Acabamos de passar pelo Setembro Amarelo, mês dedicado a falar e aprender mais sobre saúde mental. Isso se faz mesmo necessário, já que os índices de doenças mentais têm aumentado consideravelmente – e isso entre todas as faixas etárias, incluindo as crianças. Por esses motivos, o assunto merece destaque o ano inteiro.
Talvez você já tenha ouvido falar sobre projetos de inteligência emocional nas escolas ou sobre livros que abordam a temática dos sentimentos, cuja intenção é familiarizar meninos e meninas com o universo emocional. O que é pouco propagado, infelizmente, é que o maior fator protetivo da saúde emocional das crianças (e, com isso, dos futuros cidadãos) é a qualidade da relação entre elas e seus adultos cuidadores.
Os projetos escolares sobre inteligência emocional e os livros sobre sentimentos podem até servir de apoio, mas jamais conseguirão substituir o aprendizado emocional que a criança tem na interação com quem cuida dela.
Nesse sentido, há décadas, se não séculos, é repassada a informação de que uma criança precisa ser reprimida ao expressar raiva. Também aprendemos que ela deve controlar o choro e, quando isso não acontece, o ideal é isolá-la ou até castigá-la.
Quantos de nós, aliás, não crescemos ouvindo coisas como: “engole o choro” e “vou te dar motivo para chorar de verdade”? Essas frases e a noção generalizada (e errada) de que crianças devam suprimir seus sentimentos são exatamente o pano de fundo para o desenvolvimento de futuros problemas mentais.
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O início da doença mental
A ciência é clara: não existe uma genética específica para depressão, ansiedade ou crises de pânico. O que existe é uma predisposição a uma sensibilidade maior que pode, ou não, culminar em uma doença mental – dependendo, principalmente, do meio no qual a criança nasce e cresce. A chamada epigenética vem confirmando isso cada vez mais nos últimos 10 anos.
Se desejamos que as crianças se tornem adultos com saúde emocional, então precisamos cuidar da relação que construímos com elas no presente. E vale lembrar que ter saúde emocional não significa não se abalar por nada, e sim ter um prazo de recomposição menor, assim como uma janela de tolerância maior às frustrações.
Acredita-se, erroneamente, que é preciso sofrer na infância para se tornar resiliente. Mas as pesquisas sobre relacionamentos seguros entre crianças e seus adultos cuidadores, que remontam à década de 50 do século passado, mostram que esse claramente não é o caso.
Pelo contrário: quando a criança cresce com a certeza de que existe um adulto que está sempre (ou quase sempre) disponível para acolher e validar seus sentimentos, mais saudável ela se torna emocionalmente.
É justamente nesse processo repetitivo de frustração seguida de acolhimento que a criança aprende o seguinte: “eu não estou sozinha para lidar com isso, então não preciso me desesperar”.
E conforme seu cérebro amadurece e começa a desenvolver as áreas responsáveis pela habilidade de se regular emocionalmente (no caso, o córtex pré-frontal), a criança vai internalizando essa segurança emocional e desenvolvendo autonomia para lidar com seus sentimentos.
Ou seja: não é forçando a criança a engolir o choro que ela se tornará resiliente. A resiliência se fortalece justamente quando se permite que esse choro flua e há o acolhimento do adulto cuidador, que serve de amortecedor emocional.
Então, se você deseja que a sua criança se torne um adulto emocionalmente saudável, o recado é: acolha-a, valide seus sentimentos, esteja disponível independente das sensações que ela manifestar e, acima de tudo, respeite todas as suas manifestações emocionais.
Permita que a criança demonstre seus sentimentos de forma autêntica e, assim, ela não precisará desenvolver mecanismos de sobrevivência para reprimir as emoções. Porque, em algum momento, tudo que é reprimido volta à superfície.
*Maya Eigenmann é pedagoga, educadora parental, palestrante, pós-graduanda em neurociências e autora do livro “A raiva não educa. A calma educa”