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Ameaças ao coração vão além do coronavírus durante a pandemia

Taxa de interrupção do tratamento de problemas cardiovasculares é alta e gera riscos graves em meio à pandemia de Covid-19, alerta especialista

Por Dr. Jairo Lins Borges, cardiologista*
Atualizado em 15 jul 2020, 14h14 - Publicado em 27 jun 2020, 11h14
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  • Mês a mês, desde que se iniciou a pandemia pelo novo coronavírus, observamos o aumento do número de pessoas em busca de prontos-socorros e ambulatórios com sintomas da Covid-19. Por outro lado, com o distanciamento social, caiu significativamente a frequência de consultas médicas por outras condições clínicas, como as doenças cardiovasculares.

    Apesar de pacientes com doenças cardiovasculares serem parte do grupo de maior risco para Covid-19 e suas potenciais complicações, em abril, nos Estados Unidos, houve queda de pelo menos 50% no atendimento de pessoas com esses problemas. Em apenas uma semana, estima-se que houve na cidade de Nova York um aumento substancial do número de óbitos na própria residência devido a complicações primariamente cardíacas.

    Já no Brasil, a redução de atendimentos desde o início do isolamento parece ter ficado entre 40 e 50% no mês de maio, de acordo com pesquisa da Rede Brasil AVC. Ao que tudo indica, há dois cenários que contribuem para isso: o medo de sair de casa e contrair o vírus e o altruísmo dos que entendem a atual sobrecarga do sistema de saúde e preferem não acionar esses serviços, como forma de priorizar a atenção médica aos infectados pela Covid-19.

    Entretanto, as doenças cardiovasculares se configuram como a causa principal de morte na população em nosso meio, e precisam de tratamento contínuo e específico, que não pode ser abandonado devido a circunstâncias externas. Por exemplo, em condições normais, após um ano de tratamento, mais da metade dos hipertensos já abandonou o uso de medicação para controlar a pressão arterial elevada.

    No caso do colesterol alto (dislipidemia), há situações, e não são infrequentes, em que o paciente acredita que, por já estar com o LDL (o mau colesterol) adequado, não precisa mais continuar a tomar o medicamento. Por outro lado, há pessoas que não se adaptam à medicação e apresentam intolerância às estatinas (principal classe de medicamentos indicados para tratar a dislipidemia), que se manifesta como dor ou sensação de fraqueza muscular, e aí interrompem o tratamento por conta própria, sem procurar orientação médica para dar continuidade aos cuidados com o colesterol.

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    Como vivemos uma pandemia sem prazo certo para acabar, tais atitudes só agravam a situação. Não raramente, pessoas em isolamento social tendem a descuidar da saúde e a adiar a consulta ao médico por dificuldade de acesso ao serviço de saúde.

    Qualquer que seja o motivo que prejudique a adesão e a persistência no tratamento, é preciso que se saiba que as consequências podem ser sérias. O colesterol alto, assim como a hipertensão, é uma doença muitas vezes silenciosa – são necessários exames para avaliar o risco que alguém pode estar correndo, sob pena de a pessoa ser pega de surpresa por um infarto inesperado do coração ou pela morte súbita sem aviso prévio.

    Mesmo que o paciente sobreviva a um infarto do coração ou a um AVC, essas complicações levam à redução da expectativa de vida, à perda potencial da independência pessoal, à limitação da capacidade física e à piora da qualidade de vida. No Brasil de hoje, a expectativa de vida é de cerca de 75 anos. No entanto, a expectativa de vida livre de doenças crônicas limitantes, como as cardiovasculares, é de dez anos a menos, ou seja, 65 anos.

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    Portanto, é de grande importância que o tratamento das doenças crônicas não transmissíveis, por meio dos modernos recursos terapêuticos de que dispomos, seja preservado e persistente ao longo do tempo. Abandonar o tratamento de condições de alto risco por desconhecimento, dúvidas ou suposições especulativas em meio à pandemia é altamente arriscado, considerando que a cardiologia conta com uma vasta gama de estudos e diretrizes que confirmam o efeito protetor do tratamento continuado como a melhor forma de garantir a vida e a saúde de cada cidadão e da população como um todo.

    O médico, por sua vez, precisa estar disponível para dialogar com o paciente e esclarecer da melhor forma possível suas dúvidas e questionamentos. Distanciamento social não pode ser sinônimo de quebra da boa e profícua relação médico-paciente, que é tão valorizada pela medicina atual.

    * Dr. Jairo Lins Borges é professor e pesquisador da Disciplina de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

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