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O repórter André Biernath desenterra o passado e vislumbra o futuro da arte (e da ciência) da Medicina
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O maior avanço no tratamento do diabetes ocorreu há 95 anos

No dia mundial de conscientização sobre essa doença, o blog faz uma homenagem ao canadense Frederick Banting, o pai da insulina

Por André Biernath
Atualizado em 2 dez 2019, 10h42 - Publicado em 14 nov 2017, 09h00
Dia Mundial do Diabetes
Capa do jornal "Toronto Daily Star" de 22 de março de 1922 traz a história da insulina na manchete principal com fotos dos cientistas envolvidos (Wikimedia Commons/Divulgação)
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“Querido doutor Banting, eu gostaria que você viesse me ver. Agora sou um menino gorducho e me sinto bem. Eu consigo escalar uma árvore. […] Com muito amor, Teddy Rider”. Essa simples carta, que você pode ver no original alguns parágrafos abaixo, foi escrita por um menino de 7 anos em 1923. Ele foi um dos primeiros pacientes com diabetes do tipo 1 a receber injeções de um extrato que acabara de ser descoberto no Canadá: a insulina. Mas para contarmos essa história fascinante, vamos programar nossa máquina do tempo e regredir alguns séculos.

Chegamos na Grécia. Lá pelos idos do século I d.C., a doença marcada pelo descontrole nas taxas de açúcar foi notada pela primeira vez. Os cientistas da época começaram a observar que indivíduos acometidos por ela costumavam urinar com maior frequência e, além disso, o xixi deles atraía muitas moscas e formigas.

O nome “diabetes”, aliás, foi cunhado por Araeteus, um discípulo de Hipócrates, o pai da medicina. O termo significava “passar através de um sifão” e aludia à quantidade de vezes que os pacientes precisavam tirar água do joelho.

A carta escrita por Theodore Rider para o médico Frederick Banting
A carta escrita por Theodore Rider para o médico Frederick Banting (Wikimedia Commons/Divulgação)

Apesar dessas primeiras investigações, o conhecimento sobre o diabetes só avançou pra valer a partir do século 17. Um médico inglês chamado Thomas Willis resolveu confirmar aquelas primeiras observações gregas. Para isso, ele literalmente experimentou a urina de seus pacientes para concluir que “ela era doce como o mel” – é daí que vem o mellitus como “sobrenome” de um tipo da condição.

Cem anos depois, Matthew Dobson, outro doutor britânico, repetiu o experimento, mas de uma maneira bem menos nojenta. Ele ferveu a urina até a água evaporar e sobrar apenas uma espécie de caramelo.

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A origem do problema

Outro avanço importante nessa história ocorreu na Alemanha, no século 19, quando o então estudante de medicina Paul Langerhans reparou num tipo de célula especial do pâncreas e suspeitou que esse tecido não seria só responsável por produzir um suco digestivo. Seus conterrâneos Oskar Minkowski e Joseph von Mering foram além e retiraram cirurgicamente essa glândula de um cachorro. Surpresa: o animal passou a fazer mais xixi e excretar muito açúcar. Sim, ele estava com diabetes.

Ficou claro, então, que a doença se relacionava com algum piripaque no pâncreas. Isso motivou uma corrida em vários centros de pesquisa do mundo inteiro para se criar um suco, um elixir ou um medicamento a partir da glândula. Mas nenhum foi bem sucedido…

Em razão das sucessivas falhas, por muito tempo as prescrições de tratamento para os diabéticos se restringiam a mudanças na alimentação. Primeiro, os médicos sugeriram que se comesse muita comida (e, olha a loucura, muito açúcar), para repor as energias que eram descartadas pelo xixi.

Como a estratégia foi um desastre, a tendência foi partir para o extremo oposto e cortar totalmente vários itens das refeições, principalmente os carboidratos. Alguns especialistas chegaram ao absurdo de prender seus pacientes por 5 meses para impedir que eles escapassem da dieta restritiva.

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Mais uma vez, as medidas não deram em nada: se antes os pacientes entravam em coma, agora eles definhavam até morrer. Muitos não chegavam aos 15 anos de idade.

Tudo mudou quando um cientista foi contratado para trabalhar na Universidade de Toronto, no Canadá, após ser ferido durante a Primeira Guerra Mundial. Frederick Banting resolveu investigar novas terapias para o diabetes e conseguiu finalmente extrair a insulina do pâncreas de um cão e aplicar com sucesso em outro cachorro. Vale lembrar que esse hormônio é responsável pelo aproveitamento da glicose como combustível em todas as células do corpo.

Com a ajuda de John MacLeod e Charles Best, o expert purificou o extrato e iniciou os experimentos com seres humanos, conseguindo resultados impressionantes (você pode ler o artigo original aqui). Eis uma das coisas mais importantes que aconteceram no século 20.

Um pequeno passo para o homem…

Conversei brevemente com o físico Reza Moridi, ministro de pesquisa, inovação e ciência da Província de Ontário, no Canadá, para entender o que a façanha de Banting significou para a ciência praticada na região. “Estamos falando de um avanço enorme, com impacto na vida de milhões de pessoas. Ele com certeza abriu as portas para outras grandes descobertas que fizemos por aqui, como as células-tronco, a cirurgia robótica e o gene do Alzheimer”, lista.

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Charles Best e Frederick Banting
Charles Best e Frederick Banting (Wikimedia Commons/Divulgação)

Obviamente, a insulina de Banting, que ganhou o Prêmio Nobel de Medicina de 1923, não deu certo logo de cara: muitos pacientes sofreram reações alérgicas e lipodistrofia, quando a distribuição de gordura debaixo da pele fica bagunçada. Com o tempo, o processo para obtenção do hormônio foi melhorado e ficou cada vez mais seguro e efetivo – hoje em dia, ele é retirado de bactérias geneticamente modificadas.

De lá para cá, muita coisa mudou no diagnóstico, no monitoramento e no tratamento do diabetes. E o futuro nos reserva boas notícias, como a possibilidade de terapias com células-tronco, remédios mais potentes e até mesmo vacinas. Tanta tecnologia não diminui o papel da prevenção no tipo 2 da doença: alimentação desequilibrada e sedentarismo estão entre os principais fatores para o desenvolvimento da condição, que atinge 14 milhões de brasileiros.

A insulina é mesmo uma daquelas coisas que a gente só valoriza quando não tem mais.

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Fontes:

Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia

Deutsche Welle

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