Paraíso é, na concepção da maioria dos brasileiros, um lugar em que a gente pode descansar com vista para o mar e à base de sombra e água (de coco, por favor!) fresca. Mas digamos que o coqueiro, apelidado pelos antigos justamente de “árvore do paraíso”, dá motivos aos cachos para o homem trabalhar e se sustentar. Porque esse coqueiro que dá coco, como ensina o mestre Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) na sua História da Alimentação no Brasil, “…fornece iluminação, casa, alimento, traje, vasilhagem, embarcação”.
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E, entre tantos proveitos desde que a planta veio parar e prosperar no nosso litoral lá no século 16, o que mais ganha destaque nos últimos anos é a oportunidade de se nutrir e arrecadar saúde com os derivados do fruto. A começar pela sua água, que, de duas décadas pra cá, não precisa ser degustada só numa tarde em Itapuã ou em outras praias – hoje ela está na mão devidamente embalada no supermercado, pronta pra hidratar até em um dia de expediente.
O Brasil está com sede de coco. Segundo dados da indústria, batemos desde 2012 a cifra de mais de 100 milhões de litros da água consumidos por ano. Em 2004, eram 22 milhões. “Nunca ingerimos tanto do produto em caixinha. Comparando 2013 com 2015, o volume da categoria foi 40% maior”, conta Jamerson Ferreira Alves, executivo da Nielsen, empresa de pesquisa de mercado.
De acordo com a consultoria Euromonitor, entre as dez principais nações consumidoras de sucos e bebidas 100% fruta (onde se encaixa a água de coco), o Brasil apresentou o maior crescimento acumulado entre 2010 e 2015 – 77,5%, e considerando, ainda, que o derivado do coqueiro ocupa por aqui parcela cada vez mais expressiva nesse segmento. O produto é um dos poucos a ter driblado a crise econômica brasileira.
O apelo saudável é um dos motores dessa onda, que, gradualmente, rouba espaço de refrigerantes e néctares industrializados. E esse apelo tem fundamento. “É o melhor produto do coco do ponto de vista nutritivo. Pode ser tomado desde o desmame do bebê até a terceira idade”, diz Isabela Pimentel Mota, diretora científica do Departamento de Nutrição da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).
A opinião é compartilhada por outros profissionais, que louvam o líquido pela sua capacidade de hidratar e ofertar nutrientes como potássio, útil ao controle da pressão arterial. E saiba que dá pra aproveitar essas virtudes via caixinha, tomando alguns cuidados na hora de escolhê-la – nada que uma espiada no rótulo não dê conta.
Mas a fome pelos derivados do coco vai além. Quem segue despontando nas vendas é o óleo, que ganhou uma controversa fama de alimento emagrecedor. Ao comparar o primeiro semestre de 2015 com o deste ano, a loja online de produtos naturais Natue registrou um crescimento de 59%. “E estamos falando do óleo in natura, e não das cápsulas”, nota a nutricionista Carolina Arbache, da Natue. A rede Mundo Verde identifica a mesma liderança na procura. Só que o coqueiro multiúso tem rendido outros frutos em ascensão para a indústria. Tem farinha, tem açúcar e, agora, terá até leite pronto para beber – caso de uma bebida da marca Obrigado que chega às prateleiras em outubro concorrendo com outros extratos vegetais.
Apesar da diversidade nas gôndolas, a água continua a protagonista no mercado do coco por aqui. O Brasil é o maior produtor mundial da bebida, exportada cada vez mais para os Estados Unidos e a Europa. E a demanda interna (e externa) foi um dos fatores que impulsionaram o cultivo nacional nos últimos 25 anos.
Em 1990, estávamos na décima posição no ranking dos maiores produtores de coco do planeta, com 477 mil toneladas por ano. Hoje, ocupamos o quarto lugar com aproximadamente 2,9 milhões de toneladas anuais. Esse disparo acompanha a popularização da água em caixinha – a primeira do mercado, a Kero Coco, foi lançada em 1995 -, e se deve a novas tecnologias aplicadas à agricultura e à ampliação no uso da variedade do coqueiro anão, mais produtivo por natureza.
A espécie anã é a que rende os frutos verdes empregados na obtenção da água. Já o coqueiro gigante costuma prover os frutos secos visando aos derivados da polpa, como óleo e farinha. Tem ainda o híbrido, um casamento dos anteriores, que oferece de tudo um pouco. “Quando se fala em crescimento na produção, nos referimos ao coqueiro anão. A do gigante, pelo contrário, tem caído”, esclarece Francisco Porto, presidente do Sindicato Nacional dos Produtores de Coco do Brasil (Sindcoco). Hoje, mais de 75% da colheita corresponde à variedade anã (e híbrida). “Há dez anos, era meio a meio”, informa Porto.
