Clique e Assine VEJA SAÚDE por R$ 9,90/mês
Imagem Blog

Túnel do Tempo

Por Blog Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
O repórter André Biernath desenterra o passado e vislumbra o futuro da arte (e da ciência) da Medicina
Continua após publicidade

Vacinas, Donald Trump e uma volta ao passado que ninguém deseja

O milionário e novo presidente da maior potência do planeta está prestes a tomar uma decisão perigosíssima na área da saúde pública

Por André Biernath
Atualizado em 24 jul 2018, 18h30 - Publicado em 12 jan 2017, 18h56
Donald Trump
Não faltam polêmicas nas nomeações de Donald Trump (Foto: Divulgação/)
Continua após publicidade

A Organização Mundial da Saúde calcula que a aplicação de vacinas evita, todos os anos, 6 milhões de mortes. Doenças que antes pareciam incontroláveis e tiravam o sono de médicos e políticos praticamente sumiram do mapa após grandes programas de imunização.

Vamos pegar o caso da poliomielite, a popular paralisia infantil: em 1981, foram registrados 4,5 milhões de casos em todo o globo, enquanto a taxa de vacinação estava na casa dos 10% da população. Passados 27 anos, em 2008 a situação era completamente oposta. Com mais de 90% dos indivíduos protegidos desse vírus, o número de atingidos ficou abaixo da casa dos 300 mil — na esmagadora maioria dos países, aliás, a doença está erradicada.

Dentro desse cenário, a recente atitude de Donald Trump, o novo presidente dos Estados Unidos, de considerar Robert F. Kennedy Junior como chefe de um comitê sobre a segurança e a integridade de vacinas gera apreensão — para não dizer pânico e terror. Kennedy Junior é famoso na terra do Tio Sam como um dos mais incansáveis ativistas contra os imunizantes.

Assim como o próprio Trump (veja o tweet abaixo), ele faz parte de uma turma crente em que essa solução de saúde está por trás do aumento do autismo em crianças — apesar de a ciência já ter produzido diversas provas de que não há nenhum risco desse efeito colateral.

Continua após a publicidade

(O texto de Donald Trump diz, em tradução livre: “Crianças saudáveis vão ao médico, são bombardeadas com um monte de vacinas, não se sentem bem e mudam — AUTISMO. Muitos casos”)

Essa teoria da conspiração se popularizou nos Estados Unidos e na Inglaterra a partir de 1999, quando o cirurgião britânico Andrew Wakefield publicou uma pesquisa no prestigioso periódico científico The Lancet afirmando que a vacina tríplice (que nos resguarda de sarampo, caxumba e rubéola) estava associada às dificuldades de interação social e comunicação comuns entre os autistas.

Robert Kennedy Junior
O ativista americano Robert Kennedy Junior, candidato à chefia da comissão de vacinas americana (Foto: Wikimedia Commons)

Após todo o bafafá gerado pelos “achados” de Wakefield, outros estudos foram realizados e nenhum conseguiu chegar à mesma conclusão. Descobriu-se então que ele havia fraudado os resultados — o médico teria inclusive pago cinco libras para colher amostras de sangue de crianças durante a festa de aniversário de seu próprio filho. Em 2010, o artigo foi retirado pelo The Lancet e o médico perdeu sua licença para trabalhar.

Continua após a publicidade

Leite derramado

Apesar das retratações, o estrago já estava feito: surgiu no exterior os chamados anti-vaxxers, grupos de pais e mães — alguns, inclusive, celebridades de Hollywood — que simplesmente se recusam a levar seus filhos nas clínicas para tomar as picadas necessárias. E o efeito maléfico dessa moda já pode ser observado: no meio de 2016, um surto de sarampo atingiu os Estados Unidos. O problema estava controlado no país há anos, mas surgiram 22 novos casos no estado americano do Arizona.

As autoridades de saúde locais não tiveram dúvidas de que o fato de algumas crianças não estarem imunizadas foi crucial para que a doença se espalhasse pela região. Um ano antes, o mesmo cenário ocorreu na Califórnia.

A tendência anti-vacina radical, ainda bem, não chegou com força ao Brasil. Por aqui, houve apenas uma polêmica com a vacinação contra o HPV, indicada para adolescentes do sexo feminino (e agora também do sexo masculino). Alguns pais ficaram assustados com relatos de efeitos adversos que circularam pela internet.

Continua após a publicidade

As vacinas são produzidas a partir de pedaços ou dos próprios vírus ou bactérias inteiros. Eles são enfraquecidos e passam por inúmeros processos em laboratórios. Antes de serem aprovados para uso geral, passam por enormes estudos, que envolvem milhares de voluntários. O objetivo é introduzir o agente infeccioso meio baqueado no nosso organismo para que o sistema imunológico aprenda a lidar com a ameaça. É como se fosse uma simulação de emergência: assim, diante de uma invasão de verdade, nossas células de defesa já estão prontas para combater o inimigo com mais rapidez e eficácia.

