Com a sanção presidencial no último mês de dezembro, a Lei 14.758/23 cria a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer e o Programa Nacional de Navegação da Pessoa com Diagnóstico de Câncer. E ela se tornou um novo marco histórico para as políticas públicas de oncologia no Brasil.
Diferentemente de outras regulamentações com benefícios mais diretamente perceptíveis pelo público – como a Lei dos 60 dias, que garante ao paciente com câncer o direito de iniciar seu tratamento em até 60 dias pelo SUS –, a Lei 14.758/23 possui impactos menos evidentes, porém mais estruturantes para a política de saúde como um todo.
Na prática, ela define uma série de diretrizes e princípios que devem compor as ações do estado no SUS para prevenir e controlar o câncer no país. A lei reforça a centralidade do cuidado integral do paciente, das ações de prevenção e rastreamento da doença e da importância da detecção precoce, sem esquecer da reabilitação e dos cuidados paliativos.
Um dos pontos mais importantes estabelecidos pela Lei 14.758/23 é a afirmação de uma abordagem de atendimento ao paciente que vem se tornando cada vez mais popular em todo o mundo. Trata-se da navegação de pacientes, que pode ser entendida como o acompanhamento individual, por um profissional especializado, durante o processo de diagnóstico e tratamento do câncer de cada paciente.
Esse acompanhamento é feito por um profissional especializado, e tem objetivo de identificar barreiras sociais, econômicas, culturais, educacionais, clínicas ou mesmo burocráticas e administrativas que possam dificultar a jornada do paciente. Ou seja, esse profissional trabalha para tirar da frente quaisquer empecilhos do dia a dia que dificultem o cuidado.
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A importância da navegação
Surgida nos Estados Unidos na década de 1990, a navegação de pacientes foi desenhada para apoiar as pessoas a terem pleno acesso às etapas de diagnóstico e tratamento do câncer em um momento de vulnerabilidade, medo e dúvidas, sobretudo as menos favorecidas socioeconomicamente.
Desde então, estudos sucessivos vêm demonstrando o quanto a navegação é importante para reduzir o tempo de diagnóstico e as taxas de perda de consulta ou exame, além de educar o paciente para que seja mais autônomo no seu autocuidado, o que favorece a adesão ao tratamento.
O navegador, muitas vezes um profissional da enfermagem, é o ponto de apoio para guiar o paciente na sua jornada e fazer a articulação com o restante da equipe. Ao dispor das informações sobre etapas e preparações ao mesmo tempo em que conhece o histórico do paciente, ele é o elo que torna a relação entre paciente e equipe multiprofissional mais fluida e eficiente.
Se na Europa e Estados Unidos a navegação de pacientes oncológicos já é uma realidade, nos países de renda média e baixa a abordagem vem lentamente se consolidando. Desde 2022, o Brasil conta com uma Lei de Navegação de Pacientes, mas ela é específica para pessoas com câncer de mama.
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Agora, o benefício deverá ser estendido a todos os pacientes oncológicos do sistema público. O fato é que, hoje, a navegação de pacientes é uma realidade apenas na rede privada, o que tem estimulado organizações sociais, como a FEMAMA, a se mobilizarem para apoiar novas legislações que transformem essa prática em uma política de estado no país.
É claro que leis, por si sós, são apenas o primeiro passo. Vide a própria Lei de Navegação de Pacientes com câncer de mama, sancionada em 2022, e que ainda não saiu plenamente do papel. Mas elas são importantes.
Nesse momento, o protagonismo está com o governo federal, que tem 180 dias (a contar do dia 19 de dezembro) para colocar a lei em vigor e regulamentar cada um dos seus itens, incluindo a navegação de pacientes.
*Maira Caleffi é médica especializada em mastologia, fundadora e presidente voluntária da FEMAMA e IMAMA (Instituto da Mama do Rio Grande do Sul). Também é coordenadora do Núcleo de Mama do Hospital Moinhos de Vento.