O enfoque no coco verde também difere o Brasil das nações do sudeste asiático que encabeçam a produção mundial – a líder é a Indonésia. Lá, o mercado ainda está voltado para o fruto seco, cuja polpa ralada é amplamente exportada. “O maior interesse ali é o óleo. Eles usam o de coco como nós utilizamos o de soja”, compara Porto.
Embora a Ásia impere no volume absoluto – 70% dos coqueirais do mundo estão lá, e os indonésios, sozinhos, fornecem 19 milhões de toneladas por ano -, investimentos e melhorias agrícolas já permitiram ao Brasil assumir o primeiro lugar em produtividade. São 11 toneladas por hectare contra 6 da Indonésia.
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A expansão do coqueiro anão e da chamada agricultura científica e de precisão ajuda a entender também por que o cultivo do coco no Brasil chegou a 1,9 bilhão de frutos por ano e rompeu fronteiras geográficas. Até o início dos anos 1990, ele se restringia efetivamente às regiões Nordeste e Norte.
Hoje se disseminou a quase todos os estados – as exceções são Santa Catarina e Rio Grande do Sul. E é curioso observar que, apesar de a Bahia permanecer a campeã em números, com mais de 500 milhões de unidades por ano, Espírito Santo e Rio de Janeiro já apresentam maior produtividade – cada um gera mais de 15 mil frutos por hectare ante 7 mil do território baiano.
Algumas empresas do setor de água de coco e derivados têm investido nesse sentido para agregar maior rendimento, apoio ao pequeno agricultor (mais de 70% da produção nacional depende deles) e sustentabilidade ambiental. “Além de uma fazenda própria, trabalhamos com 105 produtores de sete estados, sendo que 60% deles atuam em propriedades pequenas. Proporcionamos assistência técnica e ajudamos a transferir o conhecimento adquirido sobre cultivo e colheita a eles”, conta Marcelo Zanetti, gerente de agrobusiness da Kero Coco/Pepsico, líder do segmento de caixinhas no país.
É em Conde, no litoral da Bahia, que a Obrigado tem instaladas fazenda e fábrica – 97% dos funcionários são da região. No campo, optou pelo sistema arista, em que cada agricultor, munido de carteira de trabalho, é responsável por uma área do coqueiral. “A ideia é empoderá-lo com conhecimento e autonomia”, diz Roberto Lessa, vice-presidente do grupo Aurantiaca, dono da marca.
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A tecnologia fincou raízes no cultivo. Cada pé de coqueiro tem um código de barras que, por meio de um leitor óptico, permite identificar o estado da planta. “É como se fosse um prontuário médico. Com ele, controlamos melhor as pragas e a necessidade de fertilizante e irrigação”, explica Lessa. A fazenda ainda conta com uma estação computadorizada em que se mapeiam progressos e problemas por área.
Tudo isso injeta ânimo ao coqueiral – 73% da área é destinada ao coco verde anão e 27% ao coco seco híbrido -, o que leva cada planta adulta a render cerca de 230 frutos ao ano. “É o coqueiro com potencial máximo de produção”, diz Lessa. E olha que ele nem precisa crescer tanto pra entrar nesse ritmo – de tempos em tempos, os técnicos se valem inclusive do replante a fim de ter pés mais baixos e que viabilizem melhor a colheita.
Ok, e depois que se aproveitam a água ou a polpa de tanto coco por esse Brasil afora, aonde vai parar a casca? De acordo com a engenheira agrônoma Maria Urbana Nunes, da Embrapa Tabuleiros Costeiros, no Sergipe, a maior parte ainda é descartada no ambiente, onde demora até dez anos para se decompor. “Calculamos que apenas 30% das cascas sejam aproveitadas hoje. E falamos de uma matéria-prima de alta qualidade”, afirma.
Esse resíduo cheio de fibras pode virar adubo, mantas para recompor o solo, estofamento de banco de carro e combustível. As empresas estão de olho nisso. A Kero Coco já reaproveita 100% do material gerado em sua fazenda própria como fertilizante. A Obrigado, que produz biomantas, tem planos de transformar a casca em fonte de energia. Sim, daria pra fazer até etanol com coco.
Soa estranho, mas, apesar de ter coco pra dar e vender, o Brasil importa polpa ralada e, de uns tempos pra cá, até um pouco de água para ser reconstituída em caixinha. Essa é uma questão polêmica e que vem à tona desde 2012, quando terminou o período de salvaguarda para o cultivo nacional – ele foi imposto justamente para melhorar a concorrência local em relação aos baixos preços da Ásia.
