O rótulo dos alimentos vai mudar
Conheça os prós e contras das propostas apresentadas até o momento para a rotulagem de produtos alimentícios
Ler o rótulo dos alimentos não é coisa de amador. “Ele tem formato não muito atrativo, que exige esforço do consumidor, conhecimento nutricional e tempo para ser entendido”, avalia a nutricionista Rosane Nascimento, assessora institucional do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN). Mas, para a alegria dos profissionais de saúde, vem mudança por aí. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (a Anvisa) estuda propostas para um novo sistema de rotulagem.
“Essa discussão é necessária e urgente”, ressalta Rosane, lembrando que o modelo atual é de 2003. Ora, se o consumidor não consegue interpretar os dados contidos na embalagem, fica difícil fazer escolhas conscientes e compatíveis com um estilo de vida mais saudável.
De acordo com a endocrinologista Maria Edna de Melo, presidente da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), está claro que gordura, açúcar e sódio são nutrientes fortemente associados ao desenvolvimento de doenças crônicas. Só que, hoje, falta clareza para identificar os produtos ricos nessas substâncias – e que, por esse motivo, deveriam ser consumidos com moderação.
Até o momento, a Anvisa recebeu três sugestões de rotulagem frontal – uma da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), outra do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a terceira da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia). Agora, ela pode escolher um modelo ou mesclar características de dois ou até dos três formatos propostos.
O que surgir daí irá para uma consulta pública no site da agência e todos conseguirão opinar. As mudanças nas embalagens devem ser vistas em cerca de dois anos. A seguir, conheça melhor os rótulos submetidos ao crivo da Anvisa.
Nutri-Score
Quem defende: Associação Brasileira de Nutrologia (Abran)
Trata-se de uma adaptação do modelo já utilizado na França. Cores (do verde para o vermelho) e letras (do A ao E) ajudam a categorizar o produto. De acordo com o nutrólogo Carlos Alberto Nogueira, da Abran, o diferencial do Nutri-Score é que ele avalia o alimento como um todo, levando em conta suas características boas e também as problemáticas.
Para o item ter chance de ganhar a letra A (e a cor verde), precisa agregar pontos positivos, que seriam teor de frutas e legumes, fibras e proteínas. Já os pontos negativos, capazes de culminar na letra E (e cor vermelha) são energia (calorias), gordura/gordura saturada, açúcares totais e sódio.
“Caso um item seja classificado como E, o consumidor será informado o que levou a isso”, informa Nogueira. Assim, uma pessoa hipertensa, por exemplo, conseguirá saber se a nota ruim de determinado produto tem a ver com o sódio, mineral que ela precisa consumir com extrema moderação.
Outra característica apontada como vantajosa no Nutri-Score é o fato de todos os alimentos serem avaliados de acordo com uma base de 100 gramas. Ou seja, mesmo que a tabela nutricional apresente as informações de acordo com porções menores (como 30 gramas, muito comum para bolachas recheadas), o rótulo frontal – esse de cores – se fundamentará em 100 gramas. Para Nogueira, trata-se de uma estratégia importante para evitar manipulação e facilitar a comparação dos alimentos.
Porém, esses modelos que se valem das cores do semáforo não agradam todo mundo. “As cores podem ser confundidas com os tons da própria embalagem”, observa Rosane. Daí o rótulo frontal passaria despercebido.
A nutricionista Laís Amaral, nutricionista do Idec, concorda e acrescenta: “O Guia Alimentar da População Brasileira prevê que o consumo de itens processados e ultraprocessados deve ser evitado. Mas, se um alimento receber A ou B, dá a impressão de que pode ser consumido livremente, sem nenhum tipo de prejuízo”.
Selo de advertência
Quem defende: Instituto de Defesa do Consumidor (Idec)
Nesse modelo, já usado no Chile, o objetivo é incluir um selo de advertência – representado por um triângulo preto – para indicar excessos de nutrientes críticos, como açúcar, sódio e gorduras totais, além da presença de adoçante e gordura trans em alimentos processados e ultraprocessados. Pacotes de sal ou açúcar e garrafas de óleos, que são ingredientes culinários, não entram no esquema. Contudo, a ideia é ter um alerta para uso moderado.
Se um produto receber um triângulo (ele pode ganhar mais de um…), automaticamente fica proibido de apresentar uma comunicação mercadológica direcionada a crianças. Na prática, a embalagem não terá desenhos, personagens nem brindes.
A marca ainda não poderá destacar alegações nutricionais positivas, como “rico em ferro” e “fontes de fibras”. “A gente quer chamar atenção para o nutriente crítico em excesso. Se o consumidor se depara com algo positivo, esse dado acaba anulando aquela informação de advertência”, esclarece Laís.
