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Alimentação infantil: como lidar com o desejo das crianças por açúcar?

Embora o limite de açúcar para crianças seja rígido, um dos maiores desafios é contornar os pedidos e o apetite dos pequenos num mundo cheio de guloseimas

Por Daniela Grinbergas
Atualizado em 20 jan 2023, 16h52 - Publicado em 20 jan 2023, 15h34
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  • Fácil na teoria, difícil na prática. Entre tantas recomendações dadas aos pais em nome do bem-estar dos filhos, sem dúvida uma das mais complicadas de cumprir, ao lado da restrição de telas, é evitar ou moderar o consumo de açúcar.

    Que atire a primeira bala o adulto que nunca comeu um doce escondido dos pequenos, que nunca prometeu sobremesa à turma que almoçasse direitinho ou que nunca usou o chocolate como moeda de troca.

    Atitudes do tipo estão distantes do que defendem os guias e os profissionais da área, mas não dá para negar que também precisamos naturalizar as coisas e trazer a discussão à vida real — afinal, o açúcar não deveria ser visto como veneno nem motivo de culpa.

    “O ponto é que separar os alimentos entre bons e ruins, usá-los como premiação ou mesmo proibi-los atrapalha a relação da criança com a
    comida”, avisa a nutricionista Mariana Del Bosco, colunista de Veja Saúde. Ou seja, o segredo está numa boa conversa e na educação à mesa.

    Digamos que as diretrizes brasileiras são bem rigorosas nas orientações sobre o consumo de açúcar nos primeiros anos de vida. Elas indicam que crianças com menos de 2 anos não devem ingerir nadica de nada do ingrediente nem de produtos feitos com ele.

    “Sabemos que a alimentação correta até os 2 200 dias de vida é fundamental para o futuro da criança”, justifica a pediatra Virgínia Weffort, presidente do Departamento de Nutrologia da Sociedade Mineira de Pediatria. A partir dos 2 anos, doces são liberados, mas com muitíssima parcimônia.

    A Associação Americana do Coração, por exemplo, estipula um limite de 25 gramas de açúcar por dia, o equivalente a 5 colheres de chá. Só que, nessa conta, entra o que adicionamos a receitas e refeições em casa, mas também a quantidade presente nos produtos industrializados. Por que tão pouco? Para reduzir o risco de ganho de peso, cáries e diversas doenças crônicas.

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    + Leia também: Radar da saúde: crianças brasileiras estão comendo pior e engordando

    “Temos uma preferência pelo paladar doce desde cedo. Porém, se a ingestão desses alimentos é frequente a partir dos 6 meses de idade, pode haver dificuldades na introdução alimentar e na aceitação de comidas que não tenham esse sabor”, destrincha Mariana.

    O desafio é que a oferta de guloseimas por aí é imensa. Em casa, na rua, na escola… Cedo ou tarde, as crianças são convidadas a uma eterna festa de Halloween. E o problema é que o ingresso ao mundo dos doces (nem tanto das travessuras) está acontecendo cada vez mais precocemente.

    É sobre isso que joga luz o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), que acompanha 14 558 crianças menores de 5 anos pelo país. Esse trabalho descobriu que, entre bebês de 6 a 23 meses, a frequência de exposição ao açúcar chega a quase 70%, e, na faixa dos 2 aos 5 anos, bate 87%.

    “Observamos que, desde os 6 meses de idade, quando a criança começa a receber os primeiros alimentos além do leite materno, há um considerável percentual ingerindo açúcar, e isso vai aumentando com a idade”, diz a nutricionista Elisa de Aquino Lacerda, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e uma das coordenadoras da pesquisa.

    E não falamos só do açúcar refinado e das colheradas em sucos, frutas e afins. As doses a mais também se escondem em produtos prontos à venda no supermercado, que viraram presenças marcantes nas refeições em casa e nas lancheiras da escola.

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    (Estudio Coral/SAÚDE é Vital)

    Um estudo realizado pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição da Universidade de São Paulo (USP) na cidade de Pelotas (RS) investigou a presença de ultraprocessados — alimentos industrializados que geralmente são ricos em açúcar e aditivos químicos — na rotina de crianças pequenas, assim como seu possível impacto na saúde delas.

    Constataram que, em dois anos de vida, o consumo de bebidas de caixinha, sucos em pó, biscoitos, achocolatados, refrigerantes, salgadinhos e companhia decola.

