Você já deve ter ouvido histórias de pessoas que vão ao médico, fazem mil exames e não conseguem descobrir a causa da dor ou, pelo menos, justificativas coerentes para ela, não? Pode ser até que conheça alguém que tomou remédios fortes e, ainda assim, não viu a dor totalmente controlada. E o que dizer, então, da misteriosa dor do membro fantasma, aquela que a pessoa sente na parte do corpo que foi amputada? Como é possível sentir esse incômodo em um lugar que não existe mais?
Boa parte da resposta para esses casos é que a interpretação da dor está mais no cérebro do que no corpo em si. A forma como pensamos, compreendemos as coisas, onde estamos inseridos e o jeito como nos comportamos influenciam diretamente nossa sensação e percepção da dor.
A neurociência nos ensina que a reação dolorosa é produzida no sistema nervoso central, num eixo que compreende cérebro e medula espinhal. Múltiplas partes desse sistema trabalham juntas em resposta a estímulos do corpo e do ambiente, podendo gerar, assim, a experiência da dor. Ainda que muitas vezes ocorra um dano em uma parte do corpo, o desconforto só vem à tona quando é disparado pelo cérebro e pela medula.
Em 1977, o psiquiatra americano George Engel propôs o chamado modelo biopsicossocial, que coloca a avaliação do estado de saúde e de doença de um indivíduo em um patamar mais amplo, considerando os contextos biológico, psicológico e social. Dentro dessa proposta, a dor deixou de ser associada a uma mera lesão em um tecido e pôde ser compreendida de uma maneira dinâmica e multidimensional, com vários mecanismos relacionados.
Com esse raciocínio podemos concluir que não vale a pena tratar a dor, sobretudo o tipo persistente e crônico, baseados apenas nos estímulos físicos que a provocam. Precisamos investigar o aspecto comportamental e ambiental para decifrar sua origem e propor a melhor estratégia para minimizá-la. Daí o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas apoiadas numa junção dos conhecimentos da neurociência com o suporte da terapia comportamental e de técnicas integrativas particularmente bem-vindas na dor crônica.
Essas abordagens permitem que, com a ajuda de um profissional, possamos entender quais as nossas fraquezas e fortalezas, como nossos valores e crenças influenciam nossas percepções e sensações e de que forma devemos buscar o autoconhecimento para tratar a dor. Rever nosso comportamento é uma estratégia cientificamente eficiente. E, para tanto, são de grande valia métodos como meditação, alongamentos e técnicas que trabalham aspectos psíquicos e motores.
O tratamento da dor crônica em particular precisa levar em conta que somos mente e corpo. A partir desse autoconhecimento o paciente poderá perceber que ele não só deve aderir ao tratamento médico, mas também assumir novas atitudes, organizar práticas diárias, incorporar atividade física adequada, entre outras estratégias que reduzem e controlam as dores.
A dor é individual. Como lidar?
Segundo a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), “a sensação de dor é subjetiva e individual”. Assim, a melhor evidência para guiar os profissionais em relação aos sintomas de quem sente dor é o relato do próprio paciente. Com isso em mente podemos dar um passo além e dizer que a pessoa com dor também precisa se sentir protagonista para conseguir vencer seus sintomas.
Nesse caminho, é importante encontrar um profissional de saúde que ajude a estimular e estruturar um processo de autoconhecimento atrelado à mudança de hábitos. Esse é um caminho investigativo, que passa por descobrir o que alivia e o que piora a dor — e só o paciente poderá descortinar isso.
Entender que a dor vem do cérebro ajuda a desmistificar por que ela se torna persistente. É nessas horas que o indivíduo terá de se perguntar: o que estou fazendo (ou deixando de fazer) em minha rotina que está contribuindo para essa dor?
Retomando os conceitos de Engel, aquele médico americano citado há pouco, o tratamento da dor passa por aqueles três contextos: o biológico, o psicológico e o social. No plano biológico entram as doenças de base e os resultados dos exames clínicos e laboratoriais.
No psicológico temos as emoções, os medos, a depressão e a força para enfrentar o problema. E, no social, aparecem as relações familiares, o contato com os amigos e profissionais de saúde, o emprego e o nível socioeconômico. Ao contemplar esse modelo, conseguimos entender em que áreas temos o maior peso e as maiores influências para a dor e pensar em quais intervenções seriam mais satisfatórias.
A dor crônica deixa as pessoas isoladas. Isso pode acontecer por escolha própria ou pela incompreensão dos outros ao redor. Procurar grupos de apoio e suporte é recomendado nesse sentido para perceber que o indivíduo não está sozinho e precisa empreender mudanças comportamentais.
Estudos recentes indicam vantagens em tratamentos que incluem o trabalho em grupo. Segundo o psicólogo e pesquisador Ali Miller, do Instituto de Estudos Integrais da Califórnia (EUA), “estar em grupo ajuda a se relacionar com os outros (e consigo mesmo) de maneira mais saudável. O grupo fornece uma rede de segurança. As pessoas acabam se unindo e aprendendo com a experiência do outro.”
Montar uma rede de apoio em que as pessoas possam compartilhar dúvidas, ansiedades, obstáculos e vitórias, reconhecendo inclusive seus próprios sentimentos e necessidades, aprimora o autoconhecimento e ajuda a vencer os desafios, entre eles o da convivência com a dor. Para que a pessoa não se perca nessa rota e tenha resultados, é fundamental receber a assistência de um profissional capacitado, que auxilie a organizar expectativas e mudanças de planos.
Fica aqui um estímulo para todo mundo rever seus conceitos sobre dor crônica. E que possamos lapidar nossas crenças, valores e hábitos de modo que possamos usá-los a nosso favor na prevenção e na melhora da dor.
* Mariana Schamas é cinesiologista, pós-graduada em dor pelo Hospital Sírio-Libanês (SP), secretária do Comitê de Práticas Integrativas e Complementares da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) e cofundadora da Athena Integralidade do Ser
Samia Schiller é fisioterapeuta especializada em neurologia e cofundadora da Athena Integralidade do Ser