“O modelo apresentado pelo Idec atende plenamente ao objetivo de tornar as informações mais claras e acessíveis ao consumidor, porque não exige bastante esforço para entender quais alimentos têm altos teores de determinados nutrientes”, defende Rosane, representante do CFN.
Maria Edna de Melo diz que a Abeso também se identifica mais com a proposta do Idec, assim como outras 20 e tantas entidades que se posicionaram oficialmente. “Não é preciso nem saber ler para entender a rotulagem do Idec. Quanto mais triângulos, mais problemas”, avalia.
Contudo, a médica faz uma ressalva: não é muito fã do triângulo preto para indicar a presença de adoçante. “Não temos evidência científica suficiente para colocar esse ingrediente na mesma categoria de açúcar, gordura e sal”, opina. “E isso é um problema porque estamos falando de uma medida de saúde pública, válida para todo mundo. Não deve ser baseada em hipóteses”, acrescenta.
Vale lembrar que os edulcorantes artificiais são indicados para dietas com restrição de açúcar, como aquelas recomendadas a indivíduos com diabetes. Por isso, essa parte da proposta do Idec também desagrada a nutricionista Débora Bohnen Guimarães, coordenadora do Departamento de Nutrição da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). “Uma ação como essa pode deixar o paciente com diabetes sem opções para adoçar um alimento, levando a descontentamento com o plano alimentar e diminuição da aderência ao mesmo. À luz dos conhecimentos científicos disponíveis até o momento, não temos nenhuma evidência de risco do uso de edulcorantes não calóricos à saúde humana”, pontua.
Para Carlos Nogueira, da Abran, outra questão que joga contra o modelo do Idec é o fato de dar a entender que o alimento é um perigo. “Mas a ideia é alertar mesmo. O triângulo não significa que o produto é proibido. O objetivo é garantir o direito à informação, permitindo uma escolha consciente”, rebate Laís.
Semáforo nutricional
Quem defende: Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação
Assim como a proposta da Abran, esse modelo se vale das cores do semáforo – consideradas de entendimento universal – para transmitir as informações nutricionais. Só que, em vez de avaliar o alimento como um todo, o “farol” da Abia foca em três nutrientes: sódio, açúcares totais e gorduras saturadas. Cada um recebe uma cor com base na quantidade em que aparece no produto.
“Não queremos dizer para o consumidor se o alimento é bom ou ruim, e sim o que ele contém. É para observar e decidir de acordo com as características de sua dieta”, conta Daniella Cunha, diretora de Relações Institucionais da Abia. Ela exemplifica: “Se o indivíduo precisa moderar no açúcar, vai atrás do produto com menor dose do nutriente”. E, para fazer essa comparação, bastaria olhar a cor que esse ingrediente recebe na embalagem (o verde é sempre o melhor).
A grande crítica relacionada a essa proposta é o fato de que os três nutrientes – sódio, açúcar e gorduras saturadas – são considerados problemáticos. E o consumidor precisaria interpretar a mistura de cores. “Vamos imaginar um alimento com três selos amarelos, e outro que contenha um selo de cada cor, ou seja, verde, amarelo e vermelho. Qual devo comprar?”, questiona a nutricionista Laís, do Idec. “Esse modelo acaba mais confundindo do que ajudando o consumidor”, opina.
O nutrólogo Carlos Nogueira aponta mais uma fragilidade do semáforo da Abia: a avaliação dos alimentos de acordo com a porção, e não por 100 gramas. Lembra da bolacha recheada? Os dados costumam ser analisados por 30 gramas, o que dá três bolachas. Só que não é necessariamente o que a pessoa consumirá. “Isso aumenta o risco de manipulação”, diz o médico.
Para Laís, não utilizar a mesma base de comparação (como os 100 gramas defendidos pela Abran e pelo Idec) deixa o consumidor em outra encruzilhada: como conferir os prós e contras de alimentos de categorias diferentes, como um iogurte e uma barra de cereal?
Como dá para notar, há virtudes e limitações nos três. Não à toa, o cardiologista e nutrólogo Daniel Magnoni, coordenador do Departamento de Nutrição da Sociedade Brasileira de Cardiologia, não tem um preferido. Ele brinca que o ideal seria mesclar todas as propostas.
“Nosso desejo é que o rótulo não seja punitivo e ajude as pessoas a manterem uma dieta saudável”, resume. E na sua opinião, qual proposta atende melhor às necessidades de nós, consumidores? Não custa pensar nisso, afinal, logo mais a Anvisa vai abrir a possibilidade de darmos palpite também.