    O campeão é o achocolatado, cuja ingestão frequente salta de 43% entre as crianças de 2 anos para 66% nas de 4. O trabalho evidencia, ainda, uma associação entre o consumo elevado de ultraprocessados e o aumento no índice de massa corporal (IMC) e a diminuição na altura esperada de meninos e meninas.

    Em outras palavras, existem efeitos desse padrão alimentar no peso e na curva de crescimento das crianças. São consequências que podem se estender no longo prazo.

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    “O alto consumo desses alimentos aumenta o risco de excesso de peso não só na infância mas também na adolescência e na vida adulta, elevando a exposição dessas pessoas a problemas relacionados à obesidade, como as doenças cardiovasculares”, examina Elisa.

    Os números desse fenômeno estão no Painel de Obesidade Infantil do Ministério da Saúde para quem quiser ver: 14,5% dos brasileiros de até 9 anos estão muito acima do peso. O que fazer diante desse cenário amargo?

    Como balancear o cardápio e dosar o açúcar com responsabilidade sem cair numa postura punitiva ou irrealista? Bem, o pediatra, com o apoio de nutricionistas, pode orientar os pais com o planejamento alimentar — e existem coordenadas para isso em documentos como o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras, publicado pelo governo.

    “Mas as escolhas em casa estão nas mãos dos adultos, e o equilíbrio é a chave de tudo. Por isso, no dia a dia, sempre vale dar aquela boa olhada nos rótulos dos produtos industrializados e buscar fazer as melhores escolhas”, defende a pediatra Ana Escobar, professora da Faculdade de Medicina da USP.

    + Leia também: Onde estamos errando na alimentação infantil?

    A recomendação de privilegiar comidas naturais e frescas nunca perde atualidade, só que a gente sabe que, na correria, produtos prontos entram vez ou outra em cena — quando não viram a base da dieta.

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    Nesse sentido, as novas regras de rotulagem, que passaram a valer no fim do ano passado, ajudarão os consumidores a visualizar melhor, com uma lupa e informações na frente das embalagens, quais opções estão lotadas de açúcar adicionado (e também de sódio e gordura saturada). Melhor evitar o que estiver estampado com esse aviso!

    Desafios fora do lar

    Todos os pais com filhos que já levam lancheira à escola sabem o peso que ela carrega. Se não é fácil balancear a alimentação em casa, que dirá no recreio, que ainda pode ter uma lanchonete por perto! Então como preparar algo gostoso e saudável sem abrir mão da praticidade?

    Para começar, tenha em mente que o Programa Nacional de Alimentação Escolar sugere que apenas 20% do total das calorias diárias deve se concentrar no lanche.

    “Nesse momento, priorize alimentos in natura e minimamente processados, variando a oferta no dia a dia”, indica Virgínia. Frutas são sempre uma ótima pedida, mas a lista não precisa ficar restrita a elas. Dá para apostar em batata-doce, milho, tapioca, cereais integrais, castanhas, tomatinho, iogurte, pão caseiro etc.

    Para as bebidas, tente passar longe dos néctares de caixinha e dos preparos em pó, que costumam conter níveis de açúcar próximos aos dos refrigerantes. O ideal é investir em suco integral e água — muita água mesmo! Outra dica valiosa é convidar o pequeno a participar da confecção da lancheira.

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    “O envolvimento na escolha dos itens faz com que a composição fique mais interessante para ele, além de ajudar no processo de educação alimentar e nutricional”, ressalta Mariana.

    E, como nada na vida precisa ser inflexível, dá até para combinar um dia da semana em que a criança poderá levar alguma guloseima para o recreio, sempre pensando na qualidade e na quantidade da alimentação como um todo. Nada de mandar um pacote inteiro de bolacha recheada, por exemplo.

    Abuso de açúcar na infância
    (Estudio Coral/SAÚDE é Vital)

    Não é conversa de mãe: comer (e beber) produtos adocicados de forma exagerada pode semear confusões pelo corpo. A começar pela boca, que encara o maior risco de cárie. Não só balas e outras guloseimas clássicas, mas também sucos, refris e outras fontes de açúcar alimentam perigos para os dentes, especialmente quando a higiene bucal deixa a desejar.

    “O maior risco está relacionado à frequência do consumo, e não à concentração de açúcar do produto”, afirma o dentista Jaime Cury, professor da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, ligada à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

    Quando ingerimos a sacarose, tipo de açúcar bastante usado pela indústria, as bactérias da boca irão fermentá-la e transformar o ingrediente em um ácido capaz de dissolver a camada mineral que reveste e protege os dentes, abrindo progressivamente o caminho às cáries.

    Nesse contexto, Cury destaca que é muito importante criar o hábito de correr para a pia e escovar os dentes após o consumo de doces em geral. “Em apenas dois minutos após a exposição aos açúcares já começa a dissolução dos minerais do dente, e isso se prolonga por 20 a 40 minutos”, alerta. Tão importante quanto isso é fazer a limpeza bucal com pastas com flúor.

    “Nossa saliva faz a reparação dos minerais dos dentes, mas seu efeito é limitado quando o esmalte se dissolve. O creme dental fluoretado é justamente um ativador desse processo de remineralização”, explica. Na mesma linha, o professor sugere evitar o consumo de açúcar à noite. “É que a produção de saliva cai drasticamente no período do sono”, justifica.

    De obesidade a cárie, a impressão que dá é que o açúcar é um perigo para os mais novinhos. Mas calma! Não significa que ele nunca deverá ser convidado a entrar na vida da criança nem que precisa ser completamente abolido. Diante ou depois do primeiro brigadeiro, o que salva é a conscientização.

    Sim, a sobrecarga de açúcar na dieta dos brasileiros desde cedo tem a ver com aspectos culturais e está diretamente ligada à educação nutricional dos responsáveis e das próprias crianças.

    Com a devida orientação no consultório e na escola, a gente aprende que o problema não é experimentar um doce numa festinha ou comer um quadradinho de chocolate após o almoço, mas o consumo se tornar frequente ou exagerado. Parece simples, mas é fácil escorregar e vivenciar o efeito bola de neve.

    E olha que nem adianta culpar o DNA nessas horas, com o argumento de “pais formigas, filhos formigas”. “Até existe uma influência genética nas preferências de paladar, mas o que realmente pesa é o hábito familiar”, afirma o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, do Instituto Pensi — Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil, em São Paulo.

    O conselho, portanto, é, a partir dos 2 anos, dosar o acesso e limitar o consumo do doce a ocasiões esporádicas, como comemorações e eventos no fim de semana. Não adianta proibir ou fechar os olhos: é provável que, num dia ou outro, seu filho caia em tentação quando estiver só com os amigos.

    + Leia também: Abril Azul: a alimentação pode ajudar no tratamento do autismo?

    Da mesma forma, vale incentivar o consumo de frutas como lanches e sobremesas — ora, elas podem ser docinhas e não fazem parte do balaio do açúcar adicionado. Outra recomendação crucial: nada de manter um estoque de guloseimas nos armários de casa, nem mesmo se você for comer chocolate escondido na área de serviço (outra péssima ideia)! A família é o exemplo e o espelho dos pequenos.

    “É possível unir prazer e qualidade nutricional. Com bom senso e uma alimentação equilibrada, o doce pode encontrar seu lugar”, sintetiza
    Fisberg. Na dose certa, sem proibições e recompensas, o açúcar tem seu espaço — e a infância não vai virar uma amarga chatice.

    Como lidar com o desejo de açúcar
    (Estudio Coral/SAÚDE é Vital)

    Adoçar com quê?

    Açúcar refinado, mascavo, frutose, melado de cana…Tanto faz se pensarmos que tudo vai virar glicose no organismo. “Qualquer tipo em excesso provoca problemas. A diferença está apenas no processo de refinamento”, crava o pediatra Mauro Fisberg. O professor sublinha que, no refinamento do açúcar branco, o preparo perde minerais e ganha aditivos. Então ele teria desvantagens em relação ao mascavo, por exemplo. Mas, de novo, a moderação vale para qualquer um.

    Uma palavra sobre os adoçantes

    “Crianças com mais de 2 anos que têm restrições ao consumo de açúcar podem, sim, usar adoçante quando necessário”, afirma a pediatra Ana Escobar. Segundo ela, há estudos consistentes atestando que não há riscos, desde que as quantidades sejam moderadas e adequadas ao peso corporal. A orientação dos experts é buscar uma dieta mais saudável no geral, que priorize fontes naturais de açúcar, como as frutas. Mas o uso dos adoçantes poderia ser realizado esporadicamente, sobretudo em um contexto de excesso de peso ou diabetes.

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