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O que você não deve (e o que pode) seguir do novo livro da Gisele Bündchen

Modelo brasileira lançou a obra “Nutrir”, com receitas e dicas sobre alimentação. Mas, entre boas orientações, há muitas ciladas também!

Por Ingrid Luisa
Atualizado em 10 Maio 2024, 20h05 - Publicado em 10 Maio 2024, 17h07
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80% da alimentação atual de Gisele é baseada em vegetais. (foto: Kevin Oʼ Brien/ livro Nutrir/editora Best Seller Grupo Editorial Record /Divulgação)
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A modelo brasileira Gisele Bündchen costuma citar em entrevistas e redes sociais sobre sua conexão com a natureza, paixão por ioga e, claro, sobre sua alimentação saudável.

Em seu segundo livro, “Nutrir: Receitas simples para corpo e alma”, Gisele conta sua trajetória com a alimentação e ensina receitas práticas do dia a dia. Ela dá dicas sobre como fazer uma lista de compras, como minimizar o desperdício na cozinha, entre outras informações bem úteis.

Mas não encare esse livro como um manual para alcançar uma saúde nota 10. É essencial ficar claro que não é preciso (nem saudável) passar pelo mesmo que Gisele Bündchen para ter uma boa relação com a comida.

Entenda: nem tudo que ela viveu é replicável (ou mesmo recomendável por especialistas). Abaixo, desvendamos cinco alegações sobre dieta e alimentação feitas pela modelo em seu relato pessoal.

+Leia Também: Da teoria ao prato: como reverter empecilhos para uma alimentação saudável

1) Alimentação não cura depressão

Aos 22 anos, quando já era uma modelo consagrada e capa das principais revistas do mundo, Gisele conta no livro que sofreu com ataques de pânico, e não conseguia mais ficar em locais fechados.

Na época, a modelo explica que jantava fastfood e ingeria vinho todos os dias à noite para relaxar, além de ter o cigarro como um companheiro diário.

Gisele aparentava linda e saudável por fora, mas, segundo ela, a ansiedade e depressão, gerada por uma carreira de cobranças, a consumiam por dentro.

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Diante dessa situação, ela procurou ajuda de diversos médicos, e todos os profissionais prescreveram remédios para os transtornos psiquiátricos. Mas, para ela, esse tratamento não parecia certo.

A modelo resolveu procurar um médico osteopata, que recomendou uma dieta radical e super restrita para seu corpo ter um reset. Ela conta no livro: “O Dr. Dominique me disse que a mudança na alimentação e no estilo de vida eliminariam todas as muletas e dariam a chance ao meu corpo de se recompor e se curar”.

E assim foi feito: Gisele seguiu uma dieta em que só comia uma porção diária de proteína animal magra, hortaliças verdes, oleaginosas (menos amendoim, que alega ser inflamatório, mas não é), azeite extravirgem e manteiga ghee, caldos, chás e pipoca.

Estes alimentos foram totalmente excluídos: carboidratos e grão, leguminosas, frutas, laticínios, hortaliças não verdes, qualquer tipo de açúcar, cafeína e álcool.

Após três meses, Gisele afirma que a ansiedade reduziu e os sintomas depressivos desapareceram.“Era como se, de algum jeito, eu tivesse passado por uma reprogramação celular”, diz.

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+Leia também: A explosão de transtornos mentais preocupa e requer atenção permanente

Apesar de alegar que essa estratégia funcionou para ela, nada do que foi relato pela modelo nesse trecho segue qualquer critério científico. A começar que não se trata depressão apenas com mudanças alimentares.

“A depressão é uma doença psiquiátrica e, como tal, precisa ser tratada adequadamente. Quando se institui um tratamento medicamentoso, estamos mexendo com diversos neurotransmissores e sistemas intracerebrais. Não se cura um doença dessas só no papo ou só no hábito saudável, tem que ter tratamento”, afirma o médico Marcos Gebara, presidente da Associação de Psiquiatria do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).

“O ideal é você juntar medicação com esses fatores todos: bem-estar, estilo de vida saudável, esporte, sol, sono, sexo, bom relacionamento, trabalho satisfatório etc. Tudo vai ajudar, mas nada disso sozinho resolve”, conclui o psiquiatra.

A nutricionista Nathalia Teixeira, especialista em comportamento alimentar, concorda: “Os medicamentos e os alimentos são duas coisas completamente diferentes e elas precisam coexistir. A nutrição não pode se sobrepor à terapia farmacológica, assim como não adianta tomar remédios e não cuidar da alimentação. As doenças são multifatoriais e as medidas de tratamento se complementam”, afirma.

Gebara também alerta para não confundir depressão com tristeza. “A pessoa que está triste não precisa remédio. Agora, depressão precisa de um tratamento”.

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+Leia também: Aumento da depressão e ideação suicida entre jovens: onde estamos errando?

Nathalia também chama a atenção para outro fato: a dieta reset de Gisele era muito restritiva, e isso dificilmente faz bem para o organismo. “As consequências de uma alimentação muito restrita são potencialmente desastrosas para aspectos fisiológicos e psicológicos”, comenta.

“É importante que as pessoas que leiam esse livro não achem que esse tipo de alimentação é uma solução para a vida saudável, porque não é”, completa.

Vale ressaltar também que, no Brasil, a osteopatia não é considerada uma especialidade médica. O Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia ocupacional (COFFITO) alega que a osteopatia é uma especialidade exclusiva da fisioterapia, e existe uma associação que representa os fisioterapeutas osteopatas, a Associação dos Osteopatas do Brasil (AOB). Esse é um tratamento considerado alternativo, com evidências científicas não muito robustas.

