No campo dos ditados populares, talvez seja a hora de deixarmos de dizer que “todos merecem um lugar ao sol”, ou, pelo menos, passar a dizer que “todos merecem um lugar no guarda-sol”.
A chegada do verão irá levar o brasileiro para praias, parques e piscinas, como faz nosso povo ano após ano, sempre com a tradição de aproveitar a estação para garantir dias de descanso e bronzeado. Mas isso tem um lado preocupante, pois, se certos cuidados não forem tomados, a pele e a saúde pagam um preço.
E ele pode vir na forma de um câncer de pele, o tumor mais prevalente em nossa população.
Há dois tipos básicos de câncer de pele, o não melanoma, que surge nas células basais ou nas escamosas da pele, e o melanoma, que tem origem nos melanócitos, as células que produzem o pigmento que dá cor à pele (a melanina).
Na maioria das vezes, melanomas são mais graves e aparecem em pessoas de pele clara, no tronco dos homens e nas pernas das mulheres, embora possam surgir em outras partes do corpo também. Apesar de mais comum em pessoas de pele clara, negros e seus descendentes não estão livres da doença.
Segundo dados recém-divulgados pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), são esperados 704 mil casos novos de câncer no Brasil para cada ano do triênio 2023-2025, com destaque para as regiões Sul e Sudeste, que concentram cerca de 70% dos diagnósticos. Dentro desse contexto, o tumor maligno mais incidente é o de pele não melanoma, com 31% do total de casos.
Diante dessa alta incidência, a prevenção da doença deve ser tema durante o ano todo, não só quando a temperatura sobe.
Considerando que ninguém consegue evitar totalmente seus encontros com os raios solares (nem deve!), é imprescindível que tenhamos consciência da importância da exposição controlada. A mutação de nossas células em decorrência da radiação solar — o primeiro passo para surgir um câncer — acontece muito antes do ponto de ficarmos vermelhos.
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Nesse aspecto, o mais eficiente é a proteção mecânica, ou seja, o uso de chapéus e camisetas e a permanência à sombra, evitando a incidência direta dos raios solares. Não apenas nas praias! É fundamental estarmos atentos a isso no dia a dia, quando saímos para uma caminhada pelas ruas, dirigimos ou vamos a encontros sociais ao ar livre.
O protetor solar continua sendo indispensável, mas será que você conhece o uso correto? O fator de proteção solar (FPS) é o índice que determina o tempo que uma pessoa deve permanecer ao sol sem produzir eritema, ou seja, sem ficar com a pele vermelha. Seu uso é complementar à proteção mecânica e requer a reaplicação de tempos em tempos.
Aliás, não se engane com o bronzeamento artificial! Ele não é uma forma eficiente de deixar a pele preparada para o período do verão. Pelo contrário, a prática é arriscada, uma vez que geralmente é utilizada exatamente pelas pessoas com maior risco de câncer, ou seja, aquelas com pele muito clara e com dificuldades de pegar uma cor. Cada sessão pode dobrar o risco de um tumor cutâneo aparecer. Portanto, o resultado estético imediato pode trazer um grande aborrecimento no futuro.
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Detecção precoce, tratamento efetivo
Ainda assim, mesmo com todos os cuidados preventivos, o fato é que podemos desenvolver algumas formas de câncer de pele. Elas podem ser resultado de danos cutâneos acumulados ou mesmo de fatores genéticos. Se você tomou sol durante toda a juventude sem a proteção adequada, a tendência é que sua pele guarde na memória os danos no decorrer dos anos.
Por isso o diagnóstico precoce é decisivo. Se você desconfia de alguma pinta ou mancha na pele, se tem uma ferida que não some depois de um mês ou se houve casos de tumores desse tipo na família, é essencial consultar um dermatologista.
Hoje, fora a avaliação clínica, temos exames de imagem complementares que auxiliam no diagnóstico da doença e estão disponíveis nos bons centros médicos — é o caso da dermatoscopia, da dermatoscopia digital e da microscopia confocal.
Essa associação de técnicas permite a identificação de lesões ainda sem critérios clássicos de um tumor cutâneo, possibilitando a detecção cada vez mais cedo e, consequentemente, aumentando a possibilidade de cura.
Esses procedimentos e a identificação do problema precocemente também acarretam tratamentos menos invasivos, com cirurgias muito mais econômicas. Os estudos têm mostrado que, na maior parte dos casos, grandes intervenções na pele são desnecessárias. Isso ajuda muito no tempo de recuperação e nas consequências estéticas.
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Nos casos de melanoma, em geral mais agressivos, a escolha do tratamento depende basicamente da espessura do tumor e de seu estágio de evolução. Melanomas finos podem ser tratados com uma pequena cirurgia para remoção, a excisão simples, em que o câncer é retirado junto com uma pequena porção de tecido sadio, que será examinado para verificar se não restaram células cancerosas na região.
Se os gânglios linfáticos próximos à área acometida foram atingidos, eles também serão retirados, num procedimento cirúrgico chamado linfadenectomia.
A imunoterapia, que instrui o corpo a atacar a doença, é outra opção para enfrentar o melanoma, sobretudo casos mais avançados ou com maior probabilidade de o câncer voltar após o tratamento.
Hoje contamos inclusive com um medicamento imuno-oncológico especificamente indicado para o melanoma metastático, isto é, quando a doença se espalhou para outros tecidos além da pele. Sem dúvida, é um dos principais avanços recentes nessa área da medicina.
Porém, o acesso a tratamentos inovadores ainda é um desafio para pessoas distantes dos grandes centros. Isso só reforça a necessidade de cuidados constantes e do diagnóstico precoce de lesões suspeitas.
Aí estão as verdadeiras chaves para termos cada vez menos casos de câncer de pele no país. Afinal, todo brasileiro merece um lugar, devidamente protegido, ao sol.
* Victor Piana de Andrade é patologista e CEO do A.C.Camargo Cancer Center; João Duprat é cirurgião oncológico e líder do Centro de Referência em Tumores Cutâneos do A.C.Camargo