Os adoçantes estão, atualmente, na mira da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Depois de contraindicar o uso da categoria para a perda de peso, a instituição classificou o aspartame, adoçante comum em produtos industrializados, como “possivelmente cancerígeno”.
Isso ocorreu após uma revisão de 1,3 mil estudos sobre o aditivo, feitos pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), ligada à OMS. O resultado foi publicado no periódico The Lancet Oncology.
Para entender melhor essa história, respondemos abaixo as principais dúvidas sobre o assunto. Confira!
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O que é o aspartame?
O aspartame é um adoçante artificial criado em laboratório, assim como a sacarina e o ciclamato.
O responsável por esse feito foi o químico norte-americano James M. Schlatter. Em 1965, ele percebeu que a mistura dos aminoácidos fenilalanina e ácido aspártico resultava em um composto de sabor doce.
O aspartame é 200 vezes mais doce que a sacarose (açúcar de mesa).
Em 1974, a Agência Regulatória dos Estados Unidos (FDA) liberou a produção e comercialização da substância, a classificando como segura.
Segundo a agência, mais de 100 estudos foram analisados antes disso, avaliando seus efeitos nos sistemas reprodutivo, nervoso, carcinogênico e até no metabolismo.
Na década de 1980, veio a popularidade, com a promessa de ajudar a controlar a glicemia e o peso, uma vez que o composto não contém calorias.
Aspartame faz mal?
Com base nas evidências disponíveis, não é possível afirmar isso.
Estudos observacionais e testes em animais indicam possíveis implicações em longo prazo do consumo exagerado, mas uma relação de causa e efeito entre o composto e doenças ainda não foi comprovada em humanos.
A conclusão até agora é de que o aspartame é seguro na dose máxima diária estabelecida pelos especialistas.
Segundo o Comitê Conjunto de Especialistas em Aditivos Alimentares (JECFA) da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), aliado a Organização Mundial da Saúde (OMS), sua Ingestão Diária Aceitável (IDA) permanece em 40 mg por quilo de peso da pessoa.
Ou seja, uma pessoa de 70 kg poderia consumir 2.800 mg desse adoçante por dia, o que equivale mais ou menos a 14 latinhas de refrigerante.
Uma grande crítica aos adoçantes é que, por serem até mais potentes do que o açúcar, eles aumentariam o desejo de comer doce do usuário, mas diversos estudos já refutaram essa ideia. Até porque eles não tem o mesmo efeito no organismo que a sacarose.
“É uma questão bioquímica. Quando consumimos o açúcar, ocorre uma liberação de insulina, que é precursora do neurotransmissor serotonina, e isso tudo causa uma sensação de bem-estar que você quer sentir mais vezes”, explica a nutricionista Elaine Moreira, conselheira consultiva da Associação Nacional de Atenção ao Diabetes (Anad).
“Mas nada disso acontece quando você consome adoçante. Edulcorantes não trazem essa sensação prazerosa, nem a vontade de comer mais”, completa Elaine.
Outra pedra no sapato dos adoçantes é a questão da microbiota. Para alguns, eles poderiam causar alterações prejudiciais no conjunto de micro-organismos que habita o intestino. Mas, de novo, não há evidência suficiente para cravar a afirmação.
“Tudo que ingerimos de maneira regular interfere na microbiota, é uma coisa natural. Da mesma forma que, se você consome muito açúcar, ele também vai causar alteração”, elucida o médico Rodrigo Barbosa, cirurgião do aparelho digestivo.
Aspartame causa câncer?
O câncer é uma doença multifatorial, o que significa que diversas causas favorecem seu desenvolvimento.
Como muitas delas são externas, presentes no ambiente, desde 1971, a Iarc analisa fatores do dia a dia (como compostos químicos, remédios, alimentos, etc) para identificar e classificar a possibilidade ou não de contribuírem com o aparecimento da doença.
Mas essa classificação não é tão simples quanto parece. Por definição, ela é dividida em grupos, baseado no nível de evidência presente nos estudos:
-> Grupo 1: Cancerígeno – reúne os agentes com evidências concretas de que podem causar câncer em humanos. Aqui entram 126 itens, dentre eles a radiação solar (UV), bebidas alcoólicas e cigarro;
-> Grupo 2A: Provavelmente Cancerígeno – há evidência limitada de carcinogenicidade em humanos, mas há estudos concretos que apontam surgimento de câncer em animais. Aqui temos 94 agentes, como frituras, alguns pesticidas, trabalho noturno e carne vermelha;
-> Grupo 2B: Possivelmente Cancerígeno – as evidências quanto ao aparecimento de câncer são limitadas em humanos e animais, mas há algumas correlações. Foi aqui que o aspartame entrou, junto a outros 322 agentes como extrato de aloe vera, escapamento de motor e atividade de carpintaria e marcenaria.
-> Grupo 3: Não Classificado – não há evidência adequada que associe o item a câncer. A organização coloca 500 agentes nesse grupo, e exemplos são óleo, implantes mamários de silicone, café e produtos para coloração de cabelo.
De forma geral, o que a Iarc faz é detectar se existem estudos relacionando algo ao surgimento de tumores – por isso existe até uma categoria “não classificado”, considerando itens que já foram analisados, mas para os quais não há evidência adequada sobre riscos.