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Além disso, a técnica da osteopatia é usada em geral no tratamento de problemas de dor relativos a articulações e mobilidade, como lombalgias, torcicolos, labirintites, hérnia de disco, nas articulações têmporo-mandibulares (ATM). Ou seja, nenhum osteopata prescreve dieta.

+Leia Também: O papel da dieta no controle das doenças inflamatórias intestinais

2) Se não houver sensibilidade, frutas não fermentam e geram gases

Gisele também afirma no livro que consumir frutas à tarde, de forma isolada, é melhor do que ingeri-las numa refeição ou como sobremesa.

Segundo a modelo, se a fruta está no estômago junto a outros alimentos com digestão mais lenta, como carne, ela não será digerida com a mesma rapidez e pode fermentar, liberando gases e fazendo com que você se sinta inchado.

Bom, não existe comprovação para essas alegações também.

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“Se uma pessoa tem intolerância a frutose ou uma sensibilidade aos foodmaps [carboidratos de cadeia curta que são lentamente absorvidos ou não digeridos no intestino delgado], pode ser que ela se sinta mal com algumas frutas. Aí tem que regular na alimentação. Mas, via de regra, não há problema em ingerir frutas com outros alimentos”, afirma Nathalia.

Ou seja: se quiser, coma sua frutinha na salada ou depois do almoço sem neura. Ou como um lanche da tarde, também. O que não vale é ficar sem ingerir frutas.

+Leia Também: Quer cuidar da dieta e do ambiente? Priorize frutas e hortaliças nativas

3) Você não precisa de detox

Gisele conta que já foi adepta de detox com jejum à base de sucos, o Juicing, que tritura frutas, verduras, legumes crus e faz a pessoa ingerir líquidos o dia inteiro. Mas… fazer isso não limpa o organismo e não tem vantagem nutricional nenhuma.

“Não tem como o suco substituir uma refeição. Você não vai ter ali um aporte de nutrientes que você precisa”, pontua Nathalia. O principal problema de só investir em sucos é que, justamente por triturarem as frutas, as fibras se perdem.

“Além disso, a mastigação é necessária para a função do trato gastrointestinal. A digestão alimentar começa na boca”, acrescenta a nutricionista.

Sempre é bom lembrar que o que desintoxica o organismo é o bom funcionamento dos rins e do fígado. O melhor que podemos fazer, então, é cuidar da saúde desses órgãos. E isso, claro, envolve uma alimentação balanceada. Mas não um ou outro suco detox.

+Leia também: Você já avaliou o seu fígado?

4) Comer com calma e atenção faz bem

Gisele comenta que, após começar a praticar ioga, começou a prestar mais atenção aos alimentos.

“Antes, eu costumava comer em movimento, distraída com outras coisas. Fazer uma pausa antes de iniciar a refeição me deixa profundamente grata e tranquila, fico mais conectada e consciente a respeito daquilo que escolhi oferecer ao meu corpo”, afirma a modelo no livro. “Dar atenção plena aos atos de comer, respirar e movimentar meu corpo encheu tudo de significado e alegria”, completa.

Além disso, após passar por diversas dietas (incluindo a crudívera, em que só se come alimentos crus), hoje ela não segue nenhuma específica. “Em vez de seguir uma lista de regras, busquei ouvir meu corpo. […] Penso no motivo pelo qual estou comendo e na comida em si, me certificando de que tomei a melhor decisão”.

Agora, sim: pontos positivos para a modelo brasileira! Realmente, comer rápido e sem atenção prejudica tanto a absorção de nutrientes quanto aumenta o risco de comer mais do que o necessário.

“Essa técnica ter atenção plena ao comer se chama Mindful Eating, e para realizá-la você só precisa estar vivo e ter um corpo. Basta, ao comer, colocar atenção só nisso. A partir dessa atitude simples, você entende as sensações no momento presente e entra em contato com as reações e sinais seu corpo. Entender nossos graus de fome e saciedade ajuda a nos vincularmos com essas das sensações inatas e fisiológicas”, explica Nathalia.

+Leia também: No labirinto da nutrição

5) Atenção aos suplementos

A promoção da alimentação saudável virou um mercado lucrativo. Dentro disso, existe o incentivo a suplementação, muitas vezes excessiva e desnecessária.

Hoje, vê-se influenciadoras jovens e saudáveis de 20 anos consumirem cápsulas e mais cápsulas por dia, como se beneficiasse a saúde. Balela. A suplementação definitivamente não é necessária para a maioria das pessoas, ainda mais se elas comem bem.

Essa categoria só é uma aliada da saúde quando se comprova a existência de deficiências nutricionais por exames — algo mais comum em idosos e gestantes.

Gisele também consome vários suplementos diários. Dentre eles, cápsulas de cranberry, xarope de sabugueiro (segundo ela, para a imunidade), enzimas digestivas, cúrcuma (para aliviar ansiedade), pó de cogumelo juba de leão (para eliminar confusão mental e melhorar a memória), lisina, vitaminas.

Primeiro: nada do que está em parênteses tem comprovação científica sólida. “Estudos fracos e inconclusivos fazem essas associações. É muito melhor você incrementar sua alimentação do que tomar suplementos”, pontua a nutricionista. “Se você tem uma alimentação equilibrada como a Gisele alega, esses suplementos são desnecessários”, completa.

Ok, nem sempre suplementos geram reações adversas graves – embora isso possa acontecer, ok? Mas o fato é que eles pesam no bolso, e certamente vale muito mais investir em alimentos naturais como frutas e verduras.

Apesar da alimentação ser essencial para a saúde, não acredite em receitas mágicas. E não leve para sua vida experiências de celebridades. Ainda mais se elas batem de frente com o que profissionais da saúde apontam.

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