Magnus Carlsen é considerado por muitos o maior jogador de xadrez de todos os tempos. Curiosamente, ele sempre se recusou a jogar contra computadores por achar mais interessante se desafiar contra outros seres humanos.
Entretanto, em 2020, enfrentou um jogador que usou o suporte de uma inteligência artificial (IA) e, apesar de vencer por tempo, ficou surpreso com a qualidade do adversário.
Minha reflexão sobre esse episódio é que uma pessoa comum, com auxílio de IA, pode jogar no nível do maior de todos os tempos. E é essa colaboração homem-máquina que permitirá que cirurgiões com diferentes aptidões possam operar em altíssimo nível, levando os melhores resultados aos pacientes a despeito de sua experiência.
Essa cooperação guiará a revolução da cirurgia digital a partir da segunda metade desta década, o que nos permitirá enfrentar um dos maiores desafios da área da saúde: a variabilidade do cuidado entregue e, como consequência, o grande número de efeitos adversos evitáveis.
Isso é de especial importância com a expansão das escolas de medicina no Brasil e com a alta frequência de eventos médicos adversos — a terceira maior causa de morte nos Estados Unidos, segundo estudo do Hospital Johns Hopkins.
Mas o que seria a cirurgia digital? E qual a sua diferença para a robótica? A cirurgia robótica nasceu há mais de 20 anos para que médicos operassem a distância soldados atingidos em combate.
Seu crescimento inicial, porém, acabou ocorrendo em procedimentos para o câncer de próstata e se expandiu para outras especialidades, muito impulsionada pela precisão dos braços articulados.
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Hoje, a modalidade está presente em 20% de todas as operações nos EUA. Já a cirurgia digital é muito mais do que usar braços robóticos comandados por cirurgiões treinados: leva a revolução da transformação digital a esses robôs.
Nela, a IA pode acompanhar os movimentos dos braços e trazer insights para que o cirurgião tome as melhores decisões.
Por meio de dispositivos de realidade mista, a cirurgia digital integrará, ao campo cirúrgico, imagens de exames, permitindo que o médico veja com detalhes estruturas críticas, como nervos e vasos sanguíneos, fornecendo um guia intraoperatório mais preciso e alertando sobre uma variação anatômica inesperada.
Ainda que não integrada aos braços robóticos, essa tecnologia já é uma realidade no Brasil: soluções digitais de navegação têm auxiliado cirurgiões de quadril a posicionar próteses com precisão.
A cirurgia digital também irá tocar todo o continuum of care, ou seja, poderá ir além da operação em si e dar apoio em momentos pré e pós-cirúrgicos, ajudando profissionais e pacientes a navegar nessas etapas e coletando dados para melhoria contínua das linhas de cuidado.
A combinação dessas e de outras tecnologias com os robôs irá viabilizar a verdadeira integração homem-máquina nos centros cirúrgicos e, assim, reduzir drasticamente eventos adversos evitáveis. Bendita seja essa união!
* Fabricio Campolina é presidente da Johnson & Johnson MedTech Brasil