Os primeiros testes

Esse princípio foi descoberto no século 18, quando o inglês Edward Jenner (1749-1823) observou que algumas vacas tinham feridas nas tetas provocadas pela varíola e as pessoas responsáveis por ordenhá-las não pegavam a doença (ou manifestavam versões mais brandas dela). Ele teve a ideia de retirar o líquido do pus desses ferimentos e passar dentro de arranhões que fez na pele de uma criança, num método rústico e, convenhamos, bem nojento. Passado algum tempo, o menino, que era filho de seu jardineiro, apresentou febre e teve pequenas lesões, mas sua recuperação foi bastante rápida.

Jenner não ficou satisfeito: o cientista resolveu pegar o líquido da ferida de um paciente com varíola e expôs novamente o pobre menino ao material. Ele nunca mais teve a enfermidade. A experiência grosseira foi realizada em outras pessoas, com ótimos resultados.

Surgia, no Ocidente, o conceito de vacina, termo que vem do latim vaccínia, justamente o nome do agente infeccioso causador da varíola bovina. No Oriente, chineses e indianos já haviam desenvolvidos técnicas similares há milhares de anos.

Continua após a publicidade
Edward Jenner
O inglês Edward Jenner, que fez as primeiras pesquisas com a vacina da varíola (Ilustração: Wikimedia Commons)

Após a solução contra a varíola, apareceram os imunizantes contra raiva, febre tifoide, cólera e praga. Num primeiro momento, a população ficou ressabiada com o novo procedimento. Afinal, ele envolvia enfiar agulhas na pele de gente completamente saudável — isso quando não era necessário ralar e raspar a cútis ou fazer cortes mais extensos.

Em nosso próprio país, os imunizantes já foram motivo de insurreição popular. Em 1904, o presidente Rodrigues Alves (1848-1919) apostou num plano de modernização e higienização da cidade do Rio de Janeiro. Para tanto, ele recrutou o médico Oswaldo Cruz (1872-1917), que investiu num programa de vacinação obrigatório contra a varíola e a erradicação de criadouros do Aedes aegypti (sempre ele!), transmissor da febre amarela urbana, que assolava a então capital do Brasil.

A reação do povo foi imediata: os agentes de saúde eram recebidos a pauladas e pedradas. Bondes foram derrubados. Barricadas e incêndios eram feitos a toda hora. No fim, deu tudo certo: tanto varíola quanto febre amarela não são mais vistas como ameaças em terras tupiniquins. Mas o episódio, que ficou conhecido como Revolta da Vacina, ilustra bem o tamanho da desconfiança que cercava as políticas de saúde pública à época.

Continua após a publicidade
Revolta da Vacina
Uma charge da revista “O Malho”, de Leonidas Freire. Ao centro, Oswaldo Cruz, chamado de “o Napoleão da Seringa”, comanda a tropa dos agentes de saúde, montados em vacinas gigantes, contra o povo irado. (Ilustração: Wikimedia Commons)

Passados mais de 100 anos desse episódio tragicômico, parece que algumas coisas não mudaram. E, infelizmente, a internet ajuda a potencializar boatos e informações falsas. Não há nenhuma dúvida entre cientistas de que vacinas são seguras e necessárias para controlar diversos problemas (você pode ver aqui todas aquelas que integram o calendário da Sociedade Brasileira de Imunizações). Ao tomar as suas doses, você não está apenas protegendo a si mesmo, mas toda a comunidade. Ora, se o vírus ou a bactéria não conseguem invadir seu organismo, é uma oportunidade a menos para eles se replicarem e infectarem outras pessoas, não é mesmo?

Nos resta torcer para que, caso o fato se consume, Trump e Kennedy Junior revejam suas convicções e tomem decisões baseadas em fatos científicos. Só assim para o trabalho de tanta gente, que lutou (e luta) há séculos para que alguns males sejam controlados, não vá ralo abaixo.


Ah, me empolguei com a história e nem me apresentei direito… Meu nome é André Biernath, sou repórter da revista SAÚDE há 6 anos. Esse é meu texto de estreia para o blog Túnel do Tempo. Nesse espaço, vamos viajar ao passado e ao futuro da medicina para discutir os temas mais quentes e polêmicos da atualidade. Espero que vocês gostem e ajudem no debate! Deixem seus comentários, críticas, sugestões, frustrações, insights, desabafos e dúvidas existenciais abaixo ou nas nossas redes sociais. Você também pode me encontrar pelo Twitter! Me siga lá pelo @andrebiernath! Um abraço e até a próxima! Vacinas, Donald Trump e uma volta ao passado que ninguém deseja

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja Saúde impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 14,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.