O presidente do Sindcoco vê a prática com preocupação: “Primeiro temos o aspecto social e econômico, com a falta de estímulo para o produtor brasileiro. Em segundo lugar, devemos levar em conta a baixa qualidade da matéria-prima importada. E, em terceiro, falta fiscalização até em relação a possíveis contaminações”. Enquanto o coco ralado é ingrediente de sorvetes, iogurtes e afins, a água em pó é diluída pra compor caixinhas. “É uma fraude para o consumidor”, critica Porto, que cobra maior atuação do governo.
A prioridade pelo coco verde anão (e até pelo híbrido) e a importação dos subprodutos da versão seca também refletem em um impacto ambiental, que é o declínio dos coqueiros gigantes, mais apreciados pela polpa, no litoral nordestino. “É preciso incentivo para revitalizar essa cultura com plantios novos, já que ela esbarra em dificuldades como áreas degradadas, déficit hídrico e falta de capacidade de investimento do pequeno agricultor”, analisa o engenheiro agrônomo Humberto Rollemberg Fontes, da Embrapa. Quem sabe a nova febre dos derivados do fruto – que vai além da água – não servirá de estímulo para resgatar esses coqueirais?
Na indústria, no supermercado, nas lojas de artigos naturais e nos restaurantes, brasileiros estão (re)descobrindo o coco. Uns buscam experiências gastronômicas. Muitos desejam saúde… “As receitas com coco (…) representam, em estética e sabor, o trópico, o litoral, as paisagens que atendem ao imaginário ideal do paraíso”, escreve o antropólogo Raul Lody em Coco: Comida, Cultura e Patrimônio (Ed.Senac). Pois é, talvez tenha só quem queira sentir isso, um gostinho do paraíso.
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A anatomia do coco
O que a indústria faz com as suas principais partes
Água
É a porção mais apreciada no Brasil. Hidrata e fornece minerais bem-vindos como o potássio.
Polpa
As empresas preferem a do seco, mais carnuda, para fazer a versão ralada, óleo, leite, farinha…
Casca
Não é lixo, não. Já é matéria-prima para adubos, estofados, artigos do lar e até energia.
Folhas
A ampla folhagem é bastante usada na elaboração de cestos e artesanatos em geral.
Flor
As inflorescências é que dão origem ao açúcar de coco, cujo poder de adoçar é igual ao de cana.
FONTE: “Produção e Comercialização de Coco no Brasil Frente ao Comércio Internacional: Panorama 2014”, de Carlos Roberto Martins e Luciano Alves de Jesus Júnior (Embrapa Tabuleiros Costeiros)
Os tipos de coqueiro
As características das três espécies cultivadas no país – a anã protagoniza a produção
Anão
- Vida útil (anos) – 30 a 40
- Porte da árvore (metros) – 8 a 10
- Produção (frutos/ano) – 150 a 200
- Peso do fruto (gramas) – 900
- Teor de óleo (%) – 25,41
- Produção de água (ml) – 200 a 300
Híbrido
- Vida útil (anos) – 50 a 60
- Porte da árvore (metros) – 20
- Produção (frutos/ano) – 130 a 150
- Peso do fruto (gramas) – 1 200
- Teor de óleo (%) – 66,01
- Produção de água (ml) – 400 a 550
Gigante
- Vida útil (anos) – 60 a 80
- Porte da árvore (metros) – 35
- Produção (frutos/ano) – 60 a 80
- Peso do fruto (gramas) – 1 400
- Teor de óleo (%) – 67,02
- Produção de água (ml) – 500 ou mais
Tabuleiro cultural
Pitadas do lado histórico, religioso e popular do coco
Oferenda aos deuses
Na Índia, um dos berços do coco, ele era (e ainda é) usado em festas e rituais dedicados a deuses como Ganesh e Durga.
De onde vem o nome dele
O termo é atribuído a portugueses que, em viagem ao Oriente, teriam achado o fruto parecido com o bicho-papão da época, o “coco”.
A chegada ao Brasil
A origem do fruto é o sudeste asiático. Ele teria sido introduzido aqui no século 16 com os portugueses – antes disso, fez escalas na África.
O encontro com o açúcar
No Nordeste brasileiro, o coco angariou espaço em meio ao domínio da cultura canavieira. Dessa parceria nasceu uma profusão de doces, caso da cocada.
Inspiração musical
A região nordestina é palco do coco de roda, ritmo que se dança batendo mãos e pés – diz-se que a percussão era feita com a casca do fruto.
Mil usos na cozinha
O popular leite de coco dá corpo e sabor a sobremesas como o arroz-doce e pratos salgados como a moqueca de peixe.