No caso do aspartame, três dos estudos observacionais analisados nesta última revisão o apontaram como uma possível causa de carcinoma hepatocelular — vulgo câncer de fígado.
Os trabalhos em questão examinaram a associação entre o consumo de bebidas adoçadas artificialmente (como refrigerantes) e a doença. Em grupos de pessoas que tomavam estes produtos, havia maior incidência/mortalidade por câncer
Apesar desses resultados, a Iarc concluiu que o acaso, vieses ou fatores de confusão não poderiam ser descartados, por isso o aspartame acabou entrando no grupo 2B, como possivelmente cancerígeno. Ou seja, não há certeza da relação.
Como é medido o nível de evidência sobre o risco?
Pergunta complexa. Depende de várias questões técnicas, como o desenho e a metodologia do estudo, seus objetivos e rigor na execução dos testes e análise dos dados.
Bons estudos são o cerne da ciência, mas até universidades e periódicos científicos de prestígio já publicaram trabalhos de baixa qualidade.
Na diretriz da OMS contra o uso de adoçantes para controle de peso, a entidade afirma que os estudos usados na análise são considerados de baixo grau de evidência científica.
Para entender melhor, leia a matéria Adoçantes: novas dúvidas à mesa.
É verdade que certas pessoas não podem consumir aspartame?
Sim, e isso se deve a fenilalanina na sua composição. Algumas pessoas não conseguem metabolizar esse aminoácido.
É o caso dos portadores da doença rara fenilcetonúria. Neles, a ingestão gera um acúmulo no organismo ligado a diversos problemas, como atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), deficiência mental, comportamento agitado, convulsões, dentre outros.
A condição, originada por um defeito congênito, pode ser detectada pelo teste do pezinho. Ela é tida como a primeira doença genética a ter tratamento estabelecido com terapêutica dietética específica: limitação da ingestão de proteínas durante toda a vida.
Essa é a principal contra-indicação do aspartame.
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O que o aspartame (e outros adoçantes) têm a ver com obesidade?
A OMS contraindicou o uso da categoria toda como estratégia para perder peso porque, segundo os estudos observacionais da diretriz, ele não gera emagrecimento.
Mas vale pontuar que essa não é a função dele. Ele não é um componente emagrecedor, é um aditivo alimentar que confere dulçor.
Em nota conjunta sobre a questão, a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso), a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) reforçam que o problema é que os adoçantes costumam estar em alimentos ultraprocessados.
Ou seja, eles estão inseridos dentro do contexto de uma alimentação que não é considerada saudável.
O texto diz que o uso de adoçantes sem açúcar pode ser uma alternativa em dietas hipocalóricas, levando em conta a segurança destas substâncias. Mas que a “substituição isolada, sem outras mudanças dos hábitos alimentares, não tem sido eficaz na redução de peso a longo prazo”.
As entidades recomendam sempre buscar alternativas com paladar menos doce, como frutas e outros itens sem açúcar adicionado.
Barbosa pondera, contudo, que o adoçante pode ser uma boa opção em estratégias para perda de peso. “Mas eu costumo orientar a substituição dos açúcares ultraprocessados por adoçantes naturais, como xilitol e estévia”, explica o médico.
E vale ressaltar que nem sempre é simples trocar açúcar por adoçante.
Quais produtos contém aspartame?
Por conta de sua composição estável, o aspartame é um dos adoçantes favoritos para a fabricação de refrigerantes dietéticos, balas de gomas, iogurtes, refrescos em pó e até pastilhas para a tosse.
Alguns exemplos são Coca-Cola Zero, Pepsi Black, Schweppes Sem Açúcar, H2O Limoneto Zero Açúcar, refresco em pó TANG, MID e até Trident de Hortelã/menta.
Produtos com esse adoçante vão ser retirados do mercado?
Não. Ser classificado no grupo 2b da Iarc não tem poder de proibição.
Frente à polêmica, instituições e empresas que usam o adoçante tem se posicionado sobre o assunto. No site da Coca-Cola Brasil, em uma aba intitulada “ÉBoato”, a marca responde a pergunta “O aspartame da Coca-Cola sem açúcar faz mal?” com o seguinte texto:
“Aqui estão os fatos: mais de 200 estudos científicos apoiam sua segurança. O aspartame é permitido para uso em mais de 100 países, incluindo os EUA, México, União Europeia, Turquia e Japão. E especialistas em saúde continuam a confirmar que o aspartame é seguro”, diz a empresa.
A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad), que representa o setor, posicionou-se em defesa do produto, reforçando que ele é um dos mais pesquisados da história, com aprovação de mais de 90 agências de segurança alimentar pelo globo.
Já o Instituto Nacional do Câncer (Inca), considerando a classificação da Iarc, manifestou-se contra os adoçantes artificiais no geral.
“O INCA aconselha à população geral evitar o consumo de qualquer tipo de adoçante artificial e adotar uma alimentação saudável, ou seja, baseada em alimentos in natura e minimamente processados e limitada em alimentos ultraprocessados”, afirma o posicionamento.