em que fase se encontra dessa relação e comece a se preparar para agir – ou seja, encerrar esse ciclo do qual está aprisionado.

As histórias de relações abusivas começam com um percurso que se inicia no que se chama Bombardeio de Amor. É uma fase em que a pessoa abusadora cria um enredo de entusiasmo, proximidade, sedução e conquista, alçando a experiência de convívio ao limite superior do que poderia ser essa relação – seja ela conjugal, de amizade, trabalho ou parental. Sim, o abuso também pode vir de pais, irmãos, amigos, colegas de trabalho.

Você se torna o melhor amigo, o melhor amante, o melhor trabalhador, o melhor filho. A intenção é criar uma memória do alto patamar (afetivo ou sexual) que a relação pode atingir potencialmente a fim de gerar um ponto a ser almejado novamente.

+ Leia também: O poder perigoso do amor

É um parâmetro de comparação que permanecerá vigente durante o resto da relação, principalmente nas fases de desvalorização e isolamento, quando a pessoa abusadora, usando de estratégias de ataque à autoestima e à autoconfiança, iniciará o ciclo de isolamento e abuso de sua vítima.

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O gaslighting é esse ataque constante à capacidade que um indivíduo tem de se manter confiante sobre o que vê, sente e pensa. “Você está louca!”, “Que exagero, não foi isso o que eu disse”, “Estava só brincando. Você leva tudo a sério”. “Deixa de drama!”, “Você é muito sensível”, “Descompensada!”

Essas e outras frases são o arsenal com o qual o abusador vai minando, dia a dia, a sua moral, a ponto de você duvidar da própria sanidade e seguir aprisionado na relação da qual deveria se desprender, pois passa a acreditar mais nos ataques que recebe do que em si mesmo.

Pessoas neurodivergentes (autistas, por exemplo) são especialmente sensíveis a esse ciclo de abusos, porque têm dificuldades em entender esses ataques. Elas costumam ser mais ingênuas e crédulas. Tendem a tomar para si a responsabilidade sobre o andamento de suas relações e se tornam presas fáceis para esse tipo de predador social.

+ Leia também: Cérebro social: decifrando as raízes da sociabilidade humana

Abusadores parasitam alguém que lhes forneça diferentes “suprimentos”: dinheiro, atenção, conforto, posição social, sexo etc. Trata-se de uma relação utilitária onde o abusado é reduzido ao papel de provedor objetificado.

O ciclo perdura até o esgotamento dessa pessoa abusada, que pode levar à fase seguinte. É o Descarte, cujo nome fala por si só.

Interessante apontar que esse descarte pode se dar como Descarte Reverso, em que a pessoa abusadora gera uma fase de abusos tão intensos e frequentes que a abusada finalmente decide pôr fim à relação – porém, desse modo, oferecendo material para que o abusador se vitimize.

ilustração de mulher triste em fundo preto e coração em destaque em vermelho
Relacionamento abusivo pode resultar em violência física ou psicológica (Ilustração: Nik Neves/SAÚDE é Vital)

E por fim temos a Repescagem, momento em que os abusadores apostam na capacidade de resiliência e ansiedade de separação da pessoa abusada e jogam a isca da falsa mea culpa: “Agora eu amadureci”, “Tudo vai ser diferente”, “Foi só um deslize”, “Você me ensinou a mudar”. É quando temos a passação de pano e as lágrimas de crocodilo.

Lembre-se: abusadores são mentirosos crônicos e mestres em inverter a cena e acusar as vítimas dos crimes que cometem.

É o chefe que acusa seus funcionários pelos maus resultados que ele não conseguiu atingir. É o tirano que acusa o povo pelo mal que ele mesmo perpetra, deixando-o à míngua. No Brasil, 600 mil corpos vitimados pela Covid-19 – em túmulos ou em valas comuns –, atestam o poder nefasto que abusadores podem ter sobre nossas vidas.

+ Leia também: Quer viver mais e melhor? Cuide das suas relações sociais

Se você reconhece alguma das fases desse ciclo, faça uma reflexão para deixar cada uma dessas fases mais claras para você. Junte forças, recorra a sua rede de apoio (inclusive financeiramente, se houver alguma dependência econômica).

Se puder, termine essa relação. Não há saúde e harmonia no convívio com uma pessoa abusadora.

Se não puder exercer o contato zero, não aprofunde essa relação. Não se defenda, não se engaje, não se explique e não personifique.Tudo o que disser será usado como munição contra você.

No mais, procure ajuda de saúde mental e jurídica, caso não tenha ainda iniciado esse percurso. E também se informe sobre as neurodivergências e se seu modo de se relacionar se enquadra nos modos de funcionamento das pessoas neurodivergentes.

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Será uma ótima oportunidade para se reconhecer ao mesmo tempo em que reconhece os padrões de uma relação que pode estar minando sua vitalidade e vivacidade.

De uma experiência dessas, é possível aprender a reconhecer seus limites: aquilo que você aceita e o que não aceita, aquilo que quer e o que não quer. Esses limites são o fim dessa antiga história, mas o começo de uma nova. Limites determinam começos e não somente fins.

*Alexandre Valverde é médico psiquiatra, neurodivergente, fundador da plataforma SOFCA – Survivors of Child Abuse & Neglected. Autor do livro Ruptura, Solidão e Desordem. Ensaio sobre fenomenologia do delírio.

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