No final de fevereiro deste ano, por causa de uma rinite que às vezes me atormenta, tive um acesso de espirros no meu consultório. Em vez de uma palavra amiga (quem sabe um “Saúde, doutor!”), o paciente a minha frente disparou um olhar gelado de desaprovação. Era um prenúncio dos novos tempos em que conviveríamos com o coronavírus.
Até aquela época — e o curioso é que faz menos de 9 meses —, andar de máscara era no mínimo estranho. O hábito era mais associado à cultura oriental ou entre quem tinha uma doença muito grave. Coisa boa certamente não era. Quando surgiu a obrigatoriedade do uso desse item, houveram protestos e focos de resistência. Alguns tentaram impugnar a lei. Não por menos: vestir máscara é desagradável. Mas é um ato necessário e de solidariedade.
Apesar dos boatos impulsionados pelas mídias sociais, não existe evidência científica de que a máscara prejudique a oxigenação ou a capacidade de retirar o gás carbônico dos pulmões. A dificuldade de deixar a máscara no rosto, quando existe, pode ser indício de ansiedade ou até de um comportamento antissocial.
Andar mascarado pelas ruas parecia um exagero no começo, mas a tática se mostrou uma boa medida por colocar uma barreira natural entre as pessoas. Usar a máscara funciona também como um cabresto: é um poderoso lembrete de que, se você encontrar algum amigo na rua, não vai rolar aquele papo descuidado e descontraído. E, claro, aprendemos que mesmo máscaras caseiras de pano ajudam bastante, evitando a dispersão do vírus, que se dá principalmente pelo ar que respiramos.
Impulsionados pela nova realidade, estabelecemos em pouco tempo uma nova etiqueta em torno do simples ato de respirar. Quem já não saiu de casa distraidamente sem máscara, para mais adiante se dar conta, horrorizado, da gafe cometida?! Quando cai a ficha, a sensação é que você está literalmente nu. Mesmo que mantenha a tranquilidade, os olhares de desaprovação vão lembrar que você é um fora da lei. Melhor mesmo é baixar a cabeça — se puder, levante a gola da camisa e saia rapidinho do local.
É impossível se manter alheio à nova etiqueta respiratória e também não há dúvida de que a máscara cobra o seu preço. O distanciamento social favorece solidão, ansiedade e depressão. Andar com a cara coberta afasta as pessoas. Mas se é ruim com máscara, certamente é pior sem ela.
Outro dia em um supermercado, uma senhora tirou a máscara para tossir. O deslize não passou desapercebido. “Por favor minha senhora, coloque a máscara!”, disparou uma jovem a poucos metros do pequeno incidente.
Uma mancada é andar com a máscara abaixo do nariz. Pior ainda é o pessoal que a deixa no queixo. Dependendo da roda em que você estiver, isso é motivo de desaprovação — talvez não na frente do transgressor, mas basta ele sair de perto que alguma piadinha maliciosa será desferida.
Uma cena inusitada é tentar tomar um cafezinho e, então, se tocar que entre a xícara e a sua boca existe uma máscara. Isso é especialmente frequente em restaurantes, onde logo vem um garçom que educadamente fornece um saquinho para você guardar a máscara. Que momento sublime esse de tirar a máscara, respirar aliviado e olhar a cara dos que estão com você por inteiro. Pois é: não por acaso a transmissão da Covid-19 acontece tanto em bares e restaurantes.
Nessas horas, boa parte dos cuidados são esquecidos, e ninguém parece criticá-lo por isso. Enquanto isso, ninguém perdoa uma tosse ou um espirro, mesmo se for em uma festa clandestina.
*Geraldo Lorenzi Filho é professor de Pneumologia da FMUSP e diretor do Laboratório do Sono do Incor