O que os genes têm a ver com a nutrição
Professor explica como e por que a ciência estuda a interação entre o nosso DNA e os alimentos que comemos
Em 2001, foi publicado o primeiro rascunho do Projeto Genoma Humano e, dois anos depois, a sequência completa do genoma humano foi decifrada e divulgada. Tal fato possibilitou vislumbrar uma revolução na medicina, particularmente no diagnóstico e tratamento de doenças.
Mas será que essa descoberta também influenciou a ciência da nutrição?
Para responder a essa pergunta e compreender melhor a relação desse acontecimento com a nossa alimentação, começaremos abordando o papel do gene no organismo. O ser humano tem cerca de 25 mil genes. Abrigados nas células, eles contêm toda a informação necessária para a construção e a manutenção de um organismo vivo. Participam do processo que culmina na produção das proteínas, as quais, em última instância, são as responsáveis pelo controle de todo o nosso metabolismo.
Dentre as muitas substâncias que participam dessa história, podemos destacar o hormônio insulina, que tem papel fundamental no controle da concentração de glicose no sangue. Outra molécula importante é o GLUT-4, responsável por transportar a glicose recém-chegada no sangue para dentro da célula muscular e do tecido adiposo. Tanto a insulina quanto o GLUT-4 são proteínas cuja produção é regulada pelo estímulo exercido sobre os seus respectivos genes.
Nossos genes podem ser “ligados” ou “desligados” em resposta a sinais específicos, entre eles a presença de nutrientes e outros compostos fornecidos pelos alimentos. A partir dessa perspectiva, podemos vislumbrar que determinados alimentos ou padrões dietéticos são capazes de influenciar a forma com que o organismo controla a função de diferentes genes. Por conta disso, surgiu, no final do século 20, uma nova área da ciência da nutrição, a Genômica Nutricional. Hoje ela se encontra subdividida em três subáreas: Nutrigenômica, Nutrigenética e Epigenômica Nutricional.
Genes, alimentos e ciência
Para você melhor compreendê-las, iremos abordar três situações diferentes em que a Genômica Nutricional está presente. Começamos com a Nutrigenômica, que estuda o modo como nutrientes e compostos bioativos dos alimentos — o licopeno do tomate e a curcumina do açafrão-da-terra, por exemplo — influenciam a atividade dos nossos genes, aumentando ou reduzindo sua capacidade de promover a produção de proteínas.
Um exemplo clássico de Nutrigenômica é o papel da vitamina D, que se liga, dentro das nossas células, a uma proteína chamada fator de transcrição e passam, juntas, a influenciar a atividade de genes relacionados ao aproveitamento de um importante mineral, o cálcio. Nesse caso, temos uma ação da vitamina D no metabolismo ósseo.
Outro exemplo de Nutrigenômica vem à tona quando ingerimos certos alimentos no dia a dia, caso da castanha-do-pará (fonte do mineral selênio), o açafrão-da-terra (reduto de curcumina) e o chá-verde (que fornece epigalocatequina-3-galato). Compostos presentes nesses alimentos são capazes de ativar um fator de transcrição que provoca aumento da atividade de genes relacionados à capacidade antioxidante do nosso organismo. Por isso, sabemos que existem tanto alimentos que apresentam diretamente ação antioxidante, mas também aqueles que favorecem a produção pelo corpo de enzimas com ação antioxidante.
A segunda subárea de interesse que comentamos é a Nutrigenética. Ela estuda a influência da variabilidade genética entre os indivíduos em relação às necessidades nutricionais, ao estado de saúde e ao risco de desenvolver doenças. Dentre as variações estudadas em nosso DNA, destaca-se um tipo de alteração conhecido como polimorfismo de nucleotídeo único.
Um exemplo de Nutrigenética na prática tem a ver com a fenilcetonúria clássica — um erro inato do metabolismo que pode ser transmitido de uma geração para outra. A doença é causada por mutações no gene de uma enzima, a fenilalanina hidroxilase, responsável por processar o aminoácido fenilalanina (encontrado em diversas fontes de proteína na dieta). A base do tratamento é justamente a redução da ingestão do aminoácido fenilalanina.
A Nutrigenética também se aplica à já citada vitamina D. Esse nutriente atua em nossas células se ligando a uma proteína denominada receptor de vitamina D. Pois um polimorfismo (uma alteração, portanto) no gene relacionado à produção do tal receptor pode influenciar a função da vitamina D no corpo, mesmo que a pessoa tenha uma ingestão adequada desse nutriente.
Embora existam alterações específicas e pontuais, sabemos, por outro lado, que condições crônicas como obesidade, câncer, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares são multifatoriais e ligadas a diversos genes. Vale lembrar, porém, que, em se tratando de problemas como esses, um único polimorfismo de nucleotídeo não implica obrigatoriamente maior risco de desenvolvimento da doença. Isso porque fatores ambientais como tabagismo, alimentação e atividade física podem influenciar a expressão dos nossos genes e suas repercussões à saúde.
Por fim, chegamos à Epigenômica Nutricional, voltada, entre outras coisas, ao estudo de um processo chamado metilação do DNA. Para ficar mais fácil entender, daremos o exemplo do folato, presente no feijão, espinafre, couve e brócolis. O nutriente participa desse processo de metilação — em química, falamos da adição de radicais “metil” — do DNA, o que serve para controlar a expressão de certos genes. A baixa ingestão de folato está associada a uma redução global na metilação do DNA, situação que pode elevar o risco de câncer.
Como podemos ver, a Genômica Nutricional contribui muito para ampliar a nossa visão do impacto da alimentação na saúde, além de ajudar no tratamento dietético para diferentes condições clínicas.
* Dr. Marcelo Macedo Rogero é professor do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, coordenador do Laboratório de Genômica Nutricional e Inflamação (GENUIM) e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN)