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A neurociência da criatividade

Neurocientista defende que todos somos criativos. E elenca quatro conselhos para desenvolver nossas habilidades

Por Claudia Feitosa-Santana, neurocientista*
Atualizado em 20 jul 2022, 10h14 - Publicado em 20 jul 2022, 10h13
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  • O que é ser criativo? Pode parecer óbvio, mas não é. Ser criativo é fazer algo novo ou fazer algo comum de um jeito novo. Ou seja, a criatividade envolve duas coisas: novidade e utilidade.

    Em geral, nós valorizamos, e é mais fácil supervalorizar, o ser criativo quando reúne essas duas características. Dois bons exemplos são a Uber e o Airbnb. E um estudo deste ano com o jogo Minecraft mostra que os mais criativos na plataforma conjugam as duas qualidades.

    Mas você deve estar se perguntando: “Tá, o que isso tem a ver comigo?”. Nossa espécie é criativa por natureza. Muito provavelmente foi graças à criatividade que dominamos o planeta: somos extremamente adaptáveis, isto é, colocamos sempre em prática pelo menos a utilidade.

    Isso não quer dizer que os outros animais não são criativos. Sua criatividade só não é tão comparável à nossa, que parece ter aumentado muito desde que nossos ancestrais passaram a manipular o fogo. Com ele, nossas refeições se tonaram mais fáceis de mastigar e, portanto, mais curtas. Assim, nossos antepassados passaram a ter tempo para gastar com outras coisas, incluindo pensar e inventar.

    Desde a pré-história, muito da nossa criatividade se aplica à utilidade: inovamos e adaptamos para resolver velhos ou novos problemas. Só que essa nem sempre é uma característica valorizada pela sociedade. É o que chamamos de uma criatividade na sombra.

    Por isso eu sei que você é criativo: no mínimo, cria maneiras próprias de realizar tarefas cotidianas e busca soluções para os problemas que encontra.

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    Somos todos (cri)ativos

    Em minha história, passei por uma expressiva transição de carreira. Quando nem conhecia o termo “neurociência”, me inscrevi como ouvinte em diferentes cursos de pós-graduação, procurei professores antigos, colegas e bibliotecários e pedi sugestões, ao mesmo tempo que buscava ideias e caminhos pela internet.

    Essa postura tem nome: pensamento divergente, termo cunhado pelo psicólogo J. P. Guilford, em 1956. Ele diz respeito à busca de resolver o mesmo problema de diversas formas, possibilitando atalhos ou insights que se materializam em economia de tempo nos processos ou nas criações.

    Um estudo recente mostra que pessoas que não são os autores iniciais de uma ideia não se percebem criativas. Se não é excepcional, algo que salta aos olhos – e somos obcecados em ser o número 1 –, não damos valor. Mas não é bem assim! Identificar e valorizar sua criatividade (mesmo a na sombra) é fundamental para o desenvolvimento pessoal e a felicidade.

    E existem formas, baseadas em ciência, de cultivar isso em seu favor.

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    4 conselhos em prol da sua criatividade

    Explore sem medo de esquecer
    Explorar significa buscar novos caminhos, olhares, perguntas etc. É a prática do pensamento divergente. Talvez você já saiba disso, pois temos evidências de que a tática funciona há mais de 50 anos. Porém, bem mais recentes são as evidências de que, ao descobrir novas formas de fazer alguma coisa, você vai esquecendo o velho e abrindo espaço mental, com mais energia, para o novo.

    Valorize o sono e a soneca
    Há aproximadamente 20 anos a ciência acumula provas de que dormir bem é essencial para resolver problemas e pode ser fator decisivo para o famoso “eureca!”. Sem dormir, não há criatividade que resista. A novidade é que aquela sonequinha ajuda.

    Pesquisadores se inspiraram nos relatos de que Thomas Edison segurava uma bola de metal e Salvador Dalí uma colher ou chave pesada enquanto tiravam uma soneca para serem despertos pelo barulho desses objetos caindo no chão, evitando que entrassem em sono mais profundo. Parece que o cochilo que ajuda no insight criativo é o bem inicial, aquele antes de pegar no sono profundo.

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    Tem até nome: hipnagogia. Mas atenção: esse estado dura pouco; para alguns, apenas 15 segundos. Então saiba que fechar os olhos por instantes, mesmo sentado, já pode ser restaurador.

    Incorpore a diversidade e também a adversidade
    Um novo estudo aponta que, quanto mais diverso o seu conhecimento, mais conceitos que aparentemente não têm relação nenhuma um com o outro serão incorporados em sua memória. Essa é a sua memória semântica, cujas conexões neurais são consolidadas enquanto dormimos. Portanto, a diversidade é o alimento fundamental para a densidade sináptica, que gera metáforas e aumenta as chances de sermos mais criativos enquanto estamos acordados. Fora isso, a adversidade não deve ser vista como inimiga da criatividade. Muitas pessoas relatam que o aprendizado de momentos difíceis colaborou para serem mais criativas.

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    Mantenha sua mente livre, mas sem perder o foco
    A liberdade mental é universal – todos nós a temos. E a criatividade é fruto dessa liberdade, a imaginação. Mas não a confunda com procrastinação. Enquanto a primeira estimula a criatividade, o ato de procrastinar gera angústia e estresse, mais ansiedade e até depressão. Por isso, precisamos de foco, objetivo ou propósito – chame do que preferir. Os criativos excepcionais são obcecados por resolver um problema, seja de uma pintura, seja de um projeto. Ou seja, eles nos ensinam a importância de ter um alvo claro ao qual se dedicar e de trabalhar duro até chegar ao resultado esperado.

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    Talvez você ainda se pergunte se algumas pessoas realmente foram sorteadas com uma cartada genética e, por isso, são mais criativas. Alguns estudos sugerem que a criatividade de pessoas com depressão, esquizofrenia, sinestesia, transtorno bipolar, entre outras condições, possa, de fato, ter um componente genético.

    Porém, como vimos, essa característica está presente, em alguma medida, em todos os membros da nossa espécie. Ela não exige um cérebro anômalo ou acima da média, mas, sim, estimulação. Porque não existe mente criativa, e, sim, estado mental criativo. Então, exercite sua criatividade!

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    * Claudia Feitosa-Santana é neurocientista com pós-doutoramento pela Universidade de Chicago (EUA) e doutorado e mestrado pela Universidade de São Paulo (USP). É autora do livro Eu Controlo como Me Sinto (Planeta)

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