Limpe a sua língua!
A faxina dela é ignorada por boa parte da população - que, aí, fica sujeita a mau hálito e infecções. Hora de rever as práticas de higiene bucal
Com o perdão do trocadilho, o limpador de língua não está na boca do povo. A pesquisa “O que os brasileiros sabem sobre saúde bucal”, coordenada por SAÚDE, revela que apenas 34% dos 1 818 entrevistados têm o hábito de usá-lo. “Apesar de os primeiros higienizadores datarem do século 16, eles só ganharam atenção a partir dos anos 1980, quando chegaram aos Estados Unidos por meio de imigrantes indianos”, traça a trajetória do instrumento o dentista Vinícius Pedrazzi, da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Ok, o quadro histórico até ajuda a entender por que os limpadores ainda não decolaram aqui. Mas há outro motivo por trás da sua falta de popularidade: as pessoas se satisfazem com a limpeza dos dentes… e se esquecem de uma estrutura que vive em contato com eles, a língua.
Higienizar a boca e negligenciar a língua é o mesmo que fazer a faxina da sala e deixar o tapete todo sujo. O limpador é a melhor ferramenta para remover a saburra, a pasta branca que se deposita no músculo (sim, a língua é um músculo). “A saburra é formada por células descamadas, sobras de alimentos e bactérias”, descreve o dentista Maurício Duarte da Conceição, autor do livro Bom Hálito e Segurança! Metas Essenciais no Tratamento da Halitose (Arte em Livros). Os micro-organismos que vivem ali se alimentam de restos orgânicos e liberam os compostos sulfurados voláteis (CSVs), responsáveis pelo mau hálito – aliás, 60% dos casos de halitose são resultado fedorento da tal saburra.
Como a crosta esbranquiçada abriga bactérias, ela é capaz de propiciar infecções em outras áreas do corpo. Indivíduos suscetíveis, como os internados em UTIs, ficam mais propensos a pneumonias, por exemplo. Sem contar que saburra em excesso chega a encobrir as papilas gustativas, o que acaba mascarando o sabor da comida. Com o paladar enganado, os exageros nas pitadas de sal e açúcar são mais frequentes – e isso abre as portas para o aumento da pressão, o ganho de peso… “Ao retirar esse material, o limpador afasta de mau hálito a problemas mais sérios”, ressalta a dentista Cristiane Yumi, da Universidade Estadual Paulista, em São José dos Campos.
E não adianta apelar para a escova e esfregar a língua. Um estudo da USP de Ribeirão Preto mediu a presença dos CSVs no hálito de dez voluntários após o uso de escova ou do limpador. Enquanto as cerdas reduziram os compostos malcheirosos em 45%, o instrumento próprio para essa finalidade diminuiu a concentração em 75%. “A escova ainda pode causar desconforto ao tocar a região perto da garganta, provocando ânsia e vômito”, diz Pedrazzi, líder do trabalho. Alguns modelos até levam um raspador na parte traseira das cerdas, mas, por serem pequenos, não dão conta do recado. Fato.
No momento de comprar o limpador, preste atenção em certas características. Prefira os modelos de plástico ou borracha aos de metal, já que são duradouros e fáceis de limpar. Os tipos mais ergonômicos são os que possuem a cabeça redonda ou têm formato em V. Fuja daqueles com a base muito fina, pois há o risco de cortar a língua. “Também é importante comprar raspadores que respeitem o tamanho da boca, especialmente no caso das crianças”, diz o odontopediatra Marcelo Bönecker, professor da Faculdade de Odontologia da USP. Na infância, lembre-se, a higiene da língua deve ser feita com a supervisão dos pais.
Embora não seja um consenso, há uma ordem a seguir na faxina bucal: primeiro fio dental, depois limpador de língua e, por último, a escova. Isso porque a pasta de dentes, se usada no início, pode dificultar a remoção da saburra. Quanto à frequência de uso, bastaria uma vez ao dia, de preferência antes de dormir. Um bom investimento para garantir uma boca devidamente limpa — sem sujeira escondida no tapete.
Manual do usuário
Fácil de usar, o limpador acaba com o acúmulo de sujeira na língua
A limpeza começa na parte de trás e vai em direção à ponta da língua. Só não passe o raspador nas papilas valadas, estruturas em forma de verruga que ficam no fundão.
Divida a faxina do músculo em duas partes. Primeiro, limpe o lado direito, realizando três ou quatro varridas. Depois o esquerdo. Não coloque muita força nos movimentos para evitar cortes.