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Por que o movimento antivacina não tem um pingo de sentido

Reflexões e argumentos para demolir um fenômeno sem base científica, mas que se populariza por aí e ameaça as conquistas da vacinação

Por Dra. Natalia Pasternak Taschner*
Atualizado em 2 mar 2020, 12h41 - Publicado em 16 dez 2017, 16h28
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  • Você consegue imaginar um mundo sem vacinas? Pois essa realidade não é tão antiga assim. Vamos voltar no tempo, lá para o início do século 20. Naquela época, uma em cada cinco crianças morria de alguma doença infecciosa antes de completar 5 anos de idade.

    Hoje parece que a gente não faz ideia de quão cruéis eram essas moléstias. E mal podemos imaginar a dor de perder nossos filhos para enfermidades que atualmente são passíveis de prevenção por meio de imunizantes. Quem é que morre de caxumba hoje em dia?

    Graças às vacinas, doenças terríveis e altamente contagiosas foram quase erradicadas. Algumas, como a varíola, de fato sumiram do mapa.

    Como explicar, então, que existam grupos professando religiosamente um movimento contra a vacinação? Como entender que temos por aí famílias que deliberadamente escolhem NÃO vacinar seus filhos contra males potencialmente letais e capazes de deixar sequelas? Pois é, o movimento antivacina vem crescendo no mundo todo, inclusive no Brasil. Justo em nosso país, que sempre foi exemplo internacional de um modelo de vacinação pública.

    Um movimento contagioso

    Em 2016, a meta de vacinação contra poliomielite (a paralisia infantil) não foi cumprida por aqui. Imunizamos 86% da população, ante os 95% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Foi a pior taxa de vacinação dos últimos 12 anos. A pólio é considerada erradicada do Brasil desde 1990.

    O dilema é: será que essa conquista se preservará?

    Quando uma parte da população deixa de ser vacinada, criam-se grupos de pessoas suscetíveis, que possibilitam a circulação de agentes infecciosos. Quando eles trafegam e se multiplicam por aí, não afetam apenas aqueles que escolheram deixar de se vacinar, mas também aqueles que não podem ser imunizados, seja porque ainda não têm idade suficiente para entrar no calendário nacional, seja porque sofrem de algum comprometimento imunológico.

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    Sim, a vacinação dificilmente chega a 100% da população. Mas, quanto maior for o contingente vacinado, maior a proteção conferida inclusive aos não vacinados. Isso é o que chamamos de imunidade de rebanho.

    Por essas e outras, a vacinação é algo maior que uma escolha pessoal. Vira assunto de saúde pública. Se você não vacina seu filho de 5 anos, ele pode contrair uma doença e passar para o meu bebê de 6 meses, que ainda não tomou todas as doses necessárias. Assim, a SUA escolha afeta a vida do MEU filho. E esse é um fenômeno que tem acontecido no Brasil.

    Não é à toa que casos isolados de poliomielite e coqueluche têm sido reportados. Em 2014, registraram-se dois casos de coqueluche em uma família de classe alta de São Paulo. As vítimas foram crianças não vacinadas por escolha dos pais. Eles temiam que as vacinas causassem autismo ou mesmo tumores (ligação que não tem pé nem cabeça).

    A filha mais velha, de 6 anos, contraiu a doença e a transmitiu à sua irmãzinha de 6 meses. A bebê chegou a lutar pela sua vida na UTI enquanto a mãe declarava que a outra filha sofreu semanas com intensa falta de ar.

    No Ceará e em Pernambuco, no ano de 2013 houve uma queda na vacinação de sarampo, seguida de um surto que acometeu 1 277 pessoas. O Brasil não tinha um único caso de sarampo autóctone – de origem local – desde 2000. Os poucos episódios eram de pessoas que vinham do exterior.

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    Em abril de 2017, 200 pessoas ficaram em quarentena em Minesotta, nos Estados Unidos, após 12 casos de sarampo serem notificados em apenas duas semanas, todos em crianças não vacinadas com menos de 6 anos. Enquanto isso, do outro lado do oceano, em Portugal, uma moça de 17 anos morria de sarampo, decorrente de um surto como outros que vêm ocorrendo na Europa.

    Mais recentemente, reportagens publicadas no Brasil revelam um preocupante avanço do movimento antivacinação. O mais surpreendente é que famílias que escolhem não vacinar seus filhos reportam abertamente que usam, como fonte de informação, as redes sociais!

    Curiosamente, o medo das vacinas espalhado pelas redes começou por causa de um médico que nunca foi partidário da causa antivacina. Ele apenas queria ficar rico vendendo um imunizante contra o sarampo. Para isso, fraudou um trabalho científico a fim de relacionar a vacina tríplice viral MMR, que protege frente a sarampo, rubéola e caxumba, com o autismo.

    A história aconteceu em 1998 e o protagonista foi o médico britânico Andrew Wakefield. Seu estudo, embora tenha sido publicado em um periódico respeitado no meio científico, contava com apenas 12 pacientes e não dispunha de fundamento. Forjando uma relação inexistente, Wakefield afirmava categoricamente que a vacina era a causa do autismo de seus pacientes.

    Anos depois, descobriu-se não apenas que a pesquisa era uma fraude, com todos os dados e prontuários alterados, como também o estimado doutor havia sido financiado por um advogado que pretendia lucrar milhões processando os fabricantes da vacina. Ele mesmo tinha ambição de patentear uma nova vacina para substituir a MMR.

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    Reparem: Wakefield nunca foi contra imunizantes. Ele só queria emplacar a sua própria solução como arma exclusiva contra o sarampo. Resultado: o médico foi julgado e considerado culpado de fraude e conspiração na Inglaterra; a revista científica retirou o estudo e se retratou; Wakefield teve sua licença médica cassada e foi demitido do instituto onde atuava.

    Ainda assim, suas fajutas conclusões conquistaram seguidores no mundo todo, principalmente nos Estados Unidos, onde teve início um movimento antivacinação sem precedentes na história. Por causa de um estudo falso, hoje milhares de pessoas estão convencidas de que vacinas, como um todo – e não somente a MMR – são a causa do autismo. O número de crianças não vacinadas está crescendo. Doenças antigas, quase erradicadas, estão reemergindo.

    Olhem lá atrás

    Não é por menos que é preciso lembrar como era o mundo pré-vacinas. Para as mamães que alegam que seus filhos são saudáveis e não carecem de picadas e gotinhas, cabe o questionamento se as crianças do passado por acaso eram menos saudáveis do que as nossas, já que adoeciam (e morriam) especialmente de doenças infecciosas. Ora, podemos supor inclusive que os pequenos do início do século 20 eram até mais saudáveis do que a criançada dos dias de hoje, uma vez que eram mais ativos e conviviam com menos poluição. Ainda assim, garanto, eles morriam.

    Antes da vacina de Jonas Salk para poliomielite ser testada em 1952, aproximadamente 20 mil casos eram reportados por ano, só em terra americana. No ano de 1952, particularmente, os casos chegaram em 58 mil. Hoje, depois das vacinas Salk e Sabin, a pólio foi praticamente erradicada nas Américas e na Europa, sendo que os poucos casos restantes advêm de regiões sem acesso às vacinas, na Ásia e na África.

    Crianças acometidas pela pólio, mesmo quando sobreviviam, ficavam paralíticas, com retardo mental, ou, na melhor das hipóteses, passavam meses em respiradores artificiais, os “pulmões de aço”.

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    Nos Estados Unidos, antes da vacina contra sarampo, havia aproximadamente de 3 a 4 milhões de casos por ano, e uma média de 450 mortes anuais, registradas entre 1953 e 1963. Após a introdução da vacina, nenhum caso foi reportado até 2004, quando a vacinação começou a ser questionada e deixada de lado por parte da população.

    Meningite era um mal que matava em média 600 crianças por ano, e deixava sobreviventes com sequelas como surdez e retardo mental. Antes da vacina de coqueluche, quase todas as crianças contraíam a doença, com aproximadamente 150 a 260 mil casos reportados anualmente e 9 mil mortes. Desde 1990, apenas 50 casos ao todo foram noticiados.

    Rubéola é um problema relativamente banal em adultos, mas pode acometer gravemente crianças ao nascer, se a mãe for contaminada durante a gestação. As repercussões incluem defeitos cardíacos, problemas de visão, surdez e retardo mental. Em 1964, antes da imunização, 20 mil bebês nasciam de mães infectadas. Desses, 11 mil eram surdos, 4 mil cegos e 1 800 apresentavam retardo mental.

    Podemos nos estender nos exemplos e falar também de tuberculose, catapora, caxumba, hepatite B e difteria, que foram controladas com vacinas eficazes, mas que acometeram e mataram milhares de pessoas em um passado não tão distante.

    As vacinas nos protegem contra doenças terríveis, capazes de causar sofrimento, sequelas e morte. Esse fato não pode ser refutado. Há 60 anos as vacinas têm se mostrado eficazes e seguras.

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    Os imunizantes parecem hoje ser vítimas do seu próprio sucesso. As pessoas esqueceram como era viver sem vacinas e que, graças a elas, vencemos várias infecções. Lembre-se daquele número: antes desse progresso da medicina, uma em cada cinco crianças perdia a vida. O mundo antes das vacinas não me parece um local muito alentador. Eu não gostaria de voltar para lá.

    * Dra. Natalia Pasternak Taschner é bióloga, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, coordenadora dos projetos Cientistas Explicam e Pint of Science no Brasil e uma das idealizadoras e colaboradoras do blog Café na